Jornal Correio Braziliense

Trabalho e Formacao

Estudo da OEI analisa avanços das mulheres na ciência na Ibero-América

Apesar de haver grande desigualdade com relação às áreas de pesquisa (elas ainda são minoria nas exatas), as pesquisadoras têm publicado cada vez mais artigos. No entanto, ainda é preciso lutar para ocupar espaços, como defende a cientista indígena Aline Pachamama

O estudo As desigualdades de gênero na produção científica ibero-americana, da Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI), revela avanços das cientistas na região formada por América Latina, Portugal e Espanha.

No Brasil, as mulheres estão à frente dos homens em dois aspectos: a produção e a publicação de artigos. O Brasil é o país com maior participação de mulheres em assinatura de artigos. Por aqui, 72% dos textos publicados incluem pelo menos uma autora. Em 2017, as cientistas brasileiras foram responsáveis por 53% dos estudos publicados no Brasil; e os homens, por 47%.

Em Argentina, Guatemala e Portugal, a participação feminina em artigos publicados é de 67%, de 66% e de 64%, respectivamente. Em El Salvador, Nicarágua e Chile, elas participam em menos de 48% das publicações.
Nos países da Ibero-América, o total de mulheres que estudam licenciatura ainda é superior ao montante das que cursam doutorado. No Brasil e na Argentina, a diferença não é tão alta, com apenas 5% a mais de mulheres nas licenciaturas em comparação com os cursos de doutorado.

Na maior parte dos outros países ibero-americanos, as mulheres são mais da metade das alunas nas licenciaturas. No Brasil, nas licenciaturas, 57% dos estudantes são do gênero feminino; enquanto nas salas de aula dos doutorados, o índice feminino é de 53%.
Diferenças marcantes aparecem nos nichos de atuação de cientistas homens e mulheres. Em física, química e engenharia, há predominância de cientistas homens, enquanto nas ciências sociais as mulheres se destacam.

"Devemos conquistar nosso espaço"


Aline Pachamama, moradora do Rio de Janeiro, é historiadora, escritora e pesquisadora. Ela é indígena por parte de mãe e desenvolveu o desejo de contar a história do povo dela: a etnia Puri, do sul de Minas Gerais. "Eu desejava falar da história da minha família, da minha mãe. Quando fiz o magistério, ela ficou muito feliz, achando que era o grau máximo de estudo. Porém eu quis mais, quis contar a história dos povos originários e pesquisar", diz ela, que é idealizadora da Pachamama Editora, formada por mulheres indígenas.

Aline é graduada em história pelo Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos (UniMSB), com pós-doutorado em história do Brasil, mestrado em história social pela Universidade Federal Fluminense (UFF), e doutorado em história cultural pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Ela sempre procurou desenvolver trabalhos voltados a povos originários e mulheres, que é a linha de pesquisa dela. "Eu vejo a importância de contar essas histórias, pois o protagonismo feminino já é muito difícil e, se você pensar ainda no indígena, é mais complicado. Não se vê essas mulheres nas universidades", conta.
[SAIBAMAIS]

Durante a graduação, a pesquisadora enfrentou obstáculos. ;Meu pai faleceu logo quando eu estava na faculdade, eu tinha passado numa federal, mas não pude ir, então optei pela particular;, diz. Para pagar a faculdade, Aline dava aulas. ;Fui professora de alfabetização da educação básica e de adultos. Lecionava o dia todo e estudava à noite. Foi um período difícil;, relembra. Das quatro formações, ela conseguiu bolsa apenas para o mestrado.

A cientista não tem filhos e percebe que a grande dificuldade das pesquisadoras é a busca de espaço. "É muito difícil a mulher estar em um lugar de fala. A discriminação é sempre presente. São comuns perguntas como ;você é mulher e vai falar sobre política?;, ;É indígena e vai falar de música?;. São questionamentos desnecessários. Muitas vezes, a violência simbólica machuca mais do que a física", comenta. "Devemos conquistar nosso espaço e lutar pelo que queremos. Estamos na luta por uma igualdade que ainda não temos por completo e devemos seguir em frente", defende.

*Estagiária sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa