Trabalho e Formacao

Normas de segurança e saúde na berlinda

Existem 37 regras que servem para garantir a segurança dos empregados em um dos países com maior número de acidentes laborais. O anúncio do governo de que pretende reduzir esses regulamentos tem gerado discussões entre especialistas

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 14/07/2019 04:29
Leonardo Osório, procurador do MPT

A intenção do presidente Jair Bolsonaro de rever as Normas Regulamentadoras (NRs) relativas à saúde e à segurança dos profissionais brasileiros gera preocupação em autoridades trabalhistas. De acordo com Leonardo Osório, procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT) e coordenador nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho, ;preocupa o Ministério do Trabalho todo e qualquer discurso que fala em redução do patamar de proteção aos trabalhadores, porque já temos em nosso país um número elevado de acidentes e mortes no trabalho;. O secretário especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Rogério Marinho, anunciou, durante a abertura da 31; edição do Fórum Nacional do Instituto Nacional de Altos Estudos (Inae), em 9 de maio, que essas normas passarão por um processo de revisão e modernização este ano. O objetivo do governo é simplificar e desburocratizar as NRs, para aumentar a produtividade e a competitividade.

;Um pequeno empresário, por exemplo, chega a ser submetido a 6,8 mil regras distintas de fiscalização. É impossível que ele entenda e se adéeque a essas regras. Nossa ideia é reduzir isso em 90%;, afirmou Rogério Marinho à época. Bolsonaro anunciou a ideixa de flexibilizar as regras de segurança por meio do Twitter em 13 de maio: ;Governo Federal moderniza as normas de saúde, simplificando, desburocratizando, dando agilidade ao processo de utilização de maquinários, atendimento à população e geração de empregos;, escreveu. No entanto, o procurador Leonardo Osório está confiante de que isso não se tornará realidade. Segundo ele, reuniões no âmbito do Ministério da Economia e da Secretaria das Relações de Trabalho, das quais o MPT participa, têm chegado a um meio termo no sentido de revisar, mas não de reduzir qualquer percentual das normas de segurança do trabalho. ;Existe, até o momento, uma iniciativa de que o governo pretende rediscutir toda e qualquer norma, mas não de diminuir;, afirma.

É necessário modernizar?
Especialistas concordam que há espaço para a modernização das normas, a fim de torná-las de mais fácil compreensão por parte de empregadores e empregados. De acordo com o procurador do MPT Leonardo Osório, se a desburocratização anunciada pelo governo visar melhorar o entendimento das NRs por todas as pessoas, é algo a ser considerado válido. No entanto, ele pondera que a revisão não pode ter como objetivo reduzir a quantidade de exigências. ;É sempre importante colocar que nenhuma empresa é obrigada a cumprir todas as normas. Existem algumas regras que são setoriais. Algumas, por exemplo, são aplicadas apenas à indústria da construção naval; outras, apenas ao setor agrícola...;, diz.

;O país precisa modernizar as normas regulamentadoras do trabalho. Elas não tratam, por exemplo, de muitas questões de tecnologias com as quais a gente lida hoje;, opina o especialista em direito trabalhista Daniel Chiode. ;No entanto, elas têm de ser consideradas como normas técnicas, nunca devem ser utilizadas como instrumento político, ou seja, para atender a interesses de classes A, B ou C;, ressalta. Daniel explica que a modernização não significa revogação pura e simples de normas, o que não seria benéfico nem para o trabalhador nem para o patrão. ;Falar que um empregador terá redução de custos porque vai diminuir a quantidade de equipamentos de proteção e de treinamentos que precisa conceder aos trabalhadores, por exemplo, é um absurdo;, afirma. ;A prevenção, a redução de acidentes e o investimento em uma normatização de segurança custam muito pouco perto do que representa o custo do aumento de acidentes;, completa.

Na avaliação do advogado trabalhista e sindical e ex-procurador-geral do Trabalho Luís Camargo, a proposta do governo visa alterar as normas para estabelecer uma menor responsabilização do empregador. ;Discutir, modernizar, verificar novas formas de prestação de serviços e de observar o ambiente de trabalho é sempre possível. O que não é possível é você retirar a responsabilidade patronal em relação a um ambiente de trabalho saudável e seguro;, afirma. De acordo com ele, as normas precisam ser mantidas. ;Eu não estou querendo dizer com isso que não se pode discutir. É sempre bom conversar, é sempre bom verificar. Mas você não pode, a pretexto de um discurso de modernidade, retirar a responsabilidade patronal em relação ao ambiente de trabalho;, explica.

Brasil no anking e acidentes

O Brasil ocupa a quarta posição no ranking de acidentes de trabalho. De acordo com levantamento do Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho, a cada 49 segundos, um acidente de trabalho é notificado no país. Entre 2012 e 2018, foram mais de 4 milhões de casos, sendo que16 mil resultaram em morte. As áreas com maior número de registros são atendimento hospitalar; comércio varejista, com predominância de produtos alimentícios (hipermercados e supermercados); administração pública; construção de edifícios e transporte rodoviário de carga.

A principal causa do elevado número de acidentes no país, na avaliação do procurador do MPT Leonardo Osório, é a ausência de uma cultura de prevenção. ;Ela não está presente no Brasil como deveria estar. Por exemplo, as normas produzidas em países como Japão, Estados Unidos e Austrália são muito mais complexas e eficientes;, afirma. ;Existe uma necessidade de que tenhamos, em nosso país, uma verdadeira cultura de prevenção aos acidentes de trabalho e de que isso seja perseguido tanto pelo Estado quanto pelos empregadores e pelos empregados;, completa. Osório ressalta a necessidade de que toda a sociedade conheça os custos financeiros e sociais que são causados por acidentes de causa laboral ; eles podem afetar cerca de 4% do Produto Interno Bruto (PIB) de um país, segundo a Organização Internacional do Trabalho. *Estagiária sob a supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa

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