Desde o início deste mês, luzes e enfeites se espalham pela capital federal colorindo alguns pontos da cidade. É o Natal que vem chegando ; época da esperança, bondade e compaixão. Para a celebração ficar completa, não pode faltar um personagem famoso: de barba branca, uniforme vermelho e barriga protuberante. Onde quer que esteja, o Papai Noel atrai crianças de todos os cantos. Nos shoppings, casas temporárias já foram montadas e devem ficar, aproximadamente, 45 dias oferecendo magia aos visitantes.
Essa também é a época em que alguns aposentados encontram uma segunda profissão. O bom velhinho passa a ser, além de tudo, fonte de complemento na renda. Fernando Xavier, 65 anos, por exemplo, saiu de Alexânia em busca de alguma remuneração e, há 19 anos, trabalha como Papai Noel no Brasília Shopping. Tudo o que tem em casa, hoje, deve-se ao que ganha na atividade ; ao tirar fotos e ouvir os pedidos de crianças e adultos. Ele prefere não revelar a remuneração por motivos de segurança, mas garante: ;ganho o equivalente a um carro;.
A remuneração média de um Papai Noel varia de acordo com o local de contratação e a carga horária. Para trabalhos em shoppings, com aproximadamente 48 dias de duração, a agência brasiliense Grupo Ciranda paga de R$ 6 mil a R$ 11 mil. Em São Paulo (capital), a faixa salarial está em um patamar mais elevado, segundo a empresa paulista Cia. do Bafafá, o valor pago é entre R$ 10 mil e R$ 15 mil.
Diversidade
Ainda na terra da garoa, o Vale Sul Shopping precisava completar o quadro de três Papais Noéis e encontrou um intérprete que preenchia todos os critérios: gordinho, tinha a uma barba branca e era simpático. Apesar de ter o carisma clássico, a foto desse personagem no trono viralizou nas redes sociais por um motivo: ele é negro. Rubens Campolino fez tanto sucesso que outros shoppings começaram a repensar as próprias políticas de contratação.
A reportagem do Correio Braziliense não encontrou um Papai Noel negro em centros comerciais de Brasília. O Grupo Ciranda tem um bom velhinho negro, mas como, segundo eles, não houve procura neste Natal, o intérprete não está trabalhando.
Carreira
Como nem tudo é magia, o trabalho tem exigências que justificam os altos salários. Para usar a tradicional roupa de veludo vermelha, os candidatos têm que ter muito mais do que uma barba bonita. ;É necessário gostar de criança, ter um CPF limpo, ser pontual e ter uma saúde boa, para ficar sentado por mais de seis horas;, enfatiza Vânia. ;A entonação do ;hô, hô, hô!” também é importante.;
Por isso, existem cursos que ensinam as etiquetas da profissão. Contudo, nem todos os velhinhos tiveram tempo de aprender a teoria e já começaram praticando. Olídio dos Santos Pereira Dilho, 62 anos, por exemplo, estava desempregado e, de repente, se viu em um desafio: substituir um Papai Noel que estava doente. Quando olhou a quantidade de pessoas que o aguardavam para abraçar, tirar foto e conversar, entrou em desespero, mas, no fim,deu tudo certo. ;E nessa brincadeira, vão fazer 29 anos;, constata.
Sem crise
A empresária Vânia Moraes, do Grupo Ciranda, não acredita que haja crise nesse ramo. ;É um personagem que simboliza esperança, uma vida e um ano melhor;, diz. Por isso, na agência, o Papai Noel é sempre muito requisitado por empresas, famílias e shoppings ; mesmo em anos de recessão econômica e consumo baixo.
Dono da Cia. do Bafáfá, Paulo Mendes concorda. ;Os shoppings encaram o personagem de Papai Noel como um impulsionador de negócios.; Com o objetivo de vender mais, muitos centros comerciais contrataram o bom velhinho já em outubro. No Brasília Shopping, por exemplo, a expectativa é otimista. ;Acreditamos que, neste ano, nos dois meses de Natal, teremos um aumento de 15% nas vendas;, diz a gerente de marketing, Renata Monnerat.
Confraternizações
Outros tipos de festas também atraem os homens da Lapônia profissionais. Grandes empresas, por exemplo, costumam buscar um Papai Noel para festas corporativas em que funcionários levam os filhos. A remuneração de uma hora por noite para os contratados do Grupo Ciranda varia entre R$150 e R$ 250 em Brasília.
Por fim, o poder de observação das crianças tem gerado aumento na demanda até mesmo em eventos de família. ;Não dá mais para o tio ou avô se vestirem de Papai Noel, pois a primeira coisa que a criançada faz é olhar em volta pra saber quem se caracterizou;, argumenta. Por isso, Mendes acredita que um intérprete profissional consegue transformar a atmosfera. ;Quando os pequenos percebem que a família está reunida e que aquele que está ali fazendo o Papai Noel não é ninguém conhecido, você cria um ambiente mágico;, complementa Paulo Mendes.
Homem de Lapônia dedicado
Com 19 Natais no currículo, Fernando Xavier, 65 anos, se autoproclama o Papai Noel mais querido de Brasília. ;Digo isso com certeza, e eu faço por onde!” Desde 2000, o goiano deixa a casa em Alexânia para se transformar no bom velhinho do Brasília Shopping. Durante o período, ele dorme em um quartinho a três quadras do trabalho.
A trajetória natalina de Xavier começou por necessidade financeira, já que a aposentadoria como fuzileiro naval não era suficiente. Pai de três filhos, ele buscou emprego em uma agência e, enquanto esperava na fila, ouviu um anúncio: ;Atenção, rapazes, estou atrás de um homem com olhos verdes ou azuis que saiba lidar com crianças;. Ele, que sempre adorou o público infantil, não hesitou em se pronunciar. Foi o pontapé da carreira.
;O que eu mais gosto é o carinho que a gente recebe. Nem vejo a hora passar;, enfatiza. Ele lembra do dia em que uma criança o abraçou e não queria mais soltar. ;A mãe teve que ligar para o pai tirá-la do meu pescoço. Eu ganho beijo, abraço, e isso é muito gratificante para mim e para minha família;, diz.
Como toda profissão, ser Papai Noel tem suas exigências. Para Xavier, é necessário ser pontual, cumprir o horário direito e ter determinação, além de cuidar da roupa e da própria higiene para não ficar malcheiroso. A rotina dele é exemplo disso. Todos os dias acorda às 6h, faz sua comida e caminha até o shopping. Se prepara no camarim, onde também descansa até começar o expediente, das 10h às 22h, com intervalos.
Embora tenha cativado o trono do bom velhinho no Brasília Shopping, ele fala que sempre tem alguém para tentar derrubá-lo ou levá-lo para outro estabelecimento. Certa vez, recusou uma proposta para trabalhar ganhando mais em outro lugar. Quando seus superiores souberam do ocorrido, deram um aumento de 10% de recompensa pela fidelidade.
Como não é contratado por agência, Xavier é responsável pela própria roupa. Por isso, parte do salário de janeiro é investido na preparação para o próximo Natal. Na lista de compras estão cheirinho de bebê, essência, tinta para a barba, bota nova, cinto com fivela de prata, uniformes, entre outros itens. Nem o calor foge dos planejamentos do bom velhinho goiano. Para suportar o verão brasiliense, ele comprou e instalou, por conta própria, um ar-condicionado em frente ao trono. ;Me preocupo com tudo.;
;As luvas encardem, mas ninguém me chama a atenção, porque faço questão de desencardir à mão;, exemplifica. São mais de 100 pares lavados à moda antiga, sem máquina. Além disso, o guarda-roupa natalino de Xavier é composto por 12 camisas, 15 calças, 25 roupões e 12 gorros. ;Procuro fazer sempre meu check-up e me comportar dentro da linha.;
O Papai Noel conta que, com o mundo moderno, as crianças não querem mais brinquedos. ;Agora, eles pedem celulares e videogames.; Já os adultos não mudaram: continuam desejando casamento, namoro, casa, entre outros. Ano passado, uma senhora pediu um apartamento e um marido. ;E conseguiu;, lembra em tom descontraído. Desta vez, a mesma mulher voltou para pedir que a irmã fosse curada de um câncer. ;Quando cheguei em casa, orei muito para Deus ajudá-la.;
O morador de Alexânia acredita que ganha algum tipo de poder enquanto representa o Papai Noel. ;As pessoas dizem que eu realizo pedidos delas;, conta. ;Há mais de 15 anos, vou a uma residência como Papai Noel e, ontem, descobri que eles acreditam que quem fez o casamento dos donos da casa fui eu, pois a mulher me pediu um marido, e hoje ela tem.;
Às vezes, o velhinho tira do próprio bolso para presentear pessoas ao seu redor. ;Meu camarim tinha perfumes e um monte de coisas, aí dei para quem queria.; Ele doou uma das botas do uniforme para um amigo que precisava de um sapato para pescar. Também presenteou, com alguns gorros, jovens que falaram que queriam trabalhar como Papai Noel e não tinham dinheiro para começar com alguns de seus gorros. Com tantos anos no mesmo lugar, ;Seu Fernando;, como ficou conhecido por todos no Brasília Shopping, acumula boas histórias.
;Tem um senhor que vem aqui todo ano e me mostra uma sequência de fotos de diferentes natais, desde que comecei;, orgulha-se. ;Uma vez, parou aqui uma ambulância com um doente. Ele queria realizar um último pedido: abraçar o Papai Noel. O rapaz desceu da maca e veio até mim. Só em ver aquela cena, comecei a chorar;, lembra sorrindo. Em outra oportunidade, ;Seu Fernando; estava indo para uma consulta médica e presenciou um acidente. ;Prestei os primeiros socorros à vítima, liguei para os familiares e a deixei no posto policial mais próximo. Contei para ela que era Papai Noel no Brasília Shopping e, anos depois, ela apareceu com dois filhos e falou: ;Esse aí que salvou a vida da mamãe;.;
Nos horários livres, ele faz um ;extra; entregando presentes em casas do Distrito Federal. São R$ 700 por meia hora e ;não adianta pechinchar;, porque o velhinho não abaixa o preço. ;Se eu fizer mais barato, vira moda, e eu tenho que aproveitar que estou no auge da carreira. Cantor e artista não é assim? Eu quero ser um Papai Noel chique, mas também quero lucrar com isso;, argumenta.
O mais duro do período natalino é enfrentar a distância da amada. ;É difícil lidar com a saudade;, desabafa entre lágrimas, mas ;o salário vale a pena;. Xavier explica que arrumou toda a casa em que moram com o que ganhou durante as temporadas. (M.C)
*Estagiária sob a supervisão de Ana Sá