Trabalho e Formacao

Visto duplo

postado em 30/06/2019 04:23
O engenheiro Emanuel Maracujá terminou um mestrado

Montreal é considerada financeiramente acessível para estudantes, especialmente em comparação com outras cidades universitárias da América do Norte. O custo de vida por lá é, inclusive, inferior ao de São Paulo e Rio de Janeiro, apesar de mais caro do que em Brasília. Além dos preços mais em conta, outro fator bastante atrativo é a possibilidade de conciliar trabalho e estudos, que é inexistente para estrangeiros em vários outros países. ;Quem está estudando pode trabalhar 20 horas semanais durante o semestre e 40 horas semanais durante as férias;, explica Martin Goulet, vice-presidente de Talentos internacionais da Montréal International. ;E não há restrição com relação a qual trabalho, que pode ou não ser na sua área de formação: pode ser tanto numa cafeteria quanto num escritório de advocacia;, exemplifica.

;O que é muito bom porque o custo de vida aqui não é tão alto, então esse é um ótimo jeito não só de se sustentar, mas também de juntar dinheiro;, completa Mathieu Lefort, diretor de Estudantes Internacionais. Além disso, depois que termina uma formação, seja graduação, seja pós-graduação, o estrangeiro pode conseguir permissão para ficar o mesmo período do curso apenas para trabalhar ; algo que também inexiste em muitos outros países. Em 2015, por exemplo, foram emitidas 4.400 autorizações de trabalho para pessoas de outras nações que fizeram faculdade ou pós em Montreal. Em 2018, foram 7.500. Esse tipo de licença pode ser renovado e, após cinco anos, existe a possibilidade de requisitar o equivalente ao green card canadense, ou seja, moradia permanente.

O engenheiro mecânico pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Emanuel Maracajá, 28, tem aproveitado oportunidades de estudo e trabalho em Montreal. Ele fez mestrado em eficiência energética e energias renováveis na École de Technologie Supérieure. ;O que abriu minha cabeça para procurar algo fora foi a crise de 2015, justamente o ano em que eu me formei. Na época, estava muito difícil para engenheiros jovens arranjarem emprego e, quando conseguiam, era com baixos salários;, conta. Ele pensou em duas opções: Canadá ou França. Isso porque tinha certificado de proficiência em francês por ter feito um intercâmbio durante a graduação em Lyon.

O mestrado todo, de dois anos, custou cerca de 20 mil dólares canadenses. ;Vim com ;paitrocínio;, mas também trabalhei para ajudar nos custos;, conta. Atualmente, ele é analista numa consultoria em eficiência energética de prédios. Durante o curso, porém, ocupou outros empregos: foi, por exemplo, garçom numa churrascaria brasileira, levando espetos à mesa. ;Para não deixar toda a carga com os meus pais, eu fui trabalhar para pagar pelo menos aluguel e comida;, diz. Ele observa que muitos brasileiros vão para o exterior pensando que viverão num mar de rosas. ;É preciso pesar o que tem de facilidade e dificuldade. Nenhum país é um paraíso sempre, há desafios, mas, se você se esforça, há retorno;, pondera. Ele próprio sofreu durante os primeiros invernos para se adaptar. ;Você não pode ficar muito tempo fora, tudo o que você faz é dentro de casa ou dentro de um prédio. O grande problema não é a temperatura, mas o que isso gera;, explica.

;Ao fim de um ano, tive depressão, tranquei o curso por um trimestre e voltei para João Pessoa. Eu cheguei à conclusão de que ou parava aquela hora ou não conseguiria ir até o fim;, diz. Depois de quatro meses, voltou recarregado. ;Você precisa procurar atividades de inverno, para não ficar em casa o tempo todo;, comenta. Um aspecto positivo que ele cita é que os brasileiros são muito bem recebidos. ;Eu nunca tive problema de discriminação.; A convivência com colegas canadenses é boa, mas ele percebe que são pessoas mais fechadas. Emanuel, que hoje divide um apartamento com a namorada, descreve Montreal como uma cidade jovem, moderna, visionária e multicultural.

Experiência em casal

Quem deseja vir estudar no Canadá acompanhado do cônjuge consegue permissão para que o marido ou a mulher trabalhe em Montreal. Essa foi a opção de Alessandra Gallani, 32, estudante de mestrado em nutrição da Université de Montréal, e do marido, o engenheiro mecânico Vinicius Gobbo, 29. ;Eu vim, inicialmente, para estudar e ele, para trabalhar. E viemos para cá por existir essa possibilidade de imigrar. Nos casamos em julho de 2017 e chegamos aqui em novembro daquele ano;, comenta Alessandra, graduada em ciência dos alimentos pela Universidade de São Paulo (USP). Os dois moravam em Piracicaba. Não foram poucos os desafios enfrentados, desde confusão com o valor da mensalidade (Alessandra veio pensando que era um, mas era outro, bem mais alto e acabou tendo de trancar um trimestre), passando pela dificuldade para que Vinicius encontrasse emprego (o que demorou cerca de seis meses), chegando à barreira do idioma (eles tinham nível básico em francês).

No entanto, com dedicação e perseverança, conseguiram enfrentar os obstáculos. Apesar de não gostar de frio, Alessandra adorou o inverno e aproveitou para fazer atividades diferentes, como um curso de ioga na neve, além de visitar um parque nacional. ;A vantagem é que aqui tem muita estrutura para isso. Eu sofria mais com o frio no Brasil do que aqui;, diz. Montreal conta com o maior complexo urbano subterrâneo do mundo, chamado de ;cidade subterrânea;, com mais de 32km de túneis, que permitem aos pedestres ir a vários lugares sem ter de ficar expostos a baixas temperaturas. Atualmente, Alessandra se engaja com trabalho voluntário e tem muitos amigos, muitos deles estrangeiros. ;Acho que demora mais para fazer amizades com canadenses;, percebe. ;A dica que eu daria para quem quer vir é se informar muito mesmo antes de viajar, além de chegar aqui com a cabeça aberta, sem estar preso às referências do Brasil. Aqui é preciso começar tudo de novo e ser humilde para lidar com uma nova vida, estando disponível para mudanças.;

Doutorado anadense
Gabrielle Silva Mota Drummond, 29, e Aline Faria, 28, fazem doutorado em comunicação na Université du Québec à Montréal (Uqam). A instituição tem 50 anos de existência, 40 mil estudantes, dos quais 71 são brasileiros. São 300 cursos, entre eles 140 de pós-graduação. As especialidades da universidade são as áreas de humanas, incluindo comunicação, direito, artes, educação e ciência política, mas também ciências naturais. Gabrielle economizou muito do que ganhava trabalhando como jornalista no Brasil para viajar: ela veio, primeiro, para fazer mestrado e, depois, engatou o doutorado.

;Eu juntei uns R$ 10 mil, que não era muita coisa. Então, chegando aqui, teria de arranjar um jeito de me virar. Fui atrás de informação e de benefícios disponíveis na universidade;, explica. Graças a ter corrido muito atrás, a goiana de Piracanjuba que fez faculdade na Universidade Federal de Goiás (UFG) conseguiu diversas bolsas. ;Também trabalhei na universidade;, conta ela, que imigrou para o Canadá com o marido, Danilo Durmmond, 30.

Aline também veio com o esposo, Pedro Paiva, 28. A dica dela para quem está pensando em estudar em Montreal é, antes de tudo, pesquisar. ;Meu conselho é procurar a universidade e os professores que se encaixam no que você quer estudar e, a partir disso, tomar as providências (se inscrever, enviar os documentos) o mais rápido possível porque o processo de visto pode ser demorado;, diz. ;A parte mais difícil para nós, brasileiros, é o inverno longo e rigoroso. Então, nesse período, procure fazer atividades, não fique fechado em si mesmo. Isso é muito importante para a adaptação;, aponta.

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