Tayanne Silva*
postado em 23/12/2018 15:35
Você já pesquisou regras gramaticais na internet? Já teve dúvidas sobre pormenores como o uso da crase, da vírgula, dos porquês, do este e do esse? Com certeza, não foi o primeiro a fazer isso. Mesmo os mais entendidos quando o assunto é português volta e meia se pegam indecisos com determinados elementos da língua. Para quem não tem lá muita afinidade com o tema, o desafio é mais complicado ainda. Foi para ajudar pessoas de todos os perfis a entenderem determinadas regras gramaticais que a professora Cíntia Chagas lançou o livro Sou péssimo em português: chega de sofrimento! Aprenda as principais regras de português dando boas risadas. Só que, bem diferente de uma gramática tradicional, a obra flerta com o gênero literário: a autora conta anedotas da própria vida e, por meio delas, ensina conceitos da norma culta.
Aos 36 anos, mais de 16 deles dedicados à sala de aula, Cíntia reuniu 30 contos que abordam relacionamentos, viagens, sessões de terapia, jantares e outras experiências que servem de instrumento para o aprendizado gramatical. Graduada em letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a mineira de Belo Horizonte nutre paixão pela área desde muito cedo. ;Era o curso que eu queria fazer! Eu o segui por vocação e pelo coração. Infelizmente, ser professor no Brasil nem sempre é motivo de orgulho;, conta. No começo da carreira, trabalhou como corretora de produção textual, ganhando R$ 300 por mês para revisar cerca de 1.000 redações por semana. O jeito leve de ensinar gramática de Cíntia passa, algumas vezes, por ironias e, em outras, por instrumentos lúdicos. Tudo é muito bem recebido pelos estudantes.
No entanto, esse modo de trabalhar nem sempre foi bem interpretado pelas direções de cursinhos e escolas, que ainda se prendem à visão de um professor de gramática sisudo e sem nenhuma gota de diversão. A professora foi demitida 10 vezes de diferentes empregos por causa do método nada ortodoxo de dar aulas. O livro dela, no entanto, finca o pé e deixa claro que há de se encontrar diferentes modos de ensinar. ;Os alunos eram atraídos por uma aula baseada em teatro, música, brincadeiras e bom humor;, conta. ;Só que o estilo brincalhão gerava problemas entre mim, os demais professores, a direção e a coordenação. Nunca tive problema com pais dos estudantes;, garante. Na sua trajetória, foi comum ouvir frases do tipo: ;Isso aqui não é um circo;.
Para fugir de modelos engessados, a mineira abriu um cursinho próprio há 10 anos. O pré-vestibular ensina técnicas de texto a jovens de 16 a 25 anos, fazendo uso de músicas de artistas pop como Anitta e jingles de propagandas famosas. O perfil de Cíntia no Instagram (@cintiachagass) tem mais de 134 mil seguidores e traz diversas dicas de português por meio de vídeos para lá de engraçados.
Como surgiu a ideia do livro?
Na verdade, a obra foi apenas a transposição do que faço em sala de aula para o papel. Eu ensino as regras da língua portuguesa por meio de histórias da minha vida. Preciso deixar muito claro que o meu compromisso é com a norma culta. Tanto que eu escrevi quase a metade do livro em oito dias e depois mandei para uma editora. Quem me deu coragem de passar minhas experiências para o papel foi um amigo, o padre Fábio de Melo. Ele me incentivou e disse: ;Você é excelente no que faz e deve dividir isso com as pessoas. Elas merecem ter acesso ao seu modo de ensino.;
Como tem sido a reação do público?
Muitas pessoas disseram que se surpreenderam com um aprendizado em que é possível se divertir. Especialmente, mulheres, que se identificaram muito com a obra, porque há muitas questões relacionadas a término de namoro, conversas com psiquiatras, entre outras. E, ao mesmo tempo, aprendem, por exemplo, sobre o uso do ;senão; junto e ;se não; separado. A ideia é que certas regras de gramática finalmente entrem na cabeça dos leitores. Apesar de eu dar aulas de pré-vestibular, quem mais tem comprado meu livro é gente graduada.
Qual a importância da língua portuguesa para a carreira?
O domínio da norma culta da língua portuguesa é muito importante para a comunicação de um modo geral. Por exemplo: em um boletim de ocorrência, na frase ;O elemento saiu do carro correndo;, quem estava correndo? O elemento ou o carro? Esses e outros problemas podem ocorrer devido à falta de conhecimento gramatical.
As pessoas aprendem sobre português desde cedo e, mesmo assim, erram muito. Por quê?
O aluno, quando está no colégio, negligencia o estudo da língua portuguesa para se dedicar a outras matérias, como matemática, química e física. Após sair da escola, ele percebe a importância do português no dia a dia. Ele deixa de estudar quando sai da escola, mas vê que é necessário porque a vida é comunicação.
O seu trabalho tem inspirado outros professores?
Não imaginava que pudesse, mas tenho recebido muitas mensagens de docentes que estão usando meu material dentro de sala de aula. De alguns anos para cá, alguns professores têm negligenciado o ensino da norma culta, como se ela fosse motivo para preconceito linguístico. Na verdade, existe uma guerra. Muitos professores e linguistas consideram meu trabalho como uma forma de preconceito com quem não teve acesso à educação. Tem-se disseminado uma ideia de que não existe uma maneira correta de falar. O que discrimina é a ausência de condições educacionais igualitárias. A norma culta é a ferramenta mais poderosa de ascensão social que nós temos, pois conseguimos entender textos de filosofia, sociologia, entre outros que formam seres pensantes que somos.
Você tem planos para outro livro?
Sim! Tenho reunião marcada com a editora para o ano que vem. Deve ser uma obra também sobre dúvidas de português do dia a dia, a partir de perguntas enviadas por seguidores do Instagram e feitas por alunos em sala de aula.
Como foi a experiência de abrir o próprio cursinho?
Comecei com um investimento baixo, de R$ 10 mil, para construir um pré-vestibular boutique: uma sala de 25m;, 14 alunos por turma e atendimento mais do que personalizado. Sei a letra e as dificuldades de cada estudante. Eu dou a eles todo o suporte necessário: de aulas diferenciadas a apoio psicológico. O meu objetivo nunca foi ter várias turmas de alunos, mas poder cobrar um valor justo pelo trabalho de excelência que desempenho. Hoje, todo o esforço me garante uma vida economicamente estável.
Leia!
Sou péssimo em português:
Chega de sofrimento! Aprenda as principais regras de português dando boas risadas
Autora: Cíntia Chagas
Editora: Harper Colins
160 páginas; R$ 34,90
Dicas para não errar
Não confunda SENÃO (caso contrário) com SE NÃO (conjunção SE e advérbio NÃO):
Obedeça-me, senão receberá um castigo.
Se não vier, avise-me.
Não confunda AO ENCONTRO DE (ideia de convergência) com DE ENCONTRO A (ideia de divergência):
Fecharemos o negócio, já que as suas ideias vão ao encontro das minhas.
Discuti com Jonas, uma vez que os pensamentos dele vão de
encontro aos meus.
Não confunda AO INVÉS DE (ideia de oposição) com EM VEZ DE (sinônimo de ;no lugar de;):
Ao invés de chorar, eu sorri.
Em vez de ir à praia, fui ao clube.
*Estagiária sob a supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa