Jornal Correio Braziliense

Trabalho e Formacao

Professora da educação especial e EJA de Ceilândia ganha ouro em prêmio

Educadora foi reconhecida por ter criado oficina em que alunos inventam jogos. O projeto também gera renda: os estudantes vendem os games. A seleção é de educação empreendedora do Sebrae. Professor de Planaltina ficou com o troféu de prata

A professora de jovens e adultos Luana Gonsalves, do Centro de Ensino Especial (CEE) 1 de Ceilândia, recebeu troféu ouro no 1; Prêmio Sebrae de Educação Empreendedora no DF. A taça de prata ficou com Marcus Martins, do Centro de Ensino Fundamental (CEF) 1 de Planaltina. Os dois foram premiados na categoria ensino fundamental na etapa estadual da seleção, que ocorreu em 8 de junho, em Brasília. Ao todo, foram 91 premiados de todas as unidades da Federação. Depois disso, foram escolhidos 59 na fase regional, sendo 23 do Nordeste, 10 do Norte, 10 do Sul, oito do Sudeste e oito do Centro-Oeste. A cerimônia de premiação nacional será em 8 de outubro, no evento ConheCER, em Florianópolis (SC).
Aos 40 anos, Luana ficou em primeiro lugar em toda a região Centro-Oeste, segue na disputa e viajará para participar da solenidade com todos os custos cobertos pelo Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas). A professora foi reconhecida pela oficina Recursos interativos na inclusão e o aluno agente, criada por ela em fevereiro de 2018. Nas sessões, ela ensina conceitos básicos de português e matemática a jovens e adultos por meio da criação de jogos. A iniciativa do Sebrae é dividida nas etapas estadual, regional e nacional e reconhece a ação de educadores que estimulam e difundem a educação com atividades de empreendedorismo em escolas públicas e particulares. As melhores ideias foram premiadas com troféus ouro e prata, nas categorias ensino fundamental, ensino médio, ensino profissional e ensino superior.

Confira

A lista com todos os finalistas pode ser vista no site do prêmio educacaoempreendedora.sebrae.com.br

Oficina de construção de jogos

Luana Gonsalves foi à cerimônia de premiação local acompanhada dos alunos que participam da oficina dela, da diretora do CEE 1 de Ceilândia, Ana Maria Rabelo, e do professor Cláudio Augusto Vieira, pedagogo que a auxilia nas atividades. Participam dos encontros os estudantes da EJA Josafar Gomes, Gilson Fernando, Jansey Aguiar, Ana Cláudia Sales, Denisvan Matias, Rosânea Mendes, Guaraci Oliveira, Ivanilce Martins, Willer Gontijo, Patrícia Ferreira e Danilo de Oliveira. Com idades entre 27 e 45 anos, todos eles têm algum tipo de deficiência. Nas sessões, constroem jogos pedagógicos que trabalham, entre outras habilidades, combinação de letras e formação de sílabas, associação de imagens e palavras, misturas de cores e operações matemáticas.

Luana, que é professora há 22 anos, conta que a ideia surgiu a partir do desejo de usar recursos recreativos no ensino e aprendizagem. ;Sempre trabalhei com atividades lúdicas e exercícios práticos para desenvolver o currículo funcional. Antes de lidar com alunos especiais, eu trabalhava com estudantes com TGD (Transtorno Global do Desenvolvimento);, diz a educadora, que leciona no CEE 1 há cinco anos. ;Dois alunos que hoje são da oficina começaram a frequentar as aulas em que fazíamos camisas e tênis para ensiná-los a abotoar os botões e amarrar o cadarço. Percebi que eles davam conta de fazer tudo;, elogia a professora. ;Pensei, então, em usar materiais concretos para ensiná-los a ler, escrever e contar. Minha diretora, Ana Maria, apoiou a ideia desde o início e me disse para escrever um projeto. Foi o que fiz;, descreve a educadora.
Os encontros são diários no período vespertino. Os alunos participam de todo o processo, desde a concepção das ideias dos jogos até a construção dos itens. Eles coletam, lavam, separam, recortam, lixam, colam, testam e aprendem. A divisão de tarefas também é dirigida pelos próprios estudantes. O revezamento é feito de modo que todos participem de todas as fases. Desde o início da oficina, os alunos construíram 76 modelos de jogos. O professor Cláudio, 51, leciona há 25 anos, dois deles no CEE 1. Ele destaca a importância das outras atividades desenvolvidas na escola. ;Além do tempo que passam aqui, eles participam, por 50 minutos, todos os dias, de outras oficinas. Tem teatro, tem a horta, tem confecção de tapetes. Eles não ficam na mesmice;, explica.

;Na horta, eles fazem compostagem com os restos de comida que vêm nas embalagens;, continua o educador. Ele montou um cronograma de visitas nas outras escolas do DF. Toda quarta-feira, o grupo se desloca para o colégio da vez e monta um estande. Às vezes, surgem parceiros que providenciam o transporte, como a empresa de turismo Pollo, por intermédio do deputado distrital Reginaldo Sardinha (Avante). ;Mas não é sempre porque o processo é muito burocrático. Quando não conseguimos, vamos no meu carro mesmo. Faço mais de uma viagem;, esclarece a professora Luana. ;A gente vai às escolas e mostra como os jogos são feitos, desde o início, para os outros professores e estudantes;, informa Rosânea. ;O apoio e a abertura que o CEE 1 nos dá, de sair e expor nossos jogos, são muito importantes, porque nos deixam mais à vontade para mostrar nosso trabalho;, comemora a estudante.

Emoção na cerimônia

Nem os professores nem os estudantes esperavam ficar no pódio local do prêmio do Sebrae. ;Foi uma surpresa! Vimos o quanto nosso nível está alto;, aponta Luana. ;A questão da competição e a importância da visibilidade que teríamos, ganhando ou não, foram trabalhadas com eles antes. Só o fato de estarmos lá já seria uma vitória;, continua a educadora, que valoriza os momentos de interação social e fez questão de levar todos os alunos para a cerimônia. ;Eu pedi para a organização que todos eles participassem do coffee break porque a principal intenção com o projeto é justamente levá-los para além dos muros da escola;, esclarece. Rosânea, que não quis revelar a idade, relata que a premiação foi muito emocionante. ;Quando o locutor disse que a gente tinha ganhado o troféu ouro, eu olhei para a Luana e ela estava chorando. A diretora também estava (chorando), aí eu comecei a chorar e todo mundo chorou;, descreve.

;Nós saímos da inércia com esse projeto;, aponta a aluna. Para a professora Luana, a mudança nos estudantes é perceptível. ;Eles se transformaram, saíram da mesmice, passaram a ser percebidos pela sociedade e hoje se enxergam como capazes;, conta. ;Eu ganhei outros prêmios como gestora e professora, mas, com certeza, esse foi o mais relevante e significativo;, admite. Luana nasceu e cresceu no DF, cursou a Escola Normal de Ceilândia, hoje Escola Classe 64. Depois, formou-se em letras ; inglês e em letras ; português pela Faculdade Multieducativa. É graduada também em pedagogia pela Universidade de Brasília (UnB) e pós-graduada em administração escolar, orientação educacional, coordenação pedagógica e psicopedagogia. Foi coordenadora pedagógica e diretora do Colégio Saber, em Taguatinga Sul. Entrou na Secretaria de Educação em 2014, mesmo ano em que começou a lecionar no Centro de Ensino Especial 1 de Ceilândia.

Comercialização

A oficina não foi criada, inicialmente, com o objetivo de vender os jogos produzidos, mas uma das estudantes começou, por conta própria, a divulgá-los em perfis pessoais nas redes sociais. ;O objetivo era somente ensinar os alunos, fazê-los usufruir da confecção e do uso dos jogos;, conta a professora Luana. ;A Ivanilce começou a divulgar pelo WhatsApp e pelo Facebook;, recorda. Ivanilce, 39, divulga fotos e preços dos jogos pela internet. ;Vende muito, é o tempo todo, não para! O pessoal vem aqui na escola comprar. A gente leva também nas outras, às quartas-feiras. Estamos vendendo no DF todo;, conta, animada, a estudante.

Denisvan, 27, desconfiou que a venda dos jogos fosse para frente. ;Começamos do zero, ninguém ajudava no início. Eu pensei que não ia dar certo, mas está dando;, contou, emocionado. Para ele, um dos aspectos mais importantes da oficina é mostrar a capacidade e a relevância dos alunos, inclusive dentro de casa. ;Quando eu comecei a ler, minha família ficou em choque, ;nossa, Denis, você saber ler agora!’ É maravilhoso porque, antigamente, eu não conseguia fazer as coisas, agora eu consigo;, completa o aluno. A colega Rosânea complementa: ;Antes, nós éramos um peso. Agora, somos uma pena;.

Para que os integrantes da oficina pudessem precificar os jogos feitos por eles, os professores precisaram trabalhar, antes, outros aspectos embutidos no preço final, como os valores da mão de obra, do trabalho, do tempo e dos materiais. ;No início foi difícil. Um achava que valia R$ 10, outro R$ 200. Hoje eles têm a noção social do trabalho que a educação empreendedora traz;, percebe a professora Luana. ;O dinheiro é deles. Eles sabem quanto tem no caixa. Temos conta bancária, máquina de cartão, fazemos promoções e descontos, até Black Friday!”, elenca. ;Eles aprenderam a manusear dinheiro e a entender as formas de pagamento. Os alunos decidem entre eles quanto cada um merece receber. O caixa geral é de todos.;

Os preços dos jogos variam entre R$ 15 e R$ 60. Com o dinheiro das vendas, os estudantes passaram o dia em um hotel-fazenda no caminho para Goiânia (GO) e foram a um shopping de Ceilândia. ;Eles são cidadãos ativos que fazem planos de como usar o dinheiro;, observa Luana. O próximo passeio da turma será para o outlet da BR-060, entre Brasília e Goiânia. ;Eles não querem mais shoppings na cidade, não!”, diverte-se a professora.

Sustentabilidade

Além de trabalhar o desenvolvimento das habilidades psicomotoras, incentivar a inclusão social e acelerar o aprendizado dos alunos, a oficina trabalha o lado sustentável. Os materiais usados são aproveitados de embalagens descartadas, como garrafas PET, caixas de leite, CD e DVD, tampas de lenços umedecidos e cápsulas de café. A professora Luana conta que, na verdade, o caráter ambiental da oficina não era um dos objetivos iniciais, mas acabou sendo necessário. ;No início, usávamos papelão como apoio dos jogos. A escola não tem dinheiro para investir nas oficinas. Eu sabia fazer cartonagem, então ensinei os meninos, fazíamos com papelão e papel cartão.; A madeira que hoje é usada como suporte dos jogos passou a ser comprada depois que as vendas começaram.

O prêmio do Sebrae

De acordo com Ana Emília Andrade, gestora do projeto de Educação Empreendedora do Sebrae no DF, a meta era conseguir cinco inscritos no DF. Então, foi uma surpresa quando nove projetos se candidataram. ;Como é a primeira edição e somos uma unidade pequena em comparação às outras, determinamos uma meta menor. Foi muito bom vê-la sendo quase dobrada;, comenta a gestora. Dos nove inscritos, oito foram finalistas, e dois, premiados.

;Nem todos os projetos inscritos atingiram a pontuação mínima exigida pelo regulamento. Por isso tivemos, aqui no DF, apenas um troféu ouro e um prata, ambos na categoria ensino fundamental;, diz Ana Emília. Alguns dos critérios de avaliação incluem concepção da ação e resultados, busca de oportunidades e iniciativa, persistência, comprometimento, planejamento e estabelecimento de metas. Os melhores projetos nacionais vão receber, além de troféus, convite para participar de uma missão técnica nacional. Os primeiros lugares em cada uma das quatro categorias ganharão, também, a oportunidade de apresentar o empreendimento em um evento de visibilidade nacional, ainda a ser programado.

Ficou interessado?

Quem quiser adquirir os games pode se dirigir ao CEE 1 (EQNP 10/14, Setor P. Sul, Ceilândia). Contatos: 3376-2966 (colégio), 99322-2401 (professora Luana) ou 99594-1522 (aluna Ivanilce).

Prata da casa

O troféu prata do 1; Prêmio Sebrae de Educação Empreendedora foi para o projeto Luminárias de Papel, do Centro de Ensino Fundamental 1 de Planaltina, o Centrinho. A oficina é iniciativa do professor de artes visuais da escola, Marcus Martins, 63 anos. A formação em desenho industrial e o desejo de incentivar os alunos se somaram a um lanche feito na Rodoviária Interestadual de Brasília para gerar a ideia do projeto. ;As embalagens de pães de queijo chamaram minha atenção. Eram bons potes de papel e eu, curioso e faminto, levei dois para casa;, relembra. ;Depois de encontrar um papel encorpado e texturizado, medi, recortei, colei e encaixei. Percebi que havia potencial;, completa.

;Depois de apresentar a teoria das cores, passou pela minha cabeça que os alunos poderiam pintar estampas para luminárias a fim de praticar a harmonia dos tons;, diz. ;Partiu do meu interesse de construir objetos e envolver os estudantes em momentos diferentes de aprendizado;, relata. Os alunos de todas as turmas do 6; e do 7; anos do colégio participam da oficina durante as aulas de artes. Como o projeto envolve pintura, separação e lavagem do material, os encontros da disciplina de artes foram transferidos para um laboratório mais adequado do Centrinho.

;Vemos os conteúdos e, logo em seguida, aplicamos nas luminárias. Por exemplo, cores primárias e sua composição e formação;, explica o professor. Todos os materiais usados são reaproveitados, inclusive as lâmpadas. Marcus acredita que o caráter sustentável pode ter sido um diferencial para a premiação do Sebrae. ;Estamos praticando a reutilização. Uma lâmpada que seria jogada fora é transformada em uma linda luminária, no estilo japonês, leve.; Embora exista há dois anos, a oficina ficou praticamente parada em 2018 por causa de reformas. ;É um projeto ainda em desenvolvimento. Estamos amadurecendo a ideia, então foi uma surpresa ser reconhecido;, comenta.

A ideia da oficina é comercializar as luminárias e dividir os lucros entre os alunos, o projeto de canal televisivo dos estudantes (TV Centrinho) e a compra de materiais para construção das luminárias. Como a oficina é recente, nenhuma venda foi feita ainda, mas o professor quer trabalhar com encomendas também. ;Os alunos têm um estímulo a mais para produzir as luminárias e aprender quando sabem que o dinheiro vai ser usado em algo que eles vão escolher. É um retorno;, explica Marcus. Carlos Brants, professor de matemática do Centrinho , técnico em eletrônica, auxilia na parte elétrica da montagem. O colégio tem cerca de 1 mil alunos, dos quais 170 são especiais. Em 2013, o Centrinho recebeu o Prêmio Nacional Construindo a Igualdade de Gênero, do Ministério da Educação (MEC).

Ficou interessado?

O projeto precisa de doação de lâmpadas para prosseguir. Quem quiser ajudar ou se interessou por comprar pode se dirigir ao CEF 1, Centrinho, de Planaltina (Setor Educacional, Lote M, Planaltina, DF) ou entrar em contato pelo telefone 3901-4474.



*Estagiária sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa