Trabalho e Formacao

Cartilha ajuda a tirar dúvidas sobre discriminação no trabalho

Empregados e empregadores podem se orientar por meio de cartilha da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho que responde a questões sobre o tema

Eduarda Esposito*
postado em 23/04/2019 14:00
O que o empregado deve fazer quando perceber discriminação contra si e contra outros no trabalho? E qual deve ser a postura do empregador? Quais são as consequências legais? O que pode ser exigido no currículo ou numa oferta de emprego? A empresa precisa pagar salários iguais para pessoas em cargos iguais? O empresário tem que reconhecer o nome social de um trabalhador? É para responder a essas e outras perguntas ; que costumam ser dúvidas comuns entre o empresariado, departamentos de RH e funcionários ; que existe um guia tira-dúvidas da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho (antigo Ministério do Trabalho). Empregados e empregadores podem recorrer ao documento, lançado em 28 de dezembro do ano passado, em busca de orientação. A visão do campo jurídico é otimista quanto ao documento.
Fernando Abdala, presidente da Comissão de Direito do Trabalho da OAB-DFDe acordo com Fernando Abdala, advogado e especialista em direitos trabalhistas, o guia é bastante necessário. ;A discriminação é um problema grave na sociedade;, destaca. ;Esse guia ajudará à medida que chama a atenção para o assunto, levando ao público leigo essa relevante informação de maneira mais simples;, diz. Para ele, o documento também será de grande valia aos advogados de questões trabalhistas. ;Esse guia é muito bom e nos ajudará, mas sobretudo auxiliará os empresários e diretores de departamento de recursos humanos que precisam lidar com as situações do dia a dia e não são especializados nesse tipo de questão;, pontua. Fernando Abdal é presidente da Comissão de Direito do Trabalho da Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal (OAB-DF) e observa que o guia é atual e ;se encontra em total acordo com as normas jurídicas vigentes, de forma que não há retrocesso;. O advogado avalia como positiva a resposta dada à seguinte pergunta: quem pode ser vítima de discriminação nas relações de trabalho?

;O texto diz que a vítima de discriminação pode ser qualquer pessoa ou grupo de pessoas que sofram tratamento desfavorável e de natureza injusta;, afirma. ;Assim, verifica-se uma verdadeira inclusão no guia de tudo o que pode ser considerado discriminatório, ressalvadas as exceções de necessidade do negócio, exigência profissional genuína e ações afirmativas;, explica. Fernando Abdala analisa que a resolução para a pergunta ;Quais critérios são considerados discriminatórios?; também foi bastante avançada ao não esgotar todas as possibilidades de discriminação. Afinal, novas formas de intolerância podem surgir. Alguns exemplos de fatores preconceitos são: discriminação quanto ao sexo (inclusive orientação sexual), cor, raça, origem, crença religiosa, opinião política, convicção filosófica, idade, deficiência, estado de saúde (doença grave que suscite estigma ou preconceito), gravidez, estado civil, situação familiar, reabilitação profissional, atuação sindical, entre outros.


Eu sofri na pele

Suyane sofreu discriminação no trabalho numa agência de turismo
No que diz respeito a ;padrão de beleza;, o guia orienta que a ;aparência não constitui requisito justificável para o exercício de cargos cujas qualificações técnicas e habilidades profissionais são preponderantes, como é o caso, por exemplo, dos cargos de comissário(a) de bordo e secretário(a);. No entanto, ocorrências de intolerância por esse aspecto não são raridade no mercado de trabalho. A bacharel em turismo Suyane da Costa Maia, 31 anos, sofreu por causa disso quando trabalhou numa agência de turismo. ;Fui discriminada por causa de tatuagem e piercing, tanto por parte da empresa,quanto por parte dos clientes. Quando fui contratada, eu tinha um piercing no nariz, uma pedrinha bem discreta, e algumas tatuagens;, conta a brasiliense. De acordo com Suyane, o diretor da agência fazia ;piadas; sobre as modificações corporais. ;Ele perguntou por quê eu andava com um pedaço de arame no nariz e se eu estava treinando para ser um gibi ambulante;, conta Suyane, que considerou como a ;brincadeira; desagradável;.

Após esse episódio, ela foi orientada pela chefia a esconder as alterações no corpo. ;Passada uma semana, minha gerente me chamou e pediu para que eu tirasse o piercing, pois a empresa não autorizava usar. Como precisava muito do emprego, tirei sem questionar;, comenta Suyane. Mas as imposições não pararam por aí. ;Um tempo depois, a gerente pediu para que, quando eu fosse atender algum cliente, colocasse o blazer para esconder minhas tatuagens. Fiquei o primeiro ano inteiro me escondendo atrás de um casaco, passando calor, fazendo algo que não me sentia bem em fazer;, confessa. Após sofrer calada por meses, Suyane resolveu bater de frente com a chefe e dizer como se sentia. Depois de todos os contratempos encontrados trabalhando por três anos na agência de turismo, Suyane resolveu pedir demissão. Suyane fez curso de body piercer. ;Hoje tenho um estúdio com meu marido, que é tatuador. O que ganhei com tudo isso? Qualidade de vida! Hoje sou respeitada no ambiente de trabalho;, comemora a dona da Skin Diamond Tattoo e Piercing Company, em Águas Claras.

Motivação da cartilha

O objetivo dos autores é que o guia Perguntas e respostas sobre discriminação no trabalho se torne de uso comum para chefes, recrutadores e trabalhadores do setor público e da iniciativa particular. Infelizmente, ainda ocorrem casos em que funcionários se sentem constrangidos ou coagidos por alguma característica física ou motivo de vida pessoal que faz com que as competências profissionais sejam colocadas em segundo plano, dando a ideia de que a aptidão para exercer funções dentro do ambiente de trabalho não é a mais importante. É o que observa João Paulo Reis, chefe da Divisão de Fiscalização para Inclusão de Pessoas com Deficiência Física e Combate à Discriminação no Trabalho da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT).

Segundo ele, o respeito às pessoas é que está por trás da criação da cartilha. ;O recado que colocamos é de que não há espaço para discriminação. No ambiente de trabalho, deve haver igualdade de tratamento, oportunidade entre as pessoas, e elas devem ser tratadas de acordo com as suas habilidades e competências e não por suas características como raça, sexo ou religião ou outro fator que não seja relacionado à aptidão para a função;, defende. ;O documento foi formulado por uma equipe composta por quatro advogados. Então, tem um embasamento jurídico forte, mas não deixa de ter uma linguagem acessível para todos, além do visual mais despojado para torná-lo consumível pelos trabalhadores;, explica.

Importância da prevenção

Cristiano Otávio Paixão Araújo Pinto, professor da UnB
João Paulo Reis conta que o guia foi lançado em consonância com os 70 anos da proclamação da Declaração dos Direitos Humanos e os 30 anos da Constituição Brasileira de 1988. Para Cristiano Otávio Paixão Araújo Pinto, professor de direito da Universidade de Brasília (UnB), a cartilha vem para reforçar o que já é lei. ;Um dos parâmetros básicos da nossa Constituição é o respeito à dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos que está no artigo 1;. E um ato discriminatório no ambiente profissional é algo que afeta muito as relações de trabalho;, alerta o professor. Cristiano ainda ressalta que a questão pode gerar traumas. ;Muitas vezes, a nossa vida é muito ligada às nossas relações de trabalho, à nossa trajetória profissional. Então, um ato de discriminação pode ser uma situação traumatizante;, explica o docente.

O professor ainda ressalta que iniciativas como a cartilha são válidas tanto para ajudar vítimas quanto para orientar pessoas que estão em posições hierarquicamente superiores nas organizações. ;É muito importante, para evitar esse tipo de situação, haver prevenção, principalmente em relação às empresas. É necessário que executivos e gerentes tenham em mente que nós temos uma Constituição e várias normas que proíbem a discriminação;, afirma. O professor avalia que o documento foi ;bem-feito;, mas pondera que, mesmo que tentassem, os organizadores não poderiam colocar todas as situações potenciais de intolerância na cartilha. ;Ela é bem didática, dá os conceitos básicos, é um bom guia de orientação, sim;, enfatiza. ;Considero uma iniciativa importante, porque é uma situação dramática a diferença de oportunidades e tratamento no mercado de trabalho brasileiro. Então, todo esforço, toda a mobilização que seja feita para combater esse tipo de situação é bem-vinda;, enfatiza.

Ser diferente é bom

O presidente executivo da Apple, Tim Cook
À medida que a conscientização sobre a importância de combater a discriminação, de qualquer tipo, aumenta, crescem também os casos de trabalhadores que assumem traços até então ocultos, como em relação à orientação sexual. O presidente executivo da Apple, Tim Cook, revelou abertamente ser homossexual, em 2014 ; tornando-se o primeiro presidente gay na Fortune 500, lista com as 500 empresas mais ricas dos Estados Unidos. Em outubro do ano passado, ele voltou a afirmar sua sexualidade. ;Ser gay foi o melhor presente que Deus me deu;, exclamou em entrevista à CNN.

Depois da declaração, outros quatro presidentes de empresas falaram sobre sua sexualidade, entre eles uma mulher, Beth Ford, que comanda a empresa alimentícia Land O;Lakes. Em 2014, John Browne, ex-presidente da BP, uma das maiores petroleiras do mundo, lançou um livro que dá a entender que sair do armário é ótimo para os negócios: The glass closet: why coming out is good business (em tradução livre: O armário de vidro: Porque sair do armário é bom negócio).

Um ;LinkedIn; especial

A empresa Danone, em parceria com a Associação Ser Especial, criou uma plataforma digital exclusiva para promover a diversidade. A parceria resultou em dois produtos. O primeiro foram cursos de especialização profissional para pessoas com deficiência. O segundo foi o desenvolvimento de uma plataforma com conteúdo e currículos para ajudar a encaminhar os concluintes dos cursos ao mercado de trabalho, um tipo de LinkedIn para pessoas com deficiência intelectual. Os cursos e a plataforma são gratuitos, tanto para quem quer utilizar os serviços quanto para empresas que queiram integrar a rede. Saiba mais pelo link bit.ly/2Ro9tox.

39 perguntas respondidas


Confira as questões que são solucionadas no guia

1. O que é o princípio da igualdade, ou da não discriminação, nas relações de trabalho?
2. O que é discriminação?
3. Qual é a diferença entre preconceito e discriminação?
4. Quais critérios são considerados discriminatórios?
5. O que é discriminação direta?
6. O que é discriminação indireta?
7. Quando o tratamento diferente não é discriminatório?
8. De que formas a discriminação no trabalho pode ocorrer?
9. Quem pode ser vítima de discriminação nas relações de trabalho?
10. Quem pode praticar discriminação no trabalho?
11. Quais as repercussões da discriminação sobre o trabalhador?
12. Quais as consequências legais em caso de prática discriminatória?
13. O que é um viés cognitivo e como ele pode resultar em práticas discriminatórias?
14. A discriminação no trabalho pode ocorrer por meio de decisões baseadas em algoritmos?
15. Por que começar o combate à discriminação no local do trabalho?
16. Quais são exemplos de medidas para prevenção e combate à discriminação nas relações de trabalho?
17. O que são ações para valorização e promoção da diversidade?
18. Como o empregador deve proceder em relação a denúncias de discriminação ou assédio no ambiente de trabalho?
19. Como deve ser realizada uma capacitação para prevenção e combate à discriminação no trabalho?
20. Quais medidas devem as empresas tomar para evitar que seus regulamentos sejam discriminatórios?
21. O que o empregado deve fazer em caso de discriminação?
22. Qual o papel da inspeção do trabalho no combate à discriminação?
23. Quando o critério de contratação ou recusa do emprego é discriminatório?
24. Que tipos de requisitos podem ser exigidos em um anúncio de oferta de emprego?
25. O que pode ser exigido no currículo ou formulário de inscrição para emprego?
26. Pode ser exigido estado civil no currículo?
26. Pode ser exigida foto no currículo?
28. O padrão de beleza socialmente adotado pelo público consumidor pode configurar necessidade do negócio?
29. Que tipo de pergunta pode ser feita numa entrevista de emprego?
30. Pode a empresa preterir mulheres em seu processo de recrutamento, tendo em vista que eventual licença-maternidade pode impactar a produtividade da empresa?
31. As empresas podem contratar exclusivamente trabalhadores alinhados à filosofia da organização?
32.. O assédio no trabalho pode configurar discriminação?
33. O empregador é obrigado a pagar salários iguais para seus trabalhadores? O que se entende por trabalho de igual valor?
34. A empresa é obrigada a realizar ajustes, acomodar diferenças ou aceitar condutas decorrentes de crenças, estado de saúde ou características pessoais?
35.. A empresa é obrigada a adaptar o ambiente de trabalho para o exercício da atividade por pessoas com deficiência?
36.. O empregador é obrigado a reconhecer o nome social?
37.. Que medidas podem ser consideradas discriminatórias no caso de retorno ao trabalho?
38. Quando a dispensa é considerada discriminatória?
39. O trabalhador pode ser vítima de discriminação após o término do contrato de trabalho?

Quer conferir todas as respostas? Acesse pelo link: bit.ly/cartilhadisc

Aprendizados importantes

Confira algumas das lições apresentadas pela cartilha
; Do ponto de vista jurídico, discriminação é toda distinção, exclusão ou preferência fundada em raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional, origem social ou outros critérios de discriminação que tenham por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de tratamento.
; O tratamento não é discriminatório quando houver um motivo legítimo e uma justificativa razoável, relacionados com as necessidades do empregador para o desempenho de uma determinada atividade. Não configura discriminação a adoção de medidas para compensar desigualdades de oportunidades e de tratamento que afetem determinados grupos.
; Para denunciar, o empregador e o empregado devem coletar provas e evidências de que a discriminação efetivamente ocorreu (testemunhas, gravações, e-mails, documentos etc.). E denunciar perante o próprio empregador, caso haja alguém ou equipe responsável por tratar destes assuntos, ou, aos órgãos e pessoas competentes para tratamento da questão (advogados trabalhistas, sindicatos, Ministério Público do Trabalho e Defensoria Pública).
; Na esfera civil, havendo o reconhecimento de prática discriminatória por decisão judicial, a principal consequência legal é a anulação do ato e o decorrente reconhecimento da vantagem ou do direito frustrado, incluindo condenação a pagamento de danos morais e materiais pelos prejuízos respectivamente experimentados.
; Casos de discriminação podem prejudicar empresas e trabalhadores. Para a vítima, os prejuízos podem ser de natureza econômica, social e de saúde. Para as empresas, podem ser queda na produtividade, o aumento no número de faltas e afastamentos, a alta rotatividade, a responsabilidade nas esferas administrativa, penal e civil, além de eventuais passivos trabalhistas.
; As empresas devem ter compromisso com o combate à discriminação fazendo ações avisando que discriminação é ilegal e não será tolerada; informando as consequências estabelecidas pela organização, as sanções internas aplicáveis; esclarecendo que os trabalhadores não serão punidos por denunciar ou se opor a práticas discriminatórias, bem como participar ou testemunhar em investigações ou processos administrativos ou judiciais. Sigilo e confidencialidade devem ser garantidos aos trabalhadores que denunciarem práticas discriminatórias.

Denuncie!

Casos de discriminação no trabalho podem ser denunciados à Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, ao Ministério Público do Trabalho (MPT) ou, por meio de reclamação trabalhista perante a Justiça do Trabalho.
*Estagiária sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa

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