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Confira entrevista com Liliane Rocha, consultora em diversidade no trabalho

Em livro, ela defende que a inclusão começa com a liderança e ensina como gestores podem promover a igualdade dentro de suas organizações. Segundo a autora, trata-se de uma questão de vantagem competitiva

Tayanne Silva*
postado em 21/10/2018 16:04
Se você chefia uma equipe, já parou para pensar sobre a importância de promover a inclusão no seu time? E, caso tenha analisado a questão, compreende a melhor maneira de aplicar isso na prática? Liliane Rocha, presidente da consultoria de sustentabilidade e diversidade Gestão Kairós, escreveu um livro para ajudar gestores a construírem ambientes mais igualitários, mostrando que investir nisso é também uma vantagem competitiva. A obra traz orientações de como tratar e incluir mulheres, negros, indígenas, pessoas com deficiência, LGBTQI%2b (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, transgêneros, queer, intersexo e outras) dentro e fora do espaço corporativo. Aos 36, a paulista acumulou 13 anos de experiência na área de responsabilidade social de companhias, como Philips, Banco Real-Santander, Walmart e Votorantim Metais.
mulher negra de cabelos cacheados segurando o seu próprio livro nas mãos
Por isso, conhece a fundo os desafios envolvidos na democratização do mundo do trabalho. Assim, nas 80 páginas de Como ser um líder inclusivo, ensina o passo a passo da promoção da equidade. Para começar, o interesse em ter e apoiar o crescimento dos mais diversos perfis dentro da organização precisa ser genuíno. Mestre em políticas públicas com MBA executivo em gestão da sustentabilidade pela Fundação Getulio Vargas (FGV), Liliane observa que existe um fenômeno negativo chamado diversitywashing (lavagem da diversidade). A nomenclatura descreve ;empresas que se apropriam ou defendem questões relacionadas à diversidade em peças publicitárias ou produtos sem ter uma prática inclusiva concreta dentro da equipe de profissionais;. Ou seja, nem sempre a companhia que transmite uma imagem de valorizar a equidade, de fato, o faz na realidade.

Qual é a expectativa com o livro?
Quando se coloca um ;filho no mundo;, o que queremos é que as pessoas leiam e, a partir disso, mudem de comportamento para que, por fim, a sociedade se transforme. Acho que a publicação já está surtindo efeito. Há pessoas que entram em contato, dizem que querem me conhecer e que o livro mudou a visão delas sobre a diversidade.

Como é um líder inclusivo?
É um líder que dá importância à diversidade e à inclusão social. Ele valoriza, dentro da equipe, uma representação da democracia e da sociedade, ou seja, o time deve ter não só homens brancos, mas também negros, mulheres, pessoas com deficiência, a comunidade LGBTQI , adeptos de diferentes religiões... A tendência é que as grandes empresas sejam homogêneas, algo que precisa mudar. Também tenho destacado nas minhas palestras as cinco características do líder inclusivo, que são: empatia (colocar-se no lugar do outro de forma verdadeira), diálogo (conversa e aproximação), consciência dos nossos vieses (que passa pelo autoconhecimento), respeito a opiniões diferentes (tolerância) e a capacidade de colocar em prática o tema da diversidade, usando corretamente os termos vinculados a ela, por exemplo.

O que é preciso para se tornar um gestor que defende a diversidade?
Todo comportamento humano é aprendido, portanto, pode ser mudado com esforço e disciplina. Ninguém nasce preconceituoso, torna-se. Por isso, é possível aprender liderança inclusiva. Segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2015, a população é composta por 52% de mulheres, 54% de negros, 24% de pessoas com deficiência. Na década de 1950, a pesquisa mundial da Escala Kinsey mostrou que 10% das pessoas eram homossexuais. São percentuais subestimados devido ao contexto histórico. Mesmo assim, cadê essas pessoas dentro das empresas em todos os cargos, inclusive os de liderança? É preciso ter acesso a informações sobre a demografia da sociedade brasileira e da história da empregabilidade dessas pessoas. O processo para se tornar um gestor inclusivo passa por olhar para o próprio grupo de funcionários, avaliar se ele é ou não reflexo da sociedade e se você, líder, quer que ele se torne mais democrático. A partir disso, qualquer um consegue, em curto, médio ou longo prazo, virar um gestor inclusivo e constituir uma equipe diversa.

Qual a importância de as empresas abraçarem essa causa?
As organizações são pilares da sociedade, principalmente em termos econômicos, além de serem polos de pessoas. Isso quer dizer que uma empresa pode ser propulsora de uma mudança social tanto pelos recursos financeiros quanto por meio da força de trabalho. Uma cliente minha tem mais de 60 mil funcionários. Se ela construir a cultura da diversidade, isso afetará não só esses empregados, mas as pessoas com quem eles interagem.

Para que uma organização se torne inclusiva, essa decisão precisa partir de cima?
A inclusão é um processo que demanda o envolvimento de todas as pessoas. Quando se parte do presidente de uma empresa, na qual as estruturas hierárquicas têm muito peso, isso fará diferença. Mas vi medidas bem-sucedidas iniciadas tanto por proprietários quanto pela média liderança e por grupos de base. Isso dependerá de como se estruturam as relações de poder dentro de cada organização. Em algumas, o cargo é fundamental; em outras, a liderança nata independente da carreira.

Qual o maior desafio ao colocar a inclusão em prática?
Segundo estudo do instituto Ipsos Mori, do Reino Unido, o brasileiro é o segundo maior desconhecedor da própria realidade. Isso nos atrapalha demais porque, geralmente, as pessoas acham algo e acreditam que o ;achar; é dado, estatística, informação. E tomam decisões com base em equívocos. Se você quer implantar um programa de diversidade, faça uma pesquisa interna sobre o que os colaboradores da empresa pensam sobre o tema, comece o processo de educação e depois faça o censo interno para saber qual a demografia interna da organização quando falamos de perfis diversos. É possível construir um plano de ação com metas e indicadores que possibilitará que a empresa se torne mais inclusiva, principalmente atentando para contratação, retenção, desenvolvimento e cultura organizacional.
Sua publicação traz um capítulo inteiro sobre diversitywhashing. Por quê?
Entre junho e setembro de 2017, eu comecei a pensar: ;Será que todas as organizações que estão se posicionando a favor da diversidade estão a praticando efetivamente?; E eu criei o termo diversitywashing no ano passado. É um conceito que eu trouxe da sustentabilidade, chamado greenwashing (lavagem verde). É o fenômeno de empresas venderem a imagem da diversidade sem, de fato, colocá-la em prática. Há companhias que se apropriam desses atributos sociais sem fazer ou sem ter gestão sustentável ou diversificada dos negócios, tudo para relacionar a própria marca à defesa dessas causas.

Na sua opinião, a diversitywashing é um fenômeno comum? Muitas grandes empresas fazem isso?
Sim. De acordo com que eu conceituei como empresas que se apropriam de atributos de diversidade e inclusão, sem que necessariamente sejam inclusivas, isso é muito comum. Pense em uma empresa que, para você, é referência ou uma firma que fez um comercial que você amou. Agora, pergunte-se: o portal dela informa dados de diversidade no quadro geral de funcionários e na alta liderança? Todos os grupos diversos são contemplados? Hoje em dia, a maioria das organizações que têm programas de diversidade dão essas informações. É importante reforçar esses trabalhos incríveis sobre o tema que, muitas vezes, são de empresas que não se posicionam tanto com publicidade.

Leia!

Em livro, ela defende que a inclusão começa com a liderança e ensina como gestores podem promover a igualdade dentro de suas organizações. Segundo a autora, trata-se de uma questão de vantagem competitiva
Como ser um líder inclusivo ; fuja do diversitywashing e valorize a diversidade: seu guia para construir uma sociedade mais justa e uma empresa mais competitiva
Autora: Liliane Rocha
Editora: Scortecci
80 páginas / R$ 35

* Estagiária sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa

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