Trabalho e Formacao

Qual será o futuro da CLT?

A nova lei trabalhista alterou pontos como jornada dos empregados, indenização por danos morais trabalhistas e rescisões contratuais. Pouco mais de dois anos após a aprovação da norma, diversas ações tramitam no STF questionando a constitucionalidade de algumas mudanças

postado em 15/09/2019 04:08

A Reforma Trabalhista causou polêmica quando proposta, continuou gerando durante tramitação e segue sendo questionada após virar lei. Entidades como o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) e a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) refutam pontos da norma e levaram as questões ao Supremo Tribunal Federal (STF) por meio de ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs).

Atualmente, há 13 ADIs tramitando na Corte, criticando tópicos como a jornada intermitente e a limitação da indenização por danos morais. Antes mesmo de a reforma entrar em vigor, ações discutiam se as novas regras estavam de acordo com a Constituição Federal. Até o momento, duas temáticas foram julgadas pelo STF: a possibilidade de gestantes e lactantes trabalharem em locais considerados insalubres, exceto em caso de atestado médico; e o fim da contribuição sindical obrigatória (confira o quadro Ações julgadas). As demais ainda estão pendentes de julgamento.

Impacto na ponta
Um dos pontos questionados pelas ADIs é referente à jornada 12x36 ; que consiste em 12 horas de trabalho seguidas por 36 de descanso. Esse tipo de turno era permitido por meio de acordo coletivo entre empregador, empregado e sindicato da categoria. Agora, essa modalidade, que é muito comum nos setores de saúde e segurança, pode ser acertada em acordo individual escrito entre funcionário e patrão, sem participação da entidade sindical. A técnica em enfermagem Francinalda Menezes da Silva Rodrigues, 43 anos, sentiu no bolso os impactos da Reforma Trabalhista. Ela atua das 19h às 7h em um hospital de Taguatinga. Para ela, a participação da entidade de classe nas negociações faz falta para a categoria.

;Todos os anos, o sindicato negociava um aumento para o nosso salário. Agora, isso não ocorre mais;, conta. Além disso, ela explica que, antes, recebia um valor extra por trabalhar em feriados e fins de semana, o que mudou depois da aprovação da nova lei. ;Com a Reforma Trabalhista, tiraram isso da gente. Doeu muito no nosso bolso. Todo mundo reclama até hoje;, lamenta. A maranhense conta que, com o tempo, se acostumou com a jornada de 12 horas seguidas. ;Hoje, eu até gosto. Mas acho que os empregados que trabalham à noite são pouco privilegiados;, afirma. ;A gente tem direito a um período de repouso de uma hora durante 12 de trabalho. Fora isso, não temos horário de janta;, diz.

;Então, a gente reveza com o colega, engole a comida rapidinho e volta para o serviço.; Francinalda, que fez curso no Instituto Técnico Educacional Pró-Educar, trabalha nessa rotina há mais de 10 anos. Além da atuação no hospital, ela foi cuidadora e técnica de enfermagem em home care. Delmiro Jardim Macedo, 50 anos, trabalha em jornada 12x36 há seis anos. Ele é porteiro em um prédio residencial do Sudoeste, onde fica das 7h às 19h. Antes, trabalhava à noite, também como porteiro, em Águas Claras. O maranhense conta que gosta da rotina. ;É bom porque tenho tempo para aproveitar minha família;, diz. ;Para mim, é muito tranquilo e prático.; Antes, ele atuava em jornada regular, de oito horas por dia, na área de vendas, mas admite que prefere a modalidade 12x36.

;Depois que minha filha nasceu, eu preferi trabalhar 12 horas direto do que todos os dias porque tenho um dia e meio de folga para ficar com ela.; O porteiro vê a mudança que a Reforma trouxe em relação à jornada de maneira positiva. ;No meu ponto de vista, ficou muito mais simples a negociação entre trabalhador e patrão;, opina. ;Além disso, se eu vejo que a empresa não está respeitando meus direitos, posso procurar outra que o faça;, completa. ;No entanto, tenho colegas que veem essa mudança de forma negativa;, reconhece.

O que as ADIs questionam?
Conheça os pontos da Reforma Trabalhista contestados no STF que ainda faltam ser julgados

Limitação da indenização por danos morais

A nova lei trabalhista limita a indenização por danos morais trabalhistas com base no valor do último salário do empregado. As ADIs 5870 e 6050, da Anamatra; 6069, do CFOAB; e 6082, da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria (CNTI), questionam a constitucionalidade desse ponto, alegando que fere princípios da Carta Magna, como reparação integral do dano e isonomia. Isto é, igualdade jurídica entre todos os cidadãos. ;Não se pode ter um teto no valor que o magistrado define para indenização por dano extrapatrimonial porque a Constituição prevê que as reparações do dano têm de ser as mais integrais e plenas possíveis;, explica a presidente da Anamatra, Noemia Porto.

;A gente defende que é inconstitucional a tarifação do sofrimento alheio, ou seja, você colocar um teto de indenização baseado no salário do trabalhador;, completa. De acordo com Noemia, a Constituição prevê reparação integral proporcional ao dano que a pessoa sofre. Por isso, a mudança é inconstitucional e viola direitos fundamentais. Segundo o presidente da Comissão de Direitos Sociais da OAB, Antônio Fabrício de Matos Gonçalves, a nova lei ;viola o princípio da proteção do trabalho e proibição do retrocesso social;. Ele cita o exemplo da tragédia da Vale em Brumadinho para explicar a questão. ;Há casos em que a família está tentando provar que o pai não estava na escala de trabalho, mas que morava lá perto e foi levado pela lama;, diz.

;Isso porque, se levarmos a CLT à risca, a pessoa que morre trabalhando vale até 100 salários do que recebia. Se ela não estiver em horário de expediente, a indenização pode ser maior;, analisa. Ele afirma que ;não é possível quantificar a vida, mas a nova lei quantifica, de alguma forma;. Gonçalves relembra que, antes da reforma, o juiz determinava o valor da indenização ;levando em conta a possibilidade de a empresa indenizar, a atividade exercida pelo trabalhador, a causa da morte e o impacto para a família;. Além disso, calculava-se o tempo que a pessoa ainda trabalharia e quantos salários receberia para, assim, estipular o dano material, o que permanece até hoje.

Na avaliação do secretário de Educação da CNTI, José Reginaldo Inácio, esse dispositivo da nova Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) impõe desigualdade na concepção do valor da vida humana. ;A vida de um trabalhador que, porventura, recebe R$ 1 mil é totalmente inferiorizada em relação à vida daquele que recebe R$ 10 mil;, exemplifica. ;A legislação torna ainda mais vulnerável a condição humana, pois desrespeita a dignidade do ser humano até no momento da morte;, opina. Para ele, a nova norma afeta diretamente os trabalhadores da indústria, visto que estão sujeitos a acidentes no ambiente laboral constantemente.

Ministro do STF comenta a reforma

; Ana Paula Lisboa

A ADI 5994, que trata do estabelecimento de jornada 12x36, sem a presença de entidade de classe nas negociações, está sob relatoria do ministro Marco Aurélio Mello, do STF. Questionado sobre a temática, ele explicou que ainda não a apreciou. ;Não posso falar sobre o tema;, esclarece. O ministro acredita que os pontos da Reforma Trabalhista questionados em outras ações diretas de inconstitucionalidade já avaliadas por ele não continham ilegalidade. ;Eu falo sobre o que eu já julguei até aqui. Eu entendo que o que é atacado nas ADIs já apreciadas não tem conflito com a Constituição. É o que eu tenho sustentado no plenário;, afirma. Em geral, Marco Aurélio Mello é favorável à nova lei trabalhista. ;A reforma como um todo eu entendo como muito positiva, tanto que houve uma diminuição substancial das ações trabalhistas nos tribunais;, diz. Na época em que tramitou no Congresso Nacional, a revisão da CLT se embasava em argumentos, como a promessa de geração de empregos. No entanto, atualmente, o cenário nacional continua sendo de forte desemprego.

Para Marco Aurélio, não é possível atribuir o problema à reforma. ;Aí depende da retomada do desenvolvimento. É muito difícil, para uma sociedade, proporcionar empregos, considerado o aumento da população que nós tivemos. Foi um crescimento vertiginoso. Em 1970, éramos 90 milhões de brasileiros ; esse era o chavão da Copa do Mundo. Hoje, somos 210 milhões;, compara. ;Qual é a sociedade que viabiliza o surgimento de empregos necessários a acolher essa mão de obra? Nenhuma.; O ministro avalia que a nova legislação favorece a condição dos patrões, que devem passar a ter de se preocupar menos com ações trabalhistas infundadas. ;A Reforma Trabalhista, de certa forma, tirou da cabeça dos empregadores uma verdadeira espada de Dâmocles que havia. E refirmo-me, principalmente, ao fato de antes não se ter, por exemplo, condenação em honorários advocatícios do reclamante. Então, se ajuizava uma ação jogando barro na parede para ver se colava... Sem receio da sucumbência, da condenação em honorários...;

Questionado sobre a segurança jurídica do texto, Marco Aurélio tem visão, a princípio, positiva. ;De início, se presume que a reforma tenha sido harmônica com a Constituição, com os ditames constitucionais. Nós estamos avançando ; até mesmo para tornar o Brasil competitivo no cenário internacional ;, precisamos avançar e tem a palavra o Congresso, que é quem realmente cria o direito;, pontua. Assim, o fato de a reforma ser questionada por entidades de classe e outras instituições não significa que haja insegurança jurídica. ;A categoria profissional, principalmente mediante associações e sindicatos, ela estará sempre pleiteando mais para os trabalhadores. Mas já temos aí a Constituição Federal que assegura inúmeros direitos aos tribunais.;

Entenda a expressão
Dâmocles é personagem de uma anedota que representa a insegurança dos que estão no poder, pela chance de esse poder ser tomado e pelos riscos envolvidos. A parábola começa com Dionísio II, rei de Siracusa, que fez muitos inimigos e tinha medo de ser assassinado. Vendo o quanto Dâmocles, um cortesão, o invejava, o rei ofereceu que ele tomasse o lugar dele por um dia. Porém ordenou que uma espada fosse presa ao teto por um fio de rabo de cavalo sob o trono. Dionísio II explicou que um rei tem todos os luxos, mas tem também uma espada permanentemente apontada para sua cabeça.

Contribuição sindical facultativa

As ADIs que questionavam o fim da contribuição sindical obrigatória ; 5797, 5810, 5811, 5813, 5815, 5794, 5850, 5865, 5885, 5887, 5892, 5859, 5900, 5912, 5913, 5923 e 5945 ; foram julgadas improcedentes pelo STF em 29 de junho. Antes, todos os trabalhadores eram obrigados a contribuir, anualmente, com um dia de trabalho para o sindicato da categoria. Após a decisão, passou a contribuir quem quer. Para Claudia Securato e Danilo Pieri Pereira, a decisão do STF de manter a contribuição facultativa também é assertiva.

;Tudo que você é obrigado a pagar eu acho muito complicado. Acredito que, agora, o sindicato vai precisar se engajar mais, trabalhar mais, arrumar outras formas de ajudar o trabalhador;, afirma Claudia. ;A decisão do STF vai no sentido de que não existe violação da Constituição nessa mudança legislativa. Não há garantia de que deva haver alguma contribuição compulsória para fomento da atividade sindical;, explica Danilo. ;É interessante porque você passa a fomentar que o sindicato tenha efetivamente uma participação na vida do trabalhador para que ele se sinta à vontade para fazer a contribuição;, opina.

*Estagiária sob supervisão da
subeditora Ana Paula Lisboa

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