Darcianne Diogo*
postado em 02/12/2018 16:09
Quem gosta de números e cálculos, às vezes, não cogita cursar matemática por pensar que as opções de carreira se limitam à docência e à pesquisa. No entanto, as possibilidades vão além das salas de aula de escolas e universidades. Matemáticos são procurados por empresas de áreas como mercado financeiro, logística, marketing, tratamento de dados, gestão de informação, pesquisa, processamento de dados, química, física, ciências computacionais, gerenciamento ambiental, produção e muitas outras. Embora existam diversas possibilidades de atuação, falta conhecimento por parte dos alunos sobre esse leque de opções. É a percepção de Heglehyschynton Valério, matemático e diretor de Aquisição e Alienação de Participações da Caixa Econômica Federal.
;Isso ocorre, primeiro, porque somos poucos e, segundo, porque a maioria dos cursos de graduação em matemática são licenciaturas. Isso ocasiona um ciclo que privilegia a docência, que é importante, mas não é a única possibilidade;, ressalta. O cenário tem mudado aos poucos. ;Como outras áreas do mercado de trabalho têm salários mais atrativos, isso tende a afastar pessoas da docência. Penso que, nos próximos anos, a falta de professores será mais significativa, e as escolas passarão a disputar os profissionais que restarem.; A formação em matemática dispõe de dois caminhos: licenciatura e bacharelado. O primeiro é para lecionar para alunos de ensinos fundamental e médio. O segundo é ideal para os que se encantam com as soluções da matemática para problemas concretos da humanidade. Durante o bacharelado, o profissional se aprofunda nos temas da disciplina, estudando equações diferenciais, inteligência artificial e algoritmos. Ambos os caminhos possibilitam tornar-se pesquisador ou professor do ensino superior, caso dê continuidade aos estudos com pós-graduações. Coordenador de graduação em matemática na Universidade de Brasília (UnB), Yuri Dumaresq afirma que, independentemente da área, o profissional deve estar apto às soluções matemáticas. ;Isso é o que ele, de fato, fará dentro de uma organização. Ao se deparar com a questão, a pessoa deve encontrar a melhor forma de resolvê-la.;
Pouca procura
A falta de conhecimento sobre as possibilidades da área tem acarretado em diminuição na procura por cursos superiores na procura pelo curso de graduação. Comumente associada à docência na educação básica (e também à desvalorização, salários pouco atrativos e problemas do ambiente escolar), a carreira afasta interessados. ;Isso afeta diretamente a ocupação dos cargos;, diz Yuri Dumaresq, doutor em matemática aplicada. Outra preocupação é a migração de curso. Janete Gamboa, professora de matemática da UnB e mestre em matemática pura, explica que, durante a graduação, é comum haver desistência e trancamento tanto em disciplinas quanto no curso em si.
;Tiro conclusões pelos meus ex-alunos. Muitos ficam desmotivados;, ressalta. Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), há mais de 95 mil matrículas em cursos de licenciatura em matemática. Mais da metade dos alunos, 53,9 mil, são homens. Entre 2010 e 2015, a taxa de permanência no curso caiu de 85,1% para 12,6%, enquanto a de desistência subiu de 12,6% para 55,8%. A taxa de conclusão foi a única com resultados positivos, passando de 2,3% para 31,7%. Isso tudo num cenário de carência: metade dos professores do ensino básico ministra aulas sem formação específica.
Desconhecimento
Os empregadores também ignoram o potencial dessa mão de obra. ;Muitas empresas simplesmente não sabem onde encaixar um matemático, justamente por não saber no que ele pode contribuir;, destaca Dumaresq. Trata-se de um desconhecimento histórico, avalia ele. ;Já está consumado na cabeça das pessoas quais são as possíveis funções desse profissional. Não passa pela cabeça dele que ele poderia atuar numa indústria.;
;Os gestores ainda desconhecem o que o matemático tem a oferecer para agregar valor às empresas;, argumenta. O baixo investimento em pesquisa também pode afetar a contratação. ;Como essa parte ainda é nova nas indústrias brasileiras, não há tanto mercado para atuação nas indústrias, e eles terminam competindo diretamente com engenheiros ou químicos pelas poucas vagas existentes.; O professor acredita que uma das saídas para sanar o problema é incentivar parcerias entre universidades e empresas.
;Precisamos divulgar essas perspectivas de carreira para que as companhias vejam que a solução para muitos problemas é o matemático;, pondera. Pessoas competentes precisam falar sobre a temática, segundo a docente Janete Gamboa. ;É preciso que eventos recebam profissionais que saibam explanar bem. E o estudante tem de estar receptivo a receber esses conteúdos.;
Competências exigidas pelo mercado
De professor presidente
A especialização em matemática foi um dos fatores primordiais para José Raimundo Braga, 75 anos, chegar à presidência da Agência Espacial Brasileira (AEB). Na instituição, ele coordena, supervisiona e administra todas as ações. ;Utilizo muito o argumento da lógica, pois, para construir qualquer coisa, é preciso utilizar a razão. Para tomar decisões, não posso dispensar a matemática;, destaca. Embora a graduação seja em física pela Universidade Federal do Ceará (UFC), o mestrado em matemática foi um complemento essencial. ;Sem saber matemática, eu não progrediria na física. Então acabei descobrindo que os números não são necessários apenas para os físicos, mas para tudo na vida;, diz.
;Por exemplo, se você quer ser administrador, precisa saber calcular;, completa. Antes de trabalhar na AEB, José foi professor de matemática na Universidade de Brasília (UnB), de 1967 a 1985. Entre outras experiências, foi membro do comitê que criou o Instituto Politécnico do Rio de Janeiro (IPRJ), gerente sênior no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e diretor de planejamento da Agência Reguladora de Água e Saneamento do Distrito Federal (Adasa). Segundo ele, tudo graças à matemática. ;Em todos os lugares, trabalhei com argumentos e números. Atuei em áreas distintas e com sucesso utilizando a matemática;, comenta.
Para ser pesquisadora
Aluna do quarto semestre do bacharelado em matemática da UnB, Bárbara Guena, 19 anos, deseja trabalhar como pesquisadora em economia matemática. A atuação como docente é algo que a jovem não cogita em hipótese nenhuma. ;Há diferentes perspectivas de carreira, e a que eu quero me possibilitará a chance de me aprofundar no conteúdo, entender o porquê das coisas;, diz. A estudante participa do Programa de Educação Tutorial (PET/UnB), que incentiva os alunos a compreender a área de estudos com densidade, estimulando a interdisciplinaridade, a atuação coletiva, o planejamento e a execução, por meio de uma variedade de atividades.
Para ela, o PET foi um dos incentivos para seguir carreira matemática fora da docência. ;Você passa a ter outro olhar para a graduação. Acho que o programa contribui e dá a oportunidade de você ter experiência com todos os lados do campo;, destaca. Na visão de Bárbara, os matemáticos que atuam em áreas não convencionais podem contribuir positivamente para que uma organização tenha mais lucros. ;O avanço tecnológico proporciona maior produtividade, pois minimiza o tempo que se leva para fazer as coisas, e os matemáticos são muito úteis para aplicação dessas inovações;, defende. Universitários com o perfil de Bárbara, no entanto, ainda são minoria.
De assistente a analista de inteligência de mercado
Foi em 1993 que Esmeralda Alves, hoje com 44 anos, tornou-se assistente administrativa em aluguel de veículos na empresa Brasal Refrigerantes. Em 1998, ela se formou em administração pela Universidade do Distrito Federal (UDF) e garantiu a vaga de secretária executiva na mesma empresa, no qual permaneceu por 10 anos. Mas o receio do comodismo na carreira fez com que a administradora mudasse completamente de área. ;Sempre gostei de trabalhar como secretária, mas chegou um momento em que precisei abrir meus horizontes e buscar outras formas de trabalho.; Foi com essa expectativa que Esmeralda ingressou em uma graduação em matemática. ;Costumo dizer que me formei nesse curso por hobby. Percebi que gostava de números ainda no curso de administração e já sabia que queria atuar nisso;, diz.
Seis meses após sua formatura, a Brasal Refrigerantes abriu processo seletivo para funcionários formados em matemática. O programa Trilha do Conhecimento envolvia etapas como testes práticos, entrevistas e resolução de problemas, buscando um profissional para preencher a vaga de analista de inteligência de mercado. ;Vimos que a Esmeralda estava em busca de alternativas na carreira profissional. Pelo fato do potencial, a escolhemos;, esclarece a coordenadora de inteligência de mercado da empresa.
No setor em que atua, ela é responsável por definir metas para a previsão de vendas, acompanhar o desempenho dos produtos no mercado e gerenciar contratos. ;Lido com algoritmos 24 horas por dia, mas também faço o raciocínio lógico. Vejo que o papel do matemático em uma empresa é fundamental, porque ele é uma pessoa muito racional e organizada. Hoje em dia, toda instituição precisa de um profissional assim;, explica.
Na função de estagiário
Luã Luigi, 23 anos, está no décimo semestre do curso de bacharelado em matemática pela UnB e é estagiário do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) desde fevereiro, atuando na elaboração de processos administrativos e na pesquisa acadêmica e econômica. Essa foi uma das poucas oportunidades que surgiram para ele fora da docência. ;Infelizmente, as vagas que apareciam antes eram apenas para cargo de professor, que não é o que quer seguir. Desde o ensino médio, eu já sabia que queria trabalhar no mercado financeiro;, destaca. O jovem chegou a estagiar por um ano como monitor em aulas de reforço em matemática e física.
;O ambiente de trabalho era muito bom, mas dar aula em si, não gostei, pois curto mesmo economia e negócios;, comenta. O jovem fez estágio na empresa de consultoria financeira Valorum, auxiliando no trabalho de construção de fluxos de caixa das empresas clientes. Foi o período em que mais se aproximou das funções desejadas. ;Foi meu primeiro contato com finanças na prática, principalmente com o processo de análise de empresas e de setores como educação, alimentação, saúde e tecnologia;, conta. ;O matemático, dentro de uma empresa, pode até não efetuar cálculos diretamente, mas ele tem a capacidade de raciocinar de maneira mais lógica e solucionar um problema institucional;, explica.
Onde atuar?
Confira algumas áreas em que o profissional de matemática pode trabalhar
Economia e mercado financeiro: otimiza o gerenciamento de investimentos e faz modelagem de produtos financeiros.
Design de produtos: faz testes e simula a funcionalidade dos produtos, otimizando-os.
Produção: otimiza os processos de produção para evitar desperdícios, gerencia a cadeia de suprimentos e atua na modelagem de sistemas de produção.
Gerenciamento ambiental: cria modelagens com o intuito de auxiliar decisões a respeito de produtos ou processos que causam danos ao meio ambiente.
Biomatemática: atua na recuperação de imagens obtidas por exames como tomografias e ressonâncias e quantifica a leitura de imagens de ultrassonografia.
Ciências computacionais: cria algoritmos para software e também traduz modelos matemáticos para a linguagem computacional.
Quero dar aulas
Boa parte dos estudantes de matemática deseja seguir o caminho mais tradicional: a docência. É o caso de Ana Carolina Bonifácio, 18, que cursa o segundo semestre de licenciatura na UnB e se sente realizada com a profissão que escolheu. A paixão por cálculos e por ensinar começou na infância. ;Os números são a essência de tudo, pois em tudo você tem que dar certeza sobre o certo e errado, e para isso se usam os algoritmos. Além disso, ser professora é um sonho;, explica. A jovem reconhece que muitas pessoas estão desmotivadas com essa trajetória profissional, mas as compreende e não se desanima. ;Há muitas escolas em situação precária. Faltam recursos para dar aulas e ainda há a questão do estresse dos baixos salários;, diz.
Tzaro Zaytan, 19, percebeu que tinha facilidade para compartilhar conhecimentos durante o ensino médio. Atualmente, cursando o terceiro semestre da licenciatura em matemática na UnB, ele conta porque escolheu a docência: ;Eu me motivei pela gratificação que sentia ao ensinar a disciplina para colegas de classe e percebi minha vocação a partir da facilidade para transmitir o que sei aos outros;. O brasiliense conta que, apesar dos problemas do magistério, não há empecilhos que possam interromper o sonho. ;Não estou nessa por dinheiro, mas, sim, por querer passar conhecimento adiante;, comenta. ;Existe muita pressão nas escolas, mas o mais importante é ajudar a construir o futuro desses alunos.;
Augusto Liberato, 16, aluno do 9; ano do ensino fundamental, se sente inspirado pelo contato com mestres da disciplina, o que o motivou a querer se tornar professor de matemática. Ele estuda no Centro de Ensino Fundamental (CED) São José, em São Sebastião, e tomou a decisão mesmo sentindo dificuldades com a matéria. ;A matemática pode ajudar em tudo, em todas as ocasiões. Por exemplo, para medir uma rua ou saber quantos metros a pessoa andou;, explica o adolescente, que vê a carreira como gratificante e desafiadora. ;A carga horária é pesada, eles lidam com o estresse e isso é muito difícil;, diz.
*Estagiária sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa