Trabalho e Formacao

Especialistas destacam importância da saúde mental no trabalho

Cresce a preocupação dos empregadores com o bem-estar psicológico dos funcionários à medida que afastamentos por transtornos psiquiátricos aumentam

Isadora Martins*
postado em 29/09/2019 16:30
Os transtornos psicológicos e comportamentais estão entre as principais causas de absenteísmo ; ausências repetidas ; e afastamento do trabalho. Em 2017, de acordo com levantamento da Secretaria de Previdência do Ministério da Fazenda, mais de 170 mil pessoas receberam auxílios doença, acidentário e previdenciário por questões relacionadas à saúde mental. Em contrapartida, segundo a Associação Nacional de Medicina do Trabalho, apenas 18% das empresas mantêm programas para cuidar do bem-estar psíquico dos trabalhadores. Apesar disso, especialistas avaliam que o cenário é positivo, já que as organizações têm se preocupado cada vez mais com o lado psicológico dos funcionários.

No entanto, muitas lideranças não sabem como enfrentar problemas nessa área, que, por vezes, ainda são considerados tabu. ;As empresas se preocupam muito mais do que ontem, mas muito menos do que deveriam com a saúde mental dos empregados;, afirma Wanderley Codo, professor do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho da Universidade de Brasília (UnB). ;Há um tempo, sequer acreditava-se que a atividade laboral poderia provocar problemas de saúde mental. Hoje, isso é consenso entre os profissionais da área;, completa. Paulo Vaz, conselheiro da Aliança para a Saúde Populacional (Asap), e sócio da rede de clínicas eCare, concorda que a preocupação das organizações com o equilíbrio emocional dos colaboradores existe, mas nem sempre as lideranças sabem tratar o assunto.

;A principal questão é que muitas têm receio de lidar com o estigma da saúde mental sem uma abordagem adequada;, explica. ;O grande desafio é falar sobre isso de maneira estruturada, responsável, e a partir de apoio médico;, pondera o representante da Asap, entidade sem fins lucrativos que visa promover ações de gestão de saúde populacional. São atividades adotadas por grandes empresas, como Petrobras e grupo Pão de Açúcar ,que se colocam no dia a dia do trabalhador para incentivá-lo a adotar uma vida saudável e prevenir doenças. A iniciativa disponibiliza, por exemplo, voucher para o funcionário usar com terapia; promove atividades físicas no trabalho; e, até mesmo, oferece um bônus para os profissionais que estão bem de saúde.

Atenção aos sinais

Queda no rendimento, mudança de comportamento e alterações no humor são alguns sinais de que a saúde mental de um trabalhador pode estar comprometida. É importante que os chefes das organizações observem esses sintomas nos liderados e saibam como agir nesse tipo de situação. ;Uma das primeiras recomendações é que a alta liderança esteja atenta a essa questão e prepare os líderes para observar possíveis sinais nos funcionários e para conversar sobre o assunto;, afirma a coordenadora do serviço de psicologia da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, Ana Lúcia Martins.
Ela ressalta, no entanto, que essa conversa deve ter como base algo que já tenha sido observado na equipe. ;Esse não é um tema que deve ser debatido para procurar o problema;, argumenta. Paulo Vaz, administrador com MBA em gestão e economia da saúde, também considera que a preparação das lideranças para lidar com a questão é fundamental. ;O enfrentamento dos problemas de saúde mental dentro da empresa tem que ser uma decisão que venha da cúpula da organização;, opina. ;Além disso, é necessário treinar os líderes para que eles saibam como reconhecer um indivíduo com risco de transtorno mental, como abordar esse trabalhador e quais alternativas ele tem para cuidar bem da situação.;

De acordo com o professor da UnB Wanderley Codo, ;um gerente sensível e profissionais de recursos humanos competentes sentem no ar que há algo de errado;. Ele cita o exemplo de um funcionário que começa a faltar muito. ;Aí, quando você vê, o sujeito perdeu o ânimo, está ficando muito triste, não tem coragem de levantar da cama. Desconfia-se de que há um problema de depressão, por exemplo;, analisa. ;Fundamentalmente, é preciso contar com a sensibilidade do empresário e do pessoal de RH.;

Prevenção

Há algumas atitudes que podem ajudar a promover a saúde mental no ambiente de trabalho e prevenir transtornos psíquicos. A primeira delas, de acordo com a psicóloga clínica com especialização em psicologia hospitalar Ana Lúcia Martins, é delimitar os papéis e o que é esperado de cada profissional, além de definir quais são os limites da autonomia de cada um. ;Assim, as pessoas ficam respaldadas ao tomar decisões e atitudes no trabalho;, justifica. Ainda de acordo com a coordenadora do Serviço de Psicologia da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, é fundamental que as normas em relação a horas de descanso e qualidade do ambiente de trabalho sejam cumpridas, o que nem sempre é a realidade. ;Os profissionais também podem buscar programas de incentivo à qualidade de vida, seja fora, seja dentro da empresa, como ginástica laboral e meditação;, acrescenta.

Paulo Vaz, executivo do mercado farmacêutico, recomenda que as organizações busquem empresas com experiência em gestão de saúde populacional* voltada para saúde mental e discutam sobre o assunto com responsabilidade. ;Muito se fala sobre doenças crônicas, como diabetes, hipertensão e obesidade. A abordagem da saúde mental tem que seguir um pouco essa mesma estratégia;, defende. ;Falar sobre o assunto é o melhor caminho;, completa. Segundo Vaz, sempre que se fala sobre saúde, é importante ter certeza de que a informação levada para os funcionários tem suporte clínico. ;Não é um tema que pode ser tratado de forma apenas holística, ele deve ser tratado do ponto de vista médico.;

;;Meu empregador não compreendeu a depressão;;

Márcia Maria do Nascimento Rodrigues, 55, trabalhava havia 19 anos em um banco quando precisou pedir afastamento devido à depressão. Ela conta que a pressão do ofício foi um dos fatores que agravaram a doença. ;No meu cargo, eu era chefe de negócios e preenchia formulários de empréstimos altos. Se eu fizesse algo errado, poderia falir uma empresa;, explica. Foi o médico quem a aconselhou a deixar o trabalho por um tempo. ;Ele explicou que meu corpo estava como uma bomba prestes a estourar e que, se eu continuasse no trabalho, não veria minhas filhas crescerem.;

No entanto, Márcia não recebeu apoio do banco e foi demitida. ;Eles foram indiferentes e não demonstraram nenhuma preocupação com a minha situação;, conta. Na opinião dela, que atualmente é dona de casa, as organizações deveriam oferecer psicólogos dentro da empresa para promover a saúde mental dos funcionários e evitar transtornos psíquicos. ;Algumas disponibilizam convênio médico, mas é muito difícil encontrar um psicólogo que aceite.;

Palavra de especialista

Senhor de cabelos brancos segura um microfone e não tem os olhos virados para a câmera. Ele está palestrando e é possível ver parte de uma apresentação de slides atrás dele.A identidade adulta se dá pelo trabalho

;O que você pode dizer sobre o trabalho e a saúde mental é a mesma coisa que se diz sobre infância, sexualidade ou outro fator importante para a formação da identidade. A família é importante para a saúde mental porque é muito relevante para a formação da identidade, para a formação do indivíduo. A mesma coisa você pode dizer sobre sexualidade, educação, assim por diante...Ocorre que a identidade do homem adulto se dá pelo trabalho. Eu, por exemplo, sou psicólogo e me casei com uma psicóloga. Você constrói sua subjetividade a partir das relações de trabalho. Não é mais a família que está intervindo na sua identidade, não é mais a sexualidade primitiva, mas a construção da identidade sobre o trabalho. Ora, se ela é importante para a construção da identidade, também é muito relevante para a saúde mental.;

Wanderley Codo, professor titular aposentado do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho da UnB, doutor e pós-doutor em
psicologia social e do trabalho
Homem de aspecto jovem, óculos e semblante abatido e entristecido. Acima, círculos amarelos contendo fatores de riscos para o adoecimento mental.


*Estagiária sob a supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa

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