;Precisamos de uma educação financeira porque, se não, achamos que cartão de crédito é a mágica da vida;, reflete Igor Called, 29, bartender freelancer no HugHub, café e bar no Setor Comercial Sul. No momento, Igor não está passando por problemas financeiros e, além do trabalho de freelancer, tem uma renda fixa que vem de investimentos na bolsa. Com ensino superior incompleto em publicidade, ele contraiu dívida no cartão de crédito, há cerca de dois anos.
;Eu fiz alguns empréstimos para amigos que tinham limite no cartão, eles me pagaram de volta, mas fui inadimplente e desatento. Aí acaba que um valor alto e com juros percentuais tendem a virar uma bola de neve;, percebe. Na época em que devia, Igor era gerente de uma boate e organizava o caixa da empresa. Após a crise financeira, ele passou a aplicar na própria vida os ensinamentos de organização financeira que aprendia no trabalho.
Assim, começou a administrar melhor seus gastos e receitas, conseguiu contornar a situação e voltar a ter uma vida tranquila. Depois de superar a questão financeira por meio de renegociação no banco, Igor percebe que as pessoas precisam aprender a controlar os gastos. ;Falta educação financeira e isso é algo que deveríamos aprender na escola, mas só aprendemos na vida adulta, depois que ficamos endividados;, reflete.
Antes de controlar as contas, Igor recebia ligações recorrentes de empresas de cobrança. ;Era em uma frequência muito alta. Os bancos contratam outras firmas para fazerem as cobranças e, assim, as informações acabam se perdendo. Às vezes, eu já tinha negociado com alguém, mas outros funcionários não sabiam e continuavam ligando;, relata.
Mesmo com a reorganização financeira, o brasiliense conta que se sentiu abalado durante um período. ;Ver que você não tem mais o dinheiro que já teve um dia, não ter mais alguns luxos e confortos; Tudo isso acaba trazendo ansiedade e mexendo com o ego;, admite. Assim, a questão abalou todos os aspectos da vida dele, inclusive o profissional. Após se endividar, Igor aprendeu a controlar os gastos e conseguiu eliminar gastos supérfluos. ;Comecei a dar mais atenção para o que eu precisava, coisas vitais;, esclarece.
Quero quitar
Daniela Rúbia, 27, é mais uma entre os 63 milhões de brasileiros endividados do país. Desempregada, a graduada em recursos humanos cursa pedagogia numa faculdade particular em Ceilândia, com bolsa. Daniela é mãe de duas crianças e teve que abdicar do antigo trabalho, como monitora em uma creche, porque não tinha onde deixar a filha de 1 ano durante o expediente.
Sem conseguir pagar o aluguel, viveu um tempo com a mãe. Agora, Daniela mora apenas com as filhas. Ela chegou a arranjar trabalho numa imobiliária, mas a experiência durou apenas dois meses. Com problemas para se manter, contraiu dívidas. ;Estou devendo no cartão de crédito há quatro anos. Preciso negociar a dívida e fazer o cartão de novo;, diz.
Segundo ela, o maior problema na época é que o limite era alto. ;Fiz um gasto sem controle;, admite. No entanto, o cartão também era usado pelo ex-marido de Daniela. ;Quem mais usava era ele, só que a dívida ficou no meu nome;, lamenta. Separada há quase um ano, ela ainda não conseguiu superar a questão. ;Isso me afeta muito emocionalmente. Você perde a dignidade, não tem como comprar. Quando eu puder sacar o meu FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) que está retido, vou quitar essa dívida;, planeja.
Há um mês, a brasiliense começou a trabalhar na banca de doces de uma amiga, no Setor Comercial Sul. Enquanto tenta se organizar para pagar os débitos, empresas de cobrança não a deixam em paz. ;O banco liga, manda mensagem, e-mail... É chato, é constrangedor. Acho que falta educação financeira para ajudar no controle das contas dos brasileiros;, reflete. ;As pessoas devem passar a conversar mais sobre essas questões com naturalidade;, sugere.