Trabalho e Formacao

Educação de qualidade é desafio para Brasil retomar crescimento

Apesar de avanços recentes, educação brasileira ainda peca na qualidade e impede o crescimento da produtividade e da competitividade do país

Ana Isabel Mansur*
postado em 11/11/2019 07:00 / atualizado em 08/10/2020 12:50

Para um país crescer economicamente, precisa ter educação básica de qualidade. Quando os investimentos nos ensinos infantil, fundamental e médio são feitos de maneira efetiva, o índice de produtividade esperada de um indivíduo ao entrar no mercado de trabalho aumenta, o que consequentemente eleva a produção nacional. No Brasil, problemas como a imensa desigualdade social e a alta concentração de renda tornam o investimento em educação ainda mais imprescindível. Dados do Banco Mundial mostram que nações que elevaram os anos de escolaridade dos indivíduos aumentaram também o PIB (Produto Interno Bruto) por trabalhador. O Brasil, no entanto, variou muito pouco a produtividade por pessoa ocupada, embora a taxa de escolaridade dos brasileiros tenha crescido nos últimos anos.
Há 30 anos, o país oferecia 2,93 anos de estudo para a população e produzia US$ 12,5 mil por trabalhador anualmente. Em 2010, os brasileiros estudavam quatro anos a mais para ganhar menos de US$ 1 mil a mais do que recebiam em 1980. Na Colômbia, em 1980, um cidadão estudava em média 4,26 anos e ganhava US$ 12.446. Três décadas depois, o tempo de estudo passou para 8,45 anos e a produção para US$ 16.840. Na Coreia do Sul, há 30 anos uma pessoa estudava em média 7,09 anos e ganhava US$ 11.463. Em 2010, a taxa de escolaridade foi para 11,89 anos e o rendimento saltou para US$ 44.293.
 
Mulher branca e de cabelos loiros de 50 anos segura um microfone sem fio e está no meio de uma fala, com os dentes à mostra. Ela usa uma blusa de bolinhas e saia preta.   Mulher negra de 40 anos está sentada em um escritório cujas paredes são de tijolinho. Ela segura um caderno e uma caneta, olha para a câmera e sorri. Usa camiseta branca e calça jeans. 
“Sabemos que aprender é importante para aumentar a competitividade, mas o que vemos é que estamos em uma crise de aprendizagem. No Brasil, mais crianças na escola não significaram aumento de produtividade”, afirmou Jaime Saavedra, diretor global de Educação do Banco Mundial e ex-ministro da Educação do Peru. “O ponto primordial é a qualidade. Fizemos então a pergunta: quantas crianças de 10 anos sabem ler e entender um pequeno texto? No Brasil, apenas 48%. É um número muito grande que não sabe, é praticamente a metade”, completou durante o debate Educação e a agenda de competitividade, que ocorreu em São Paulo.

“Só o fato desse número (de crianças que não sabem interpretar um texto) estar tão longe do zero já é economicamente inaceitável. É um alerta de que todos os outros indicadores educacionais estão em risco”, denuncia. “O que esperar do ensino técnico ou do superior se as crianças não entendem o que leem? Eliminar a pobreza de aprendizagem é exterminar a extrema pobreza e a fome. Todos deveriam entender o que leram”, cobra Saavedra. “Globalmente, o número hoje é 53%. Estabelecemos a meta de, até 2030, reduzir pelo menos pela metade o índice de pobreza de aprendizagem mundial. Para alcançar, é preciso dobrar ou triplicar as melhorias que têm sido feitas até agora, em cada país.”

Crise de aprendizagem

 

O debate do Todos pela Educação e do Itaú BBA reuniu personalidades como o fundador do Instituto de Corresponsabilidade pela Educação (ICE), Marcos Magalhães; a ex-secretária de Fazenda de Goiás, a economista Ana Carla Abrão;  a assessora de Educação do Itaú BBA, Ana Inoue; e o presidente e CEO do Itaú BBA, Caio David Ibrahim.
 
Priscila Cruz, presidente executiva e cofundadora do Todos pela Educação, destacou o problema da qualidade do ensino brasileiro. Ela também elogiou as reformas que têm sido feitas no Brasil, como a previdenciária e a trabalhista, pois isso permitirá investimentos efetivos em educação. “São reformas importantes, de modernização do Estado.” A executiva aproveitou para destacar o trabalho que vem sendo feito pela ONG em função do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), destinado à educação básica no Brasil e criado em 2006.

Ele reúne cerca de 60% dos recursos investidos na educação pública. Em dezembro de 2020, o atual modelo do Fundeb se extingue. “É a oportunidade de fazer nova modelagem na forma de distribuição de recursos, para que os resultados sejam o principal objetivo, não o recurso por si só. É uma crise de aprendizagem que gera desperdício de talentos”, argumentou. “Agora, precisa ser prioridade.”

Capital humano

Rodrigo Maia e Priscila Cruz em evento do Todos pela Educação 

A produtividade de uma criança nascida hoje no Brasil é 56% do que poderia ser se o país investisse o suficiente em qualidade de educação. O índice de produtividade mede os dados de capital humano de um país, calculado com base nas taxas de sobrevivência, educação e nutrição. A soma é o quanto de produtividade é esperado de uma criança ao entrar no mercado de trabalho no futuro, em relação à referência completa em educação e saúde total. Globalmente, o número é o mesmo do Brasil: 56%. Seria o valor máximo se os investimentos fossem mais efetivos.

Calculados pelo Banco Mundial, os dados sobre produtividade e capital humano foram divulgados em debate promovido pelo Todos pela Educação, movimento suprapartidário e sem fins lucrativos que atua no ramo da educação de base desde 2006, e pelo Itaú BBA. Com o tema Educação e a agenda de competitividade, o evento reuniu empresários e representantes do setor público para discutir o cenário da educação básica no Brasil.

Em exposição em inglês, Saavedra caracterizou a crise global da educação com o conceito de pobreza de aprendizagem. “A grande pergunta é: estamos realmente investindo nas pessoas? Apostar em capital humano é investir em seres humanos.” Ele comparou os números obtidos pela entidade entre as 157 nações analisadas. “Em países pobres, o capital natural é o mais importante, antes do capital humano. Nas nações ricas, acontece o contrário: o que importa é o que está dentro da cabeça das pessoas, o conhecimento. E o Brasil está mais ou menos no meio-termo, no 81° lugar.” Para ele, o principal desafio nacional é a maneira como o capital humano tem sido usado. “Está criando riqueza para o país?”, questiona. “Começamos um projeto no banco sobre capital humano para chamar a atenção do mundo para a importância do assunto, não somente dos especialistas em educação.”
 
Apesar de avanços recentes, educação brasileira ainda peca na qualidade e impede o crescimento da produtividade e da competitividade do país

De acordo com Saavedra, nenhum país alcançou a taxa máxima. “Cingapura está na frente, com 88%. O Brasil está na faixa de 56%, o que é abaixo do esperado, dada a quantidade de investimentos feitos pelo país. Era para estar melhor.” O diretor argumentou que, assim como outros aspectos da realidade brasileira, a qualidade da educação no país é desigual. “Há estados e municípios que têm o mesmo nível que países mais bem colocados e outros estão perto do fim da lista. É um buraco, há vários países dentro do Brasil. E é algo a ser considerado”, expôs. Os resultados brasileiros variam entre 76%, no município de Santa Salete, em São Paulo, próximo dos valores da França e da Itália, e 41%, em Miguel Leão, no Piauí, semelhante aos índices do Benin e da Gâmbia.

Próximos passos

Para melhorar o cenário educacional no Brasil, Jaime Saavedra, diretor global de 
Educação do Banco Mundial e ex-ministro da Educação do Peru, propõe trabalhos em 
quatro eixos: alunos, professores, salas de aula e sistemas. 

1) Alunos preparados e motivados a aprender: expandir a qualidade educacional infantil com envolvimento inteligente do setor privado; 

2)  Professores de todos os níveis eficientes e valorizados: melhorar formação inicial, reformar e profissionalizar a carreira com formação prática. “Currículos claros e com conteúdos realmente importantes também são essenciais, porque servem de guia para os professores”, argumentou o diretor;

3) Salas de aula equipadas para o aprendizado: currículo eficiente, claro e simples; livros e guias de ensino que promovem o aprendizado;

4) Sistemas bem coordenados: mais financiamento equitativo e apoio dos municípios na gestão baseada em resultados, investir na carreira de diretor para melhorar a gestão no nível escolar. “A educação precisa ser prioridade. É preciso melhor gerenciamento do sistema e uso efetivo dos recursos, para melhorar a gestão das escolas”, aconselhou o 
ex-ministro do Peru.

Sucesso apesar das dificuldades

Mulher jovem e branca usa beca de formatura escura com o colarinho branco. Ela está sentada em uma cadeira grande e de madeira. Usa os cabelos cacheados. 

“A gente lutava para tudo, inclusive para sobreviver, então estudar era o único caminho.” Wagneide de Menezes, 50 anos, cresceu em Pirambu, periferia de Fortaleza (CE) e sétimo maior aglomerado urbano do Brasil. Filha do dono de um bar da região com ensino fundamental incompleto, ela foi a primeira da família a se formar no ensino superior. Hoje, é cirurgiã-dentista, com clínica especializada em lentes de contato dental, estética e implantodontia.

“Se eu não tivesse tido a oportunidade de estudar, não estaria onde estou hoje. E não podemos parar de estudar. A educação é transformadora em todos os aspectos.” Ivailde Alves de Souza, 41, veio de Carinhanha, no interior do Ceará, para Sobradinho (DF) com os pais e os oito irmãos. A família se alimentava com chuchus e abacates que davam na rua. Hoje, Ivailde é licenciada em pedagogia.
 
“Educação não é só formação escolar, é um conjunto de circunstâncias, momentos e fases. Com educação, somos preparados para respeitar os direitos das pessoas e ser solidários. Tem muita gente hoje que é letrada e não é educada. O conjunto da educação está na raiz do crescimento pessoal.”Salatiel Soares de Souza, 72, nasceu em Mutum, no interior de Minas Gerais, a cerca de 400 km de Belo Horizonte. Filho de lavradores de café que estudaram só os primeiros anos do ensino fundamental, Salatiel é juiz aposentado e advogado. Apesar de existirem casos de pessoas cuja história de vida foi mudada pela educação, como Wagneide, Ivailde e Salatiel, esse tipo de exemplo ainda não é maioria no Brasil.

Exceção à regra

Mulher negra de 40 anos está sentada em um escritório cujas paredes são de tijolinho. Ela apoia um livro aberto sobre a mesa à sua frente, olha para a câmera e sorri. Usa camiseta branca. 

Dados de 2018 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que apenas 16,5% dos brasileiros com 25 anos ou mais têm ensino superior completo. Para chegar tão longe, muitos precisam enfrentar várias dificuldades. “Eu trabalhava limpando um escritório de informática enquanto fazia o ensino médio. Era muito cansativo e não dei conta. Terminei a escola depois, com 21 anos”, relata Ivailde. Depois de concluir a escola, ela começou a se preparar para o vestibular da Universidade de Brasília (UnB), mas parou de frequentar as aulas do cursinho depois de ser assaltada, voltando para casa. 

Anos depois começou a cursar secretariado executivo em uma faculdade particular, mas ficou desempregada e não deu conta de continuar pagando as mensalidades. Formou-se em pedagogia em 2014. “Apesar de todas as dificuldades, acho que consegui melhorar, mas ainda não alcancei alto nível de sucesso. Ainda quero trabalhar na secretaria de educação”, reflete.

Dos nove filhos, só ela e uma irmã conseguiram concluir os estudos. Os outros precisaram trabalhar para complementar a renda da casa. “Eu e minha irmã íamos a pé para a escola todos os dias. Ela sempre me apoiou e incentivou”, conta. Ivailde já foi aprovada em dois concursos públicos, mas não foi chamada dentro do prazo dos certames.

Wagneide conta que, em Pirambu, em Fortaleza, não havia saneamento básico e ela usava um buraco no chão como banheiro. “Eu tive bicho de pé, piolho e verme. Não tinha acesso a nada.” Ela se preparou para o vestibular da Universidade Federal do Ceará (UFC) estudando com apostilas emprestadas enquanto trabalhava no bar com o pai. “Eu estudava ouvindo conversas e música alta. Passei em 17º lugar. Foi uma surpresa porque parecia inatingível”, relembra. Durante a graduação, o pai guardou todas as garrafas de cachaça vendidas no bar. Quando Wagneide se formou, o material de seu primeiro consultório, aberto em cima do bar do pai, foi comprado com o dinheiro das vendas dos vidros das garrafas.

Salatiel chegou com a família a Brasília em 1964. Ele conta que o pai era rigoroso com o acompanhamento da vida escolar dele e dos dois irmãos. “Ele tinha o desafio de preparar os filhos porque não queria que tivéssemos a mesma vida que ele teve”, relata. Em 1982, Salatiel passou no concurso de juiz para Rondônia, onde atuou em Cacoal e Porto Velho. Até pouco tempo, mantinha escritório de advocacia na capital do estado e em Brasília.

Papel da sociedade civil

Homem branco de 70 anos usa terno e óculos e sorri para a câmera. Ele está em pé à frente de uma estante com alguns livros e tem os braços cruzados. 

O presidente executivo do Itaú Unibanco, Candido Bracher, afirma que não é possível crescer economicamente sem investimentos em educação. “Olhando pela perspectiva do mundo corporativo, não há a menor chance de prosperarmos nos dias de hoje sem educação de qualidade. Basta ver que as empresas de maior sucesso hoje no mundo são baseadas no capital intelectual”, observa. “O conhecimento se tornou o principal ativo das empresas.” Para embasar a exposição, ele cita o exemplo da Coreia do Sul. “Em 1963, o PIB (Produto Interno Bruto) per capita do país era de US$ 100. Hoje, é de US$ 32 mil. Estudos da Universidade de Berkeley (EUA) apontam claramente a correlação entre o investimento em educação e a drástica mudança de cenário observada na Coreia do Sul”, destaca.

Bracher também expôs números da educação no Brasil. “A cada 100 crianças que concluem o ensino fundamental, apenas sete vão ingressar no ensino superior. 80% dos jovens que vão concluir o ensino médio daqui a alguns meses estarão fora do restante do sistema educacional.” Os altos índices de evasão escolar e repetência de alunos, além da elevada rotatividade de professores nas escolas e o grande número de estudantes fora das salas de aula, segundo ele, são a causa da estagnação do crescimento do país. “É preciso melhorar a qualidade da gestão do ensino no Brasil, o que também é papel da sociedade civil”, apontou o banqueiro.
 
Apesar de avanços recentes, educação brasileira ainda peca na qualidade e impede o crescimento da produtividade e da competitividade do país 

O presidente da Câmara dos Deputados, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), também convocou a sociedade civil para a discussão. “A tendência daqui para a frente é trabalhar com parcerias público-privadas. Não há muita alternativa”, opinou. “É preciso coragem para enfrentar reformas necessárias e desmontar estruturas que não geram eficiência do gasto público, infelizmente. É um problema estrutural.” Para melhorar o cenário, o deputado federal sugere reformas administrativas e revisão da máquina pública. “É preciso reduzir o custo do trabalhador brasileiro. Muitos empresários que foram essenciais na Reforma da Previdência não querem que a Reforma Tributária seja aprovada. É um país onde os interesses individuais têm prevalecido ao longo dos anos”, lamentou.

Exemplos em andamento

Apesar das dificuldades do cenário educacional brasileiro, três estados foram destaque em análise do Todos pela Educação como exemplos a comemorar: Ceará, Pernambuco e Espírito Santo. A conclusão foi feita a partir de dados do Ministério da Educação (MEC). Nos anos iniciais da educação básica, o Ceará foi o ente federativo que mais avançou no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) entre 2005 e 2017, saltando da 18ª posição para a quinta, e o que tem a menor diferença de aprendizagem entre alunos de diferentes níveis socioeconômicos. No ensino médio, Pernambuco foi o segundo estado que mais avançou no Ideb de 2007 a 2017, caminhando da 21ª colocação para a terceira, e o que tem a menor diferença de aprendizagem entre alunos de diferentes níveis socioeconômicos. Também nos anos finais da educação básica, o Espírito Santo foi a unidade da Federação com melhor colocação no Ideb (1º lugar em 2017) e no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) 2015, com média 32 pontos maior do que a brasileira.

Paulo Hartung, que foi governador do Espírito Santo entre 2003 e 2010 e de 2015 a 2018, destacou, durante o debate, que a decisão de tornar a educação prioridade é política e vem da consciência dos líderes da sociedade. “Há dinheiro para isso, mas é desperdiçado na máquina pública brasileira. O desafio é mudar a qualidade do serviço de gestão", argumentou. O ex-governador destacou ainda que não é preciso inventar experiências ou buscar exemplos internacionais. "Para implementar a educação integral no estado, bebemos de experiências exitosas Brasil afora e mergulhamos na experiência de Pernambuco. Não fomos inventar uma escola ou um tipo de educação. Buscamos uma experiência que estava dando certo." Nas gestões de Hartung, o Espírito Santo melhorou os índices no Ideb graças a programas como o Escola Viva, de escolas integrais, e o Ler, Escrever e Contar, focado na alfabetização.

 
*A estagiária, sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa, viajou a convite do Todos pela Educação

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