Parcelas de imóveis ou de carros atrasadas, faturas de cartão de crédito vencidas, compras divididas em várias vezes e orçamentos comprometidos com despesas supérfluas. Dificuldades financeiras como essas, na maioria das vezes, levam o funcionário a apresentar problemas emocionais e psicológicos. Além de afetar diretamente o desempenho profissional. Porém, ao tentar pedir ajuda ou até mesmo apenas desabafar, isso pode levá-lo a expor a situação para o chefe e os colegas, o que pode pegar mal, dependendo da política da empresa onde ele trabalha. Outro jeito muito inconveniente de a equipe ficar sabendo das dívidas do companheiro de trabalho é quando empresas de cobrança ligam para o escritório atrás da pessoa.
É o que explica Jacqueline Resch, psicóloga pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). “Essa ação é mal recebida em culturas autocráticas, regidas pelo bordão ‘manda quem pode e obedece quem tem juízo’, onde o medo é uma emoção muito presente e o julgamento, uma prática corrente”, afirma a pós-graduada em psicologia clínica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Nessas organizações, valoriza-se que os problemas pessoais devem ser deixados de lado. Ao contrário das firmas de cultura colaborativa, onde busca-se a construção de espaços em que as pessoas se sintam seguras para serem autênticas e não se acredita que se deve separar o eu de casa e o eu do trabalho”, diz.
Lidando com as contas em atraso
De acordo com dados do CountryMeters e da Serasa Experian, o Brasil tem mais de 63 milhões de devedores, o que equivale a cerca de 30% da população. Maxsuell Nina da Silva, 23 anos, faz parte dessa estatística e adquiriu uma dívida num cartão universitário. No caso dele, os pagamentos em atraso acabaram atrapalhando o rendimento, pois a situação o deixou desanimado. “Eu criei essa conta há dois anos, quando cursava estatística na Universidade de Brasília (UnB)”, lembra. A renda do jovem à época vinha da venda de doces, chocolates e bombons na rua. “Eu gastava muito com comida, principalmente, fast food”, diz. Com o tempo, as contas a pagar começaram a ficar mais altas que os ganhos. “Teve mês que eu não conseguia vender nenhum produto. Isso me deixou desanimado. Eu não tinha mais dinheiro e não conseguia pagar essa dívida”, desabafa.
“Estou procurando emprego para poder solucionar essa despesa. Fiquei extremamente desestimulado em continuar com o meu negócio por causa disso”, admite, insatisfeito. O morador de Ceilândia acredita que faltou educação financeira na vida dele e admite que é importante saber economizar. “Não me acho descontrolado, mas aprender sobre finanças vai evitar problemas futuros para mim”, afirma. “É triste não poder pagar o que eu gastei, sabe? Estou preocupado até hoje. Deveria ter aprendido a lidar com questões econômicas antes porque evitaria muitas situações como essas.” O jovem vive com os pais e, depois de ter trancado o curso de estatística, começou um curso técnico em edificações no Instituto Federal de Brasília (IFB). “Eu interrompi a faculdade a partir de um aconselhamento psicológico, pois estudava muito e já estava surtando. Porém, decidi fazer o curso no IFB para não ficar parado, porque era uma ótima oportunidade de crescer profissionalmente. Voltarei à UnB no próximo semestre”, conta.
Como viver com a questão
Marina Peterle Beccalli, graduada em psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), observa que esconder as contas no vermelho dos colegas nem sempre é a saída. Abrir o jogo, porém, requer cautela. “Esse empregado, ao não saber lidar com a situação da dívida, ao não conseguir auxílio ou para justificar o baixo desempenho, pode expor a situação ao gestor. Mas, geralmente, não é a solução mais eficaz, além de poder comprometer a imagem profissional”, observa. “O comportamento que um profissional endividado costuma assumir se chama ‘fenômeno do presenteísmo’, no qual a pessoa está de corpo presente no ambiente de trabalho, mas não produz, pois a mente está em outro lugar. Por isso, a empresa e o empregado precisam considerar o estado emocional, pois a pessoa pode entrar em pânico e agravar mais a situação”, analisa.
“É necessário compreender a raiz do problema do ponto de vista psicológico. Entender que, de modo geral, a dificuldade financeira ocorre por descontrole (podendo ser uma questão circunstancial ou por compras compulsivas)”, comenta. “Outros possíveis sintomas que podem surgir como consequência de problemas com dinheiro são estresse, insônia e outras doenças relacionadas à ansiedade.” Todos esses males, invariavelmente, acabam por prejudicar o rendimento laboral e até colocar o emprego da pessoa em risco — justamente o que ela não precisa, pois, se for demitida, aí é que as questões financeiras se complicarão ainda mais. Marina observa que a saúde emocional abalada pelo endividamento pode, inclusive, gerar afastamento da organização pela Previdência Social.
Promover educação financeira
CEO e cofundador da Creditoo, plataforma on-line de empréstimo consignado para trabalhadores de carteira assinada, Ramires Paiva afirma que os gestores das empresas precisam estar preparados para ouvir e ajudar os funcionários em casos de emergência, como transtornos psicológicos, problemas de saúde, entre outros gerados a partir da pressão de lidar com dívidas. “A melhor forma de auxiliar os empregados é investir em educação financeira dentro da organização. Por exemplo, contratar uma consultoria especializada nesse assunto. Também a própria corporação pode oferecer palestras, cartilhas, workshops”, sugere o graduado em administração pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). “Essas propostas ajudarão o empregado a adquirir uma consciência do quanto poupar, de como não se encher de dívidas com o cartão de crédito e de como esses problemas podem afetar o desempenho no trabalho.”
Sem negociação
Vendedora ambulante de blusas personalizadas no Setor Comercial Sul, Liliane Ferreira, 36 anos, está com o nome no SPC (Serviço de Proteção ao Crédito) devido ao exagero no crédito. “Eu tinha oito cartões e isso me levou a uma falta de controle da situação. Comprava muita besteira, tudo que eu via eu queria, mesmo coisas de que não precisava”, admite. “Hoje em dia, a minha cabeça é outra, tenho outra consciência”, conta.
Mãe de duas crianças, uma de 4 e outra de 8 anos, a comerciante trabalhou como camareira por três anos, período em que se endividou e tirou um tempo para criar os filhos. Com o nome registrado no SPC há cinco anos, Liliane não pode fazer compras no crédito e resolveu voltar a trabalhar para obter uma renda e resolver o problema financeiro. “Espero que, daqui a um tempo, eu consiga pagar as dívidas”, afirma.
A princípio, o problema chegou a atrapalhar o desempenho e até o planejamento para trabalhar. Posteriormente, ela diz que as dívidas até serviram de motivação para arranjar renda. “No começo, a gente se desespera, mas, depois, você precisa tentar resolver de alguma forma”, comenta Liliane. A vendedora não pensa em fazer mais empréstimo por acreditar que é uma solução momentânea. Assim, pretende continuar as vendas para quitar as dívidas.
Liliane não sabe o montante total devido e não tem o costume de comentar sobre a situação financeira com outras pessoas. Em renegociações, as empresas de cartão de crédito chegaram a abaixar o valor da dívida, no entanto, Liliane não tinha dinheiro suficiente para pagar mesmo o montante reduzido. » Clara Lobo*
Para aprender no colégio
Até hoje, não é comum que os brasileiros tenham aulas de educação financeira, nem na escola nem na faculdade. Graças à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), essa situação deve mudar. O documento, que estabelece parâmetros para a construção dos currículos de todas as escolas do país, incluiu a educação financeira entre as habilidades que devem ser ensinadas tanto para a etapa dos ensinos infantil e fundamental quanto para o ensino médio. A BNCC foi homologada pelo Ministério da Educação (MEC).
* Estagiárias sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa