“Ainda existe um estereótipo, e as pessoas esperam comportamentos masculinizados quando uma mulher está do outro lado da mesa, como CEO, e lidando com questões comerciais e financeiras”, reflete Daniela Falcão. Ela é presidente no Brasil da Condé Nast, um dos maiores grupos internacionais de edição de revistas. Durante o evento Brasília Cidade Design (BCDesign), no Conjunto Cultural da República, ela falou com sinceridade ao público sobre os desafios da função e da comunicação na era digital.
Em entrevista ao Correio, a jornalista, que nasceu em Salvador e se formou na Universidade de Brasília (UnB) em 1992, relembrou a experiência na capital federal e compartilhou detalhes da jornada na indústria da moda. Para ela, é necessário fazer um grande esforço para levar características da gestão feminina para um espaço e um cargo de responsabilidade, como o de CEO. Desde 2013, ela é considerada, a cada ano, uma das 500 personalidades mais influentes da moda mundial pelo site Business of Fashion (BoF).Ex-editora-chefe da Vogue e, desde 2017, como CEO da Condé Nast Brasil, que publica Vogue, Casa Vogue, Glamour e GQ no país, Daniela discorre sobre a dificuldade de ser mulher e estar em um cargo de chefia em uma grande empresa. “Há sempre alguns desafios, como quando um homem te interrompe durante uma reunião. Mas eu não acho que seja algo incontornável”, comenta.
Em 2017, a história de Daniela se tornou um documentário, dirigido por Maria Prata, que acompanha do período em que ela foi diretora de redação até se tornar diretora-geral do grupo onde trabalha. A vida dela é marcada por muito trabalho e até pela superação de uma doença grave. Em fevereiro de 2015, durante a semana de moda de Milão, recebeu a notícia de que foi diagnosticada com câncer de mama. Ela soube do resultado do exame por e-mail e já estava na Europa para a cobertura do evento.
Com orientação médica, esperou até o fim dos desfiles para retornar ao Brasil e ser operada ainda naquele mês. Conciliando o tratamento médico, ela continuou trabalhando e, inclusive, viajando para atividades no exterior, como a comemoração dos 40 anos da Armani, em Milão; e desfile da Dior, em Cannes. Para quem curte moda e indústria criativa, o importante é investir em informação e referência, ressalta Daniela. “Eu não conhecia tanto de moda no começo, mas eu adorava cinema, lia muito e escutava música”, admite.
“Você tem que entender muito de cultura e entretenimento, porque a moda dialoga com todas essas áreas”, explica. “Com a internet, existe muita informação sobre moda. Há filmes e documentários sobre estilistas disponíveis e fáceis de acessar”, conta. A CEO reforça que, para os interessados em trabalhar com moda e, possivelmente, ocupar um cargo de liderança, os ingredientes mais importantes são curiosidade constante e autoeducação, ou seja, sempre estar em busca de conhecimento e referências por conta própria.
Memórias
Sobre os anos na UnB, Daniela os define como sensacionais. “Eu gostava do projeto de Darcy Ribeiro, de ter um câmpus integrado, onde eu não estudava só jornalismo e podia pegar matérias com alunos de economia, relações internacionais e até sociologia”, conta. Na época, ela participou de movimentos estudantis e relata que sempre teve curiosidade e vontade de ter aulas com pessoas de outros cursos. Daniela costumava passar o dia todo no câmpus da universidade.
Como jornalista, Daniela trabalhou em diversos veículos de comunicação, na Bahia e em São Paulo, principalmente. “Eu sabia que não gostava de política, não queria fazer coberturas burocráticas do Planalto ou do Congresso Nacional. Não é a minha cara”, diz, sobre a decisão de trabalhar com moda. Daniela chegou a atuar como corresponde em Nova York. Em 2005, foi convidada para ser editora chefe da Vogue Brasil. “Eu fui aprendendo sobre moda aos poucos. Queriam que eu trouxesse mais clareza e serviço para a revista, tudo o que eu tinha aprendido no jornalismo”, comenta.
Adaptação
Daniela relata que foi preciso empenho para que publicações que coordena, como a Vogue, se estabelecessem e crescessem na era digital. “Como tudo o que é novo e causa disrupção, a empresa precisou olhar para o digital como uma oportunidade de falar com mais pessoas em vez de enxergar o meio on-line como ameaça”, diz. Com as redes sociais, ela analisa que as redações deixaram de ser uma personalidade solitária e passaram a ter maior contato com os leitores e a receber feedbacks.
Os desfiles da Semana de Moda de Paris na década de 1980 eram registrados por meio de muitas anotações e sketches para que, depois, as pessoas, incluindo jornalistas, se lembrassem das roupas, recorda Daniela. “Era necessário esperar que os fotógrafos mandassem as fotos por slide. A publicação sobre o desfile só era feita uns seis meses depois.”
Hoje, o acesso à informação é rápido. O público vê o conteúdo quase em tempo real. Na definição de Daniela, a revista se tornou um acervo de detalhes e quem compra é porque realmente gosta de moda e quer ver algo além do imediatismo do Instagram. Para sobreviver à era digital, a CEO aconselha: “Não tenha medo da pessoa mais jovem, que tem um olhar novo, da digital influencer, da blogueira. Seja melhor que elas na sua área, por exemplo”.
Segundo ela, é importante usar os canais sociais estrategicamente. “Você tem que saber onde sua marca se encaixa melhor”, afirma. “Nós achávamos que teríamos que levar a linguagem nervosa do digital para o print, mas começamos a ver que cada marca tem uma identidade em cada meio de comunicação”, conta Daniela. Segundo a jornalista, o impresso não perdeu seu espaço para o digital, os focos apenas passaram a ser outros.
Acesse
O BoF 500, disponível no link www.businessoffashion.com/community/bof500, é o índice profissional definitivo das pessoas que moldam a indústria de US$ 2,4 trilhões da moda mundial. Os 500 selecionados a cada ano são escolhidos com base em centenas de indicações, extensa análise e pesquisa de dados.
*Estagiária sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa