Trabalho e Formacao

Raio X da desigualdade

No mês em que se comemora o Dia Nacional da Consciência Negra, IBGE revela que mercado de trabalho ainda coloca obstáculos para a população negra

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 17/11/2019 04:17
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O angolano Vinda Daniel Afonso, popularmente conhecido como DJ Afrika, 36 anos, mora no Distrito Federal desde 2004 e conta que teve dificuldades para se inserir no mercado de trabalho, mesmo sendo capacitado. ;Eu falo cinco idiomas e, mesmo assim, foi difícil para arrumar emprego. Participava de processos seletivos em que o perfil da vaga era compatível com o meu, mas eu não era escolhido;, conta o empresário.

Formado em administração de empresas pela União Pioneira de Integração Social (Upis), atualmente, Afrika é DJ e trabalha na área de Tecnologia da Informação (TI).

A dificuldade enfrentada por ele é comum para muitos negros no Brasil, como mostram dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Apesar de constituírem 55,8% da população, a representatividade no mercado de trabalho ainda é baixa.

De acordo com a pesquisa Síntese de Indicadores Sociais, 14,7% da população negra estava desocupada em 2018,contra 10% dos brancos. No DF, a Pesquisa de Emprego e Desemprego também apontou disparidade: 20,9% de desocupados no primeiro grupo contra 15,3%, do segundo.

Outro dado é que pretos e pardos são maioria em setores com remuneração mais baixa: agropecuária (60,8%), construção civil (63 %) e serviços domésticos (65,9%) ;; essas eram as atividades que tenham menores rendimentos médios em 2017.

Por fim, a disparidade salarial é outra vertente do preconceito. Mesmo quando têm nível de escolaridade equivalente ao de brancos, negros costumam receber salários menores: para quem têm ensino superior , as médias, em 2017, foram de R$ 31,9 e R$ 22,30, por hora, respectivamente. A diferença representa uma queda de 43,2%.

Principais dificuldades
Entre os obstáculos encontrados, está o processo de formação. ;Normalmente, o negro mora na periferia, estudou em escola pública e, se falamos em ensino superior, está em uma universidade mediana;, explica Ednalva Moura, gerente-geral do Instituto Ser+ ; ONG que visa desenvolver o potencial de jovens em situação de vulnerabilidade socioeconômica.

E esse não é o único entrave. De acordo com Ednalva, muitos recrutadores têm uma visão preconceituosa. ;Geralmente, eles olham para o negro considerando uma visão muito simplista e, algumas vezes, subalterna. Isso está muito ligado ao racismo estrutural;, afirma.

;Outro desafio é a questão do deslocamento. Normalmente, o negro mora na periferia e muitas empresas não querem pagar o auxílio-transporte necessário para que ele consiga acessar oportunidades;, acrescenta. ;Então, ele acaba ficando nas pequenas empresas do bairro onde mora.;

Além disso, os desafios não acabam depois da conquista da vaga. Um exemplo é a disputa por cargos na empresa, em que saem prejudicados desde o início, como explica a gerente-geral do Instituto Ser . ;Em uma concorrência interna entre negros e brancos, até quando o negro tem todas as competências necessárias, muitas vezes, os patrões dizem que ele não está apto para a vaga;, afirma.

Mudanças a caminho
Apesar dos índices desfavoráveis, especialistas afirmam que, pouco a pouco, espaços como universidades e mercado de trabalho têm mudado. ;Em 2014, surgiu a lei das cotas em universidades públicas para pretos, pardos e indígenas;, explica o professor do Departamento de Artes Visuais e ex-coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade de Brasília (UnB), Nelson Fernando Inocêncio da Silva.

;Essa política se agrega a outras que estavam em curso. Várias universidades já haviam adotado cotas raciais, por exemplo.; Para o professor, as ações afirmativas têm resultados mais profundos que a simples garantia do ingresso. ;Isso é importante porque você consegue qualificar pessoas que haviam sido desestimuladas e não tinham perspectiva de estar na universidade.;

Outra pesquisa do IBGE aponta que, pela primeira vez, negros são maioria nas instituições federais de ensino superior ; em 2018, mais de 1,14 milhão de estudantes se declararam pretos e pardos, o que equivale a 50,3% do total de alunos matriculados nas universidades públicas.

Ednalva Moura, do Instituto Ser , concorda que houve mudanças positivas nos últimos anos. ;Entre 1950 e 2000, o movimento negro firmou uma busca constante para o reconhecimento de alguns desafios socioeconômicos e estruturais, tentando melhorias para essa população;, afirma.

;A partir dos anos 2000, esse movimento nos garantiu o Programa Universidade Para Todos (ProUni), que foi uma conquista boa para a população negra, e a lei que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas;, exemplifica. De acordo com Ednalva, essas conquistas colocaram as empresas em alerta ;sobre a necessidade de somar esforços para a inclusão;.

; Estagiários sob supervisão da editora Ana Sá

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