Thays Martins
postado em 23/12/2018 15:09
Entre as dificuldades para elas alcançarem o comando das companhias estão o assédio, no trabalho, a discriminação com gravidez e a falta de políticas de equidade de gênero
Apesar de serem mais da metade da população e estarem responsáveis por 44% da mão de obra, as mulheres ainda são minoria quando o assunto é liderança no Brasil. Elas só ocupam 18% dos cargos de presidência em empresas com sede no país. Esse panorama se repete até mesmo em países que conseguiram alcançar maior taxa de igualdade de gênero. De acordo com levantamento da Deloitte, empresa de consultoria britânica, apenas 15% dos lugares nos conselhos de administração em todo o mundo são ocupados por elas. para alcançar o comando das companhias,elas enfrentam problemas como assédio, a discriminação com gravidez e a falta de políticas de equidade de gênero. Os cargos públicos de comando seguem a mesma lógica excludente. Dos ministros do novo governo eleito anunciados, há somente duas mulheres. No Supremo Tribunal Federal (STF), há apenas duas mulheres entre os 11 ministros. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), são seis mulheres e 27 homens. Recentemente, a militar Dalva Maria Carvalho tornou-se a primeira mulher da história a ocupar um cargo de oficial general das Forças Armadas, posto mais alto que uma mulher pode ocupar no serviço militar.
O desafio atual é fazer com que mulheres como Beatriz Nassur Espinosa, 55 anos ,e há 8 ocupando o cargo de gerente executiva de Responsabilidade Social na Petrobras, não seja exceção. Na empresa petrolífera, elas representam 18% dos cargos de chefia. Para Beatriz se tornar uma das líderes, não faltaram desafios. ;Atuei na área tecnológica por muitos anos, antes de ingressar na carreira gerencial. Sempre estive aberta às mudanças e às novas oportunidades de desenvolvimento profissional. Enfrentar as dificuldades com serenidade, buscando sempre o equilíbrio entre a vida familiar e profissional, fez com esse caminho fosse trilhado. O principal desafio foi no período que representei a companhia em fóruns internacionais, com muitas viagens na agenda. Conciliar a ausência frequente com a criação dos filhos pequenos foi um desafio, cuja superação foi possível com o grande apoio da família;, lembra a engenheira química, mãe de dois jovens.
A empresa, agora, pretende chegar ao percentual de 25% de mulheres em cargos de liderança até 2025. Para tanto, Beatriz destaca a importância do investimento em políticas institucionais. ;Reforçaremos os programas de capacitação e sensibilização de empregados sobre o tema e desenvolveremos lideranças femininas por neio de mentorias;, projeta ela. ;Também serão implementadas iniciativas voltadas à formação de mulheres e meninas em carreiras de tecnologia e de engenharia fora da empresa, visando estimular a participação de mulheres nessas áreas de interesse para nossas atividades.;
No mesmo sentido há empresas investindo em programas de incentivo e até estabelecendo cotas para resolver a questão, mas ainda são poucas as que colocam o assunto em pauta. De acordo com o Guia Exame de Mulheres na Liderança, elaborado pela Fundação Getulio Vargas (FGV), as políticas, práticas e processos mais adotados pelas empresas são voltados para garantir que os processos da corporação sejam equânimes, transparentes e neutros, inclusive em relação a gênero. Além disso, a maior parte das companhias que estão fazendo esse estímulo são multinacionais, faltando casos nacionais e locais de consciência empresarial do protagonismo feminino.
Se inspire
Conheça mulheres que chegaram a posições de comando
No mundo das bebidas
A responsável pela carta de vinhos do restaurante A Mano é uma mulher. Ana Clara Carvalho, 35, entrou em 2010 para esse mundo dominado por homens, quando assumiu um cargo de sommelier. As atribuições desse profissional vão além da escolha das bebidas. Ana Clara gere uma equipe de 21 pessoas e é responsável por toda a parte de custos. Por isso, para alcançar o cargo, ela teve que estudar. ;Pensei em aprender um pouco sobre cada coisa. Tem que conhecer do menu à parte de gestão. Eu fiz curso de bar no Senac. Hoje em dia faço faculdade de administração. Fiz vários minicursos. O estudo nunca pode parar;, ressalta. Porém, as dificuldades não foram poucas. ;É um mundo muito masculino. Os horários são complicados, trabalho de madrugada. Então, as mulheres acabam não participando porque o marido não deixa. No começo, foi bem difícil. Depois, eles veem que você tem conhecimento e sabe o que está fazendo;, ressalta. Quanto aos clientes, ela diz que sempre foi mais tranquilo. ;Tenho uma postura mais séria e eles sempre tiveram respeito. As mulheres sempre demonstram alegria em ver alguém no meu posto;, destaca com satisfação.
À frente de 108 pessoas, Oldenice Mascarenhas, 39, é gerente do Carrefour Bairro. Para chegar ao cargo, que ocupa há três anos, somaram-se 15 anos de experiência em supermercado, cujo início se deu como operadora de caixa. ;Sempre corri atrás de crescer dentro da empresa. Eu lutei, estudei, trabalhava durante o dia e estudava à noite. Tudo que fazia era projetando chegar a esse cargo;, lembra. Grávida e mãe de um menino de oito anos, ela reconhece que a conciliação da maternidade com a carreira é um desafio grande. ;Eu tento conciliar a parte do trabalho com a familiar. É complicado em função da disponibilidade de tempo. Muitos pensam que a mulher não vai dar conta de delegar tarefas;, diz. Ela ressalta que nunca sofreu nenhum tipo de discriminação por parte de subordinados e clientes, ;porque eu consigo me posicionar. Eles me respeitam e eu os respeito .;
Longe do ideal
A professora Lígia Paula Pires, responsável pela pesquisa, afirma que os resultados mostram grande distância do ideal. ;A gente constata que o Brasil ainda está caminhando a passos lentos. Existe o pressuposto de que há uma sub-representação feminina em alguns cargos. Houve um progresso nos últimos anos, mas é pequeno;, diz. Ainda que o ambiente de trabalho apoie a igualdade de gênero em linhas gerais, muitas vezes isso não é suficiente para resolver a questão nas posições mais altas.
A estagnação da carreira das mulheres é causada por vários fatores. ;Iguais promovem iguais. Se você tem muito mais homens na liderança, é natural que só sejam promovidos homens. Fora isso, alguns setores atraem menos mulheres e mostram vieses inconscientes;, destaca Silvia Fazio, presidente da Women in Leadership in Latin America, ONG que luta pelo empoderamento da mulher no mercado de trabalho.
Empresas presididas por elas tendem a ter mais lideranças femininas em cargos como vice-presidência, diretorias e conselhos. Essa diferença chega, em média, a 23% a mais, como mostra a pesquisa Panorama Mulher. Esse é o caso do Laboratório Sabin, empresa fundada por duas mulheres. Hoje, a empresa alcançou a marca de 74% dos cargos de liderança feminina. Além disso, a empresa foi escolhida como o melhor lugar para mulheres trabalharem. A sócia-fundadora do Sabin e líder do núcleo DF do Mulheres do Brasil, Sandra Soares Costa, explica que isso foi possível pelo incentivo a oportunidades iguais. ;Acreditamos que a mulher pode investir na profissão e ter vida pessoal. Sempre valorizamos uma política de desenvolvimento de qualidade de vida. Damos as mesmas oportunidades para homens e mulheres;, destaca.
Outro problema, de acordo com Lígia, é que as mulheres ainda estão mais presentes em profissões com menores remunerações. ;A gente pode dizer que a mulher, hoje, ingressou no mercado de trabalho, mas não de forma plena, porque existe uma sexualização das profissões. As que têm mais homens geram maior remuneração. Um engenheiro e um administrador ganham mais do que uma professora e uma enfermeira;, exemplifica. Mesmo que elas ganhem espaço em profissões mais sofisticadas, ainda assim não alcançam as posições com melhores salários. ;Hoje em dia, por exemplo, nas faculdades de direito, elas são 50% ou mais dos estudantes. E elas têm boas ou melhores notas que os homens. Quando você olha para as áreas no setor privado, que ganham rios de dinheiro, há pouquíssimas mulheres. Na área de família, que tem menos prestígio, 90% são mulheres. Se você fizer uma análise dos escritórios de advocacia, há uma enxurrada de mulheres entrando, mas quando você olha para os sócios, elas são menos de 10%;, exemplifica.
Isso também é observável nas ciências. Elas são a maioria dos ingressantes, cursando e concluintes do ensino superior. De acordo com o Censo da Educação Superior 2017, a taxa de ingresso feminino foi de 55,2%, a de matrícula foi de 57%, e a de concluintes, de 61%. Apesar disso, elas não continuam na área de pesquisa. O estudo Mulheres na Ciência, promovido pelo Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mostrou que o percentual de mulheres diminui desproporcionalmente à medida que se avança na carreira no ambiente acadêmico. No caso da física, elas representam, em média, 45% das bolsas de iniciação científica. Quando se olha para o cargo de pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), elas são menos de 20%. ;O mundo é machista e patriarcal, mas essas políticas podem trazer luz para o problema;, ressalta a pesquisadora da FGV Lígia Paula Pires.
Os desafios ainda são maiores
Para as mulheres negras, a situação é ainda pior. A pesquisa Panorama Mulher aponta que 90% das lideranças femininas são brancas. ;As mulheres negras enfrentam um grande problema de inserção, em especial nos cargos mais sofisticados. Ainda temos muitas questões a serem superadas;, explica Lígia. E isso não se repete apenas com mulheres não-brancas, mas também as que são lésbicas, trans (transexuais, travestis e transgêneras), bem como de mulheres com deficiência. O Guia Exame de Mulheres na Liderança mostrou que, das empresas que promovem políticas para integração de mulheres, uma minoria se preocupa com outras especificidades. ;Estudos mostram que mulheres lésbicas sofrem duas vezes porque elas têm toda a carga emocional de ter um relacionamento com uma pessoa do mesmo sexo e elas acabam se escondendo. Há outros que dizem que elas se dão bem porque têm menos filhos;, pondera Lígia.
Pelo lado positivo
;O que temos observado de positivo é que os executivos estão começando a olhar para a diversidade como um todo. Antes isso era uma preocupação do RH, e, se a alta liderança está engajada, eles irão apoiar iniciativas. Mas ainda tem muito a ser feito;, avalia Silvia Fazio, presidente da Women in Leadership in Latin America (Will) .Essa afirmação dela tem como base a última edição do estudo Mulheres na Liderança, que mostrou que 63% dos presidentes se disseram comprometidos com essas questões.
Para que as mulheres consigam mudar esse quadro, a coach de alta performance da LeaderArt International, Leila Arruda, destaca a necessidade de ele sobressaírem diante das adversidades. ;Não pare de estudar. Eu vejo muitas perdendo uma oportunidade porque não têm uma certificação. Se especialize cada vez mais;, enfatiza.
Diversidade como decisão estratégica
Empresas que conseguem promover mais igualdade de gênero, racial e sexual ganham vantagens competitivas, é o que destaca Silvia Fazio. ;Essa diversidade é importante tanto do ponto de vista da responsabilidade colaborativa, como de representatividade da sociedade e dos próprios negócios. Uma decisão é muito mais rica quando tomada por pessoas que têm diferentes opiniões e gêneros;, exemplifica. ;Todos os CEOs consideram a inovação um ponto importante, e a diversidade de gênero traz isso;, completa.
De acordo com Leila Arruda, as vantagens para as empresas que têm mais mulheres em posições estratégicas são inúmeras. ;Ela consegue administrar mais coisas ao mesmo tempo, desempenhar vários papéis e liderar de uma maneira mais ampla. E isso de forma natural, porque já fazemos várias coisas ao mesmo tempo;, elenca. Segundo ela, empresas com maiores quadros de diversidade apresentam resultados melhores, como revela a pesquisa Delivering Through Diversity (entregando resultados por meio da diversidade, em tradução livre) feita pela consultoria financeira McKinsey, que apontou que empresas que possuem mais diversidade nos postos de liderança têm um rendimento 21% acima da média. Outra vantagem, de acordo com Lígia, é que mulheres são mais resistentes. ;Homens têm maior sensibilidade à dor. Mulher consegue trabalhar com dor. Homens e mulheres são diferentes;, destaca.
Políticas e práticas em gênero e interseccionalidades
Das empresas que promovem políticas visando igualdade de gênero, 20,45% têm práticas específicas para mulheres não-brancas, 28,41% para lésbicas, 18,18% para mulheres trans e 30,68% para mulheres com deficiência
*Estagiária sob supervisão de Ana Sá