Trabalho e Formacao

Empreendedorismo é usado como ferramenta de mudança em escolas públicas

Mentoria de Negócios 360 e Instituto Coletivo Motirõ se unem para levar empreendedorismo a escolas públicas do DF e premiam três projetos de alunos da EJA

Izabella Moura
postado em 08/09/2019 09:00
Estudantes do Centrão, de Taguatinga Sul, apresentam projetos: terreno fértil para a produção

Ter um negócio próprio é o terceiro maior sonho do brasileiro. Segundo a pesquisa da Global Entrepreneurship Monitor (GEM), estar à frente de uma empresa fica atrás somente de ter a casa própria e viajar. Mas será que, para alunos da rede pública do Distrito Federal, esse dado também é uma realidade? Foi essa a questão que motivou a empresa Mentoria de Negócios 360, em parceria com o Instituto Coletivo Motirõ, a criar um projeto junto a estudantes do Centro Educacional 02, o Centrão, em Taguatinga Sul. O objetivo era levar a informação de que, com a devida formação, o empreendedorismo é um caminho possível a todos. Pelo caminho, alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) encontraram ; ou retomaram - sonhos de aliar habilidades pessoais com a metodologia correta para torná-las rentáveis.

O projeto-piloto ofereceu palestras e acompanhamento de especialistas para incentivar esses estudantes a darem o primeiro passo na construção de um negócio próprio. O pontapé inicial foi o suficiente para encontrar um terreno fértil para a produção e a mudança social. Os mentores se surpreenderam. ;O objetivo era mostrar que eles poderiam ser empreendedores, mas, quando chegamos lá, nos deparamos com muitos alunos que já tinham seus negócios;, conta Eduardo Smith, 33 anos, um dos criadores do Mentoria de Negócios 360.

Diante desse cenário promissor, alguns estudantes donos de negócios, bem como outros que resolveram iniciar um, foram mentorados por seis profissionais no Centrão. Durante um mês, eles receberam orientações sobre áreas como gestão, marketing, finanças, inovação e criatividade. Após essa fase, 12 projetos foram apresentados.

Ambiente modificado

A apresentação ocorreu em 30 de agosto, no auditório da Faculdade LS, em Taguatinga, com direito à premiação. Os estudantes subiram ao palco para convencer a plateia, composta por cerca 300 colegas e quatro jurados, de que seu negócio merecia o investimento e o grande prêmio. Os três primeiros colocados levaram R$ 1 mil, cursos e acompanhamento do Mentoria de Negócios 360 por seis meses, além de cartão de visitas, material e uniformes personalizados.

O sucesso do projeto impressionou a diretora do Centrão, Romênia Resende Boaventura. ;Eu fiquei muito emocionada por ver nossos alunos tão empenhados e dispostos. A parceria com o Motirõ e o Mentoria de Negócios 360 mudou o ambiente da escola;. Após o retorno positivo dos alunos, a meta agora é levar esse projeto para, pelo menos, 10 escolas nos próximos semestres, reforça Edu Smith.

Para o Motirõ, um coletivo de engajamento cultural e social, o próximo desafio é a realização da 1; Feira do Aluno Empreendedor em 2020, que vai expor os produtos e serviços dos alunos participantes do projeto em escolas públicas. ;Queremos dar visibilidade para esses estudantes, convidar os empresários e a sociedade para investirem na vida deles. Queremos valorizar a escola pública e mostrar os grandes talentos que ela tem;, afirma Flávio Almeida, diretor administrativo do coletivo.

Portas abertas

Após uma viagem pela China e Cingapura, Eduardo Smith, um dos criadores do Mentoria de Negócios 360, teve a ideia de desenvolver algo que juntasse empreendedorismo e educação. A princípio, o projeto era voltado para escolas particulares, mas esbarrou na burocracia. Foi aí que Smith conheceu o trabalho do Coletivo Motirõ, que atua desde 2015 em escolas públicas do DF, levando atendimento, apoio e ações voltadas para professores, alunos e a comunidade escolar. ;O Motirõ nos abriu as portas para as escolas públicas;, comemora Smith.

O Motirõ desenvolvia outras atividades dentro do Centrão anteriormente, como intervalos culturais em escolas, oficinas de rap, fotografia, entre outras ações. Nada, porém, era voltado exclusivamente para a veia empreendedora. ;Nós acreditamos no poder das parcerias. Vemos sonhos sendo resgatados por alunos;, afirma Flávio Almeida, diretor administrativo do Motirõ, sobre a importância de juntar forças. O trabalho criado tomou proporções surpreendentes. ;Hoje, não conseguimos atender todas as demandas que chegam.;

Com a aliança firmada, a proposta geral era levar consultorias e capacitação para estudantes de escolas públicas e ajudá-los a alavancarem seus talentos em meio à crise educacional que o Brasil todo enfrenta. ;Os alunos estão desacreditados pela sociedade, pelo sistema e até mesmo pela família. Muitos vêm de uma realidade de violência;, alerta Smith, ao citar casos de sucesso para inspirar os participantes. Com o resultado da primeira edição, as instituições desejam seguir a parceria por muito tempo.

Jovens engajados

É cada vez mais comum ouvir histórias de pessoas que migraram para o empreendedorismo como forma de gerar renda extra e ajudar a pagar as contas. Abrir o próprio negócio tem sido alternativa dos brasileiros para aliviar os efeitos da crise econômica no país. É o que revela o levantamento da Global Entrepreneurship Monitor (GEM), aplicada no Brasil pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e pelo Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade (IBQP). Segundo os dados, 34,5% dos adultos entre 18 e 64 anos estão envolvidos com a criação do seu próprio negócio ou já tocam a sua empresa.

Os jovens são os mais engajados quando o assunto é empreender. Com perfil criativo, os brasileiros lideram o ranking entre países empreendedores. Desbancamos potências como a China, segunda colocada (26,37%) e os EUA (20%). Na comparação com países ainda em desenvolvimento, ficamos à frente da Índia (10,2%) e África do Sul (9,6%), por exemplo. Em contrapartida, os negócios não perduram por muito tempo. Metade desses novos empreendimentos estão ativos há menos de três anos e meio, diz a pesquisa.

Segundo o Sebrae, o perfil do microempreendedor (o chamado MEI) é formado principalmente por pessoas com escolaridade do ensino médio (48%). A atividade mais comum é desenvolvida em estabelecimento comercial (49%) contra 17% que atuam em casa ou na empresa do próprio cliente.

Conheça os vencedores

Os alunos da EJA no Centrão, que estudam nos turnos da manhã e da noite, participaram do projeto. Ao todo, 12 deles investiram tempo, dinheiro e dedicação para tirar seus sonhos do papel. Foram ideias e negócios dos mais variados segmentos, como alimentação, vestuário, serviços e cuidados pessoais.
Mentoria de Negócios 360 e Instituto Coletivo Motirõ se unem para levar empreendedorismo a escolas públicas do DF e premiam três projetos de alunos da EJATinha a ideia, só não sabia como fazer
1; Lugar - Sabores Mágicos - Doces e Salgados
Carlos Henrique, 23 anos, aluno da EJA
Maranhense criado em Brasília, Carlos foi garçom, serviu ao Exército e estava trabalhando com a família no ramo de construção de asfaltos. Sem tempo para estudar, havia largado a escola aos 19 anos, mas decidiu deixar os negócios da família um pouco de lado para voltar aos estudos, já tendo em mente que um dia faria faculdade de gastronomia. No primeiro dia de mentoria, teve a ideia de vender empadas no pote e salgadinhos. ;Era para mim mesmo o que eles estavam falando. Eu tinha a ideia, mas não sabia como fazer;, diz ele. Determinado, buscou receitas e vídeos sobre o tema na internet e começou o seu negócio. Hoje, ele vende cerca de 35 empadas no pote em empresas e na própria escola, fora as demandas sazonais por encomendas. Sua meta é crescer a produção, atendendo em pontos físicos e por meio de aplicativos.

Mentoria de Negócios 360 e Instituto Coletivo Motirõ se unem para levar empreendedorismo a escolas públicas do DF e premiam três projetos de alunos da EJASonho retomado após percalços
2; Lugar - Docce Encanto na bike
Simone Dreyer, 32 anos, aluna da EJA
Após descobrir que estava grávida, em 2004, Simone largou a escola. No caminho até aqui, teve franquia em shopping e acabou sendo vítima de um estelionatário. Perdeu tudo. Diante da situação, começou a buscar trabalho como faxineira. Foi quando, sem dinheiro para o ovo de Páscoa do filho, decidiu ela mesma comprar os ingredientes e fazer o doce. O dinheiro disponível: R$ 20. Com incentivo do filho Guilherme Cesário, ela deu o pontapé para se reerguer. Aos poucos, reinvestiu o dinheiro em melhores produtos, em bolos e em embalagens mais atrativas. Após 15 anos afastada da escola, decidiu retornar aos estudos auxiliada pelo esposo. Ela não se arrepende da retomada. ;Esse projeto, além do ensino, ajuda as mulheres que deixam tudo, mulheres que largam seus sonhos. Nos ajuda a se integrar de novo na sociedade. Eu despertei meu sonho guardado depois de vários fracassos;, comemora. Na Páscoa deste ano, Simone vendeu mais 100 ovos gourmet por encomenda e agora sonha em ter uma bicicleta para levar seus produtos a feiras e eventos na cidade, além de voltar a ter um espaço de venda em shoppings.

Mentoria de Negócios 360 e Instituto Coletivo Motirõ se unem para levar empreendedorismo a escolas públicas do DF e premiam três projetos de alunos da EJALibertação pela arte
3; Lugar - William Diaz Camisetas
William Diaz, 30 anos, ex-aluno do Centrão

William escreveu um livro e o ilustrou. Inseguro, mostrou aos amigos e descobriu ali uma oportunidade de negócio. Mais do que isso, descobriu que era artista. Com a temática cristã, ele trabalha propósitos de vida e mensagens positivas nos desenhos. Por usar cores vivas, seus produtos são demandados principalmente por crianças e frequentadores de festas rave. Pela natureza artesanal da produção, William enfrenta dificuldades para desenvolver parcerias no negócio, mas vem encontrando clientes aos poucos, especialmente dentro de escolas, ambiente que ainda frequenta. Para crescer, o objetivo dele é terceirizar a produção para aumentar as vendas e investir em itens mais personalizados, como etiquetas. ;Eu não sabia como obter recursos com a minha arte. Foi desafiador. Na maioria do tempo, achava que não ia conseguir. Estava com medo de como aceitariam a minha arte. Não é só pelo concurso e pelo prêmio. Para mim, foi a libertação da minha arte.;

Colabore!
O Instituto Coletivo Motirõ é formado por mais de 250 voluntários, de diversas profissões, e desenvolve atividades em escolas públicas do DF, com foco nas de Samambaia.
Todos os voluntários e ações são sem fins lucrativos. Se você quiser apoiar esse projeto, procure os organizadores pelo Instagram @coletivomotiro ou pelo telefone 98316-6005 (Flávio Almeida).

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