;A gente lutava para tudo, inclusive para sobreviver, então estudar era o único caminho.; Wagneide de Menezes, 50 anos, cresceu em Pirambu, periferia de Fortaleza (CE) e sétimo maior aglomerado urbano do Brasil. Filha do dono de um bar da região com ensino fundamental incompleto, ela foi a primeira da família a se formar no ensino superior. Hoje, é cirurgiã-dentista, com clínica especializada em lentes de contato dental, estética e implantodontia.
;Se eu não tivesse tido a oportunidade de estudar, não estaria onde estou hoje. E não podemos parar de estudar. A educação é transformadora em todos os aspectos.; Ivailde Alves de Souza, 41, veio de Carinhanha, no interior do Ceará, para Sobradinho (DF) com os pais e os oito irmãos. A família se alimentava com chuchus e abacates que davam na rua. Hoje, Ivailde é licenciada em pedagogia.
;Educação não é só formação escolar, é um conjunto de circunstâncias, momentos e fases. Com educação, somos preparados para respeitar os direitos das pessoas e ser solidários. Tem muita gente hoje que é letrada e não é educada. O conjunto da educação está na raiz do crescimento pessoal.;Salatiel Soares de Souza, 72, nasceu em Mutum, no interior de Minas Gerais, a cerca de 400 km de Belo Horizonte. Filho de lavradores de café que estudaram só os primeiros anos do ensino fundamental, Salatiel é juiz aposentado e advogado. Apesar de existirem casos de pessoas cuja história de vida foi mudada pela educação, como Wagneide, Ivailde e Salatiel, esse tipo de exemplo ainda não é maioria no Brasil.
Exceção à regra
Dados de 2018 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que apenas 16,5% dos brasileiros com 25 anos ou mais têm ensino superior completo. Para chegar tão longe, muitos precisam enfrentar várias dificuldades. ;Eu trabalhava limpando um escritório de informática enquanto fazia o ensino médio. Era muito cansativo e não dei conta. Terminei a escola depois, com 21 anos;, relata Ivailde. Depois de concluir a escola, ela começou a se preparar para o vestibular da Universidade de Brasília (UnB), mas parou de frequentar as aulas do cursinho depois de ser assaltada, voltando para casa.
Anos depois começou a cursar secretariado executivo em uma faculdade particular, mas ficou desempregada e não deu conta de continuar pagando as mensalidades. Formou-se em pedagogia em 2014. ;Apesar de todas as dificuldades, acho que consegui melhorar, mas ainda não alcancei alto nível de sucesso. Ainda quero trabalhar na secretaria de educação;, reflete.
Dos nove filhos, só ela e uma irmã conseguiram concluir os estudos. Os outros precisaram trabalhar para complementar a renda da casa. ;Eu e minha irmã íamos a pé para a escola todos os dias. Ela sempre me apoiou e incentivou;, conta. Ivailde já foi aprovada em dois concursos públicos, mas não foi chamada dentro do prazo dos certames.
Wagneide conta que, em Pirambu, em Fortaleza, não havia saneamento básico e ela usava um buraco no chão como banheiro. ;Eu tive bicho de pé, piolho e verme. Não tinha acesso a nada.; Ela se preparou para o vestibular da Universidade Federal do Ceará (UFC) estudando com apostilas emprestadas enquanto trabalhava no bar com o pai. ;Eu estudava ouvindo conversas e música alta. Passei em 17; lugar. Foi uma surpresa porque parecia inatingível;, relembra. Durante a graduação, o pai guardou todas as garrafas de cachaça vendidas no bar. Quando Wagneide se formou, o material de seu primeiro consultório, aberto em cima do bar do pai, foi comprado com o dinheiro das vendas dos vidros das garrafas.
Salatiel chegou com a família a Brasília em 1964. Ele conta que o pai era rigoroso com o acompanhamento da vida escolar dele e dos dois irmãos. ;Ele tinha o desafio de preparar os filhos porque não queria que tivéssemos a mesma vida que ele teve;, relata. Em 1982, Salatiel passou no concurso de juiz para Rondônia, onde atuou em Cacoal e Porto Velho. Até pouco tempo, mantinha escritório de advocacia na capital do estado e em Brasília.
Papel da sociedade civil
O presidente executivo do Itaú Unibanco, Candido Bracher, afirma que não é possível crescer economicamente sem investimentos em educação. ;Olhando pela perspectiva do mundo corporativo, não há a menor chance de prosperarmos nos dias de hoje sem educação de qualidade. Basta ver que as empresas de maior sucesso hoje no mundo são baseadas no capital intelectual;, observa. ;O conhecimento se tornou o principal ativo das empresas.; Para embasar a exposição, ele cita o exemplo da Coreia do Sul. ;Em 1963, o PIB (Produto Interno Bruto) per capita do país era de US$ 100. Hoje, é de US$ 32 mil. Estudos da Universidade de Berkeley (EUA) apontam claramente a correlação entre o investimento em educação e a drástica mudança de cenário observada na Coreia do Sul;, destaca.
Bracher também expôs números da educação no Brasil. ;A cada 100 crianças que concluem o ensino fundamental, apenas sete vão ingressar no ensino superior. 80% dos jovens que vão concluir o ensino médio daqui a alguns meses estarão fora do restante do sistema educacional.; Os altos índices de evasão escolar e repetência de alunos, além da elevada rotatividade de professores nas escolas e o grande número de estudantes fora das salas de aula, segundo ele, são a causa da estagnação do crescimento do país. ;É preciso melhorar a qualidade da gestão do ensino no Brasil, o que também é papel da sociedade civil;, apontou o banqueiro.
O presidente da Câmara dos Deputados, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), também convocou a sociedade civil para a discussão. ;A tendência daqui para a frente é trabalhar com parcerias público-privadas. Não há muita alternativa;, opinou. ;É preciso coragem para enfrentar reformas necessárias e desmontar estruturas que não geram eficiência do gasto público, infelizmente. É um problema estrutural.; Para melhorar o cenário, o deputado federal sugere reformas administrativas e revisão da máquina pública. ;É preciso reduzir o custo do trabalhador brasileiro. Muitos empresários que foram essenciais na Reforma da Previdência não querem que a Reforma Tributária seja aprovada. É um país onde os interesses individuais têm prevalecido ao longo dos anos;, lamentou.
Exemplos em andamento
Apesar das dificuldades do cenário educacional brasileiro, três estados foram destaque em análise do Todos pela Educação como exemplos a comemorar: Ceará, Pernambuco e Espírito Santo. A conclusão foi feita a partir de dados do Ministério da Educação (MEC). Nos anos iniciais da educação básica, o Ceará foi o ente federativo que mais avançou no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) entre 2005 e 2017, saltando da 18; posição para a quinta, e o que tem a menor diferença de aprendizagem entre alunos de diferentes níveis socioeconômicos. No ensino médio, Pernambuco foi o segundo estado que mais avançou no Ideb de 2007 a 2017, caminhando da 21; colocação para a terceira, e o que tem a menor diferença de aprendizagem entre alunos de diferentes níveis socioeconômicos. Também nos anos finais da educação básica, o Espírito Santo foi a unidade da Federação com melhor colocação no Ideb (1; lugar em 2017) e no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) 2015, com média 32 pontos maior do que a brasileira.
Paulo Hartung, que foi governador do Espírito Santo entre 2003 e 2010 e de 2015 a 2018, destacou, durante o debate, que a decisão de tornar a educação prioridade é política e vem da consciência dos líderes da sociedade. ;Há dinheiro para isso, mas é desperdiçado na máquina pública brasileira. O desafio é mudar a qualidade do serviço de gestão", argumentou. O ex-governador destacou ainda que não é preciso inventar experiências ou buscar exemplos internacionais. "Para implementar a educação integral no estado, bebemos de experiências exitosas Brasil afora e mergulhamos na experiência de Pernambuco. Não fomos inventar uma escola ou um tipo de educação. Buscamos uma experiência que estava dando certo." Nas gestões de Hartung, o Espírito Santo melhorou os índices no Ideb graças a programas como o Escola Viva, de escolas integrais, e o Ler, Escrever e Contar, focado na alfabetização.