Olídio dos Santos Pereira Filho, 62 anos, também se tornou Papai Noel por necessidade, mas não financeira. O contratado para ser o Papai Noel em uma festa adoeceu e precisou declinar do convite em cima da hora. Quem organizava o evento era um colega de trabalho da mãe de Olídio. Sabendo que o filho estava desempregado e tinha quatro crianças para sustentar, ela ligou e perguntou se ele queria o papel. ;Até levei um susto. Eu não tinha barba natural e nunca tinha trabalhado com isso, mas falei ;vamos;. E, nessa brincadeira, já vão fazer 29 anos;, lembra.
;Eu estou com o emprego que todo mundo queria. Trabalho um mês e folgo 11;, brinca. A primeira vez foi 1992 e, até hoje, Olídio desempenha essa função no Natal. Está no Shopping Iguatemi desde 2013. Durante o resto do ano, Olídio trabalha como autônomo. Dono de uma firma de câmeras de segurança e cercas elétricas, ele sempre fecha a loja no período natalino para fazer a alegria da criançada. ;E eu amo trabalhar no Natal porque eu gosto de criança.;
O que o motiva é ver a alegria no rosto dos pequenos. ;A ingenuidade deles, o carinho que eles têm pelo Papai Noel e essa demonstração de amor que vem do coração são grandes recompensas;, vibra. Embora se divirta com as crianças, às vezes, ele vive situações inusitadas e tem que pensar bem no que falar. ;Certo dia, uma criança fez o seu pedido e, quando estava indo embora, falou que a mãe queria de presente silicone para colocar nos seios. A mãe ficou mais vermelha que a roupa do Papai Noel. Eu ainda brinquei: ;Viu? foi falar perto de criança;;;
Outra vez, uma criança falou: ;Papai Noel, cura a minha avó, ela está com câncer;. Olídio saiu da situação orientando o pequeno. ;O que Papai Noel pode fazer é orar e pedir a Deus para que ele venha curar sua avó, mas você tem que fazer a mesma coisa, é só colocar o joelhinho no chão na hora de dormir e pedir a cura da vovó;, aconselhou.
Pedidos igualmente difíceis foram feitos em outros momentos. ;Um dia chegou uma criancinha de mais ou menos oito anos de idade e eu perguntei para ela: o que você quer ganhar de Papai Noel? Ela falou: Quero que você seja meu pai.; A tia da menina explicou que ela havia sido abandonada pelo pai e que estava numa etapa em que o colégio cobrava a presença do pai. ;Eu expliquei para a tia que não é assim que se faz, porque é constrangedor para a criança;, conta Olídio.
E foram essas saias justas que ensinaram o velhinho a dar respostas. ;No meu primeiro dia de trabalho como Papai Noel, tinha uma fila enorme, aí o rapaz olhou pra mim e falou: ;Tá vendo aquela fila? Senta lá e trabalha?! No momento, o nervosismo tomou conta de mim. Eu pensei: ;Pelo amor de Deus, o que eu vou falar?? No final, deu tudo certo. Fui conversando e pegando o traquejo.;
Olídio acredita que os Papais Noéis também são psicólogos e conselheiros. ;As mães sempre pedem ajuda com os filhos. Falam que eles andam mal na escola e estão desobedientes, aí eu tenho que conversar com a criança;, explica. É quando intervém. ;Se você quer ganhar presente, tem que se comportar. Eu tenho uma televisão grandona que vê tudo e, por isso, estou sabendo que você anda desobedecendo seus pais.; Segundo ele, é aí que as crianças se espantam, pois não esperavam que ele soubesse. Uma vez, o resultado da conversa foi tão positivo que a mãe voltou 15 dias depois para agradecer.
;Papai Noel também serve como ombro amigo;, brinca. Isso porque algumas mulheres chegam ao shopping falando que não acreditam na figura natalina, mas precisam desabafar. Então, sentam contam a própria história em busca de consolo. ;Às vezes, estão no meio de uma separação difícil, então precisam abraçar alguém.;
Olídio também é cuidadoso com a aparência do personagem e, para que tudo esteja perfeito em dezembro, ele passa ;o ano inteiro; hidratando o cabelo e a barba. ;Tem que cuidar porque é a nossa presença;, afirma. O Papai Noel do Iguatemi também tem roupas próprias, sete uniformes de cetim, que ele utiliza durante a semana, e quatro de veludo, para o fim de semana. Ele trabalha das 12h às 21h e tem direito a dois intervalos, quando aproveita para tomar banho e colocar roupas limpas.
O bom velhinho acredita que o espírito natalino deveria permanecer o ano todo. ;Chega nesta época, todo mundo se cumprimenta, faz agrados, mas deveria ser o ano inteiro assim;, destaca.
O primeiro negro
Rubens Campolino, 71 anos, é considerado por muitos o primeiro Papai Noel negro do Brasil. Pai de quatro filhos, o metalúrgico aposentado recebeu o convite para vestir o uniforme vermelho de um centro comercial de São Paulo em 2017. A princípio, o medo o fez recusar. ;Eu não sabia qual seria a reação do povo;, confessa.
O Vale Sul Shopping (São José dos Campos, SP) estava à procura do terceiro Papai Noel para completar o quadro de funcionários. Foi quando os responsáveis pela seleção souberam de um concurso de miss terceira idade, realizado em uma casa que oferece atividades para idosos. Eles viram as fotos da edição do ano anterior e se encantaram por Rubens.
O sorriso e a simpatia do aposentado chamaram a atenção da equipe, que ligou para a casa dele a fim de saber mais sobre a figura. Com as boas referências que receberam, os agentes não tiveram dúvidas. Independentemente da cor, ele tinha que ser o Papai Noel do Shopping. Após recusar a proposta, o paulistano conversou com a esposa, que o incentivou. ;Aí eu pensei, bora tentar.;
No primeiro dia como Papai Noel, Rubens lembra que ficou apavorado, mas, aos poucos, foi se ;descontraindo; e pegando o jeito. ;Não precisa de curso, eu não fiz. As coisas fluíram, e fui aprendendo;, explica. Em três anos trabalhando no Shopping, ele tem conquistado visitantes e é conhecido como ;Seu Rubens;.
Campolino disse que gosta muito da profissão por causa do público que atende. ;Gosto de tudo, das crianças e dos pais.; Apesar disso, ele comenta que fica desconcertado quando alguns dos pequenos pedem de presente para Papai Noel um emprego para os pais. ;Vamos rezar juntos;, responde. Outra situação delicada que enfrentou foi quando uma velhinha lhe pediu um abraço e disse que aquele seria o seu último Natal.
Para o velhinho, a profissão não tem nenhum aspecto negativo. Mesmo quando enfrenta calor com a roupa tradicional de veludo e pesada, ou pelo fato de ficar sentado por muitas horas seguidas. ;É tudo resolvível;, comenta.
Como o Vale Sul Shopping tem três intérpretes que se revezam, Seu Rubens trabalha dois dias na semana, das 14h às 22h, com uma hora de descanso. O sucesso de Rubens foi tão grande que pessoas iam ao Shopping só para vê-lo. Há relatos de crianças que observam: ;Ele é da cor do meu pai;. Por isso, contrataram, neste ano, outro Papai Noel negro.
Bom velhinho blogueiro
O mais jovem entre os entrevistados, Pedro Marcos Vilas Boas, 55, trabalha como Papai Noel há sete anos. E, desde 2018, iniciou uma carreira como blogueiro. Dono de um Instagram com mais de 5 mil seguidores, ele mostra a ;rotina; de um Papai Noel, como momentos de lazer ao lado da ;Mamãe Noel;, ou a ;hibernação; até a chegada do fim de ano. É assim que ele consegue engajar pessoas durante o ano inteiro. O primeiro e único local físico em que o aposentado atua como Papai Noel é o Taguatinga Shopping, onde está desde 2012.
Morador da Ponte Alta, no Gama, Vilas Boas vive com a esposa e um dos dois filhos. Aos 48 anos, se aposentou da carreira militar e resolveu deixar a barba crescer. Sem trabalho, ele passava o ano todo procurando algo para ocupar o tempo, até que uma vizinha o indicou para uma agência de Papai Noel. ;Quando eles olharam para mim, já falaram que eu seria o Papai Noel;, diz. Ter uma barba verdadeira facilitou bastante o processo, mas, ao contrário de seu Fernando e Olídio, Pedro não é tão dedicado aos fios. ;Não sei cuidar, mas como ela cresce muito e é volumosa, o pessoal gosta.;
Mesmo que a carreira não tenha começado por causa do dinheiro, o trabalho é um grande complemento de renda para o Velhinho. Neste ano, ele vai trabalhar 47 dias, em dupla jornada, das 10h às 22h. São R$ 22 mil pela temporada. ;Hoje, eu conto mais com o dinheiro do que na primeira vez.; O salário deste ano será gasto para pagar a hipoteca da casa, que corre o risco de ser leiloada. No ano passado, a renda foi usada para viajar com a esposa.
Vilas Boas acredita que todo Papai Noel tem que gostar de criança, ser compreensivo, alegre, sorrir sempre e se cuidar. ;A barba natural é muito importante, porque as crianças chegam e vêm direto, puxam e ficam tocando. Os adultos perguntam se é de verdade, e pegam pra ver;, explica. Para ele, a melhor e a pior parte da profissão são as emoções.
;Já aconteceu de alguém pedir pela saúde de um familiar. Isso me emociona, se eu não me segurar, começo a chorar junto;, diz. Nesses casos, a resposta de Pedro para as crianças é: ;Quando você chegar em casa, faça oração para Papai do Céu, porque ele escuta as crianças e eu vou conversar com ele porque eu sou amigo dele.; O ex-militar explica que é muito importante dialogar e não prometer nada. ;Imagina se você fala que vai ajudar alguém e, no outro dia, a pessoa morre?;
Por outro lado, ele adora quando consegue o abraço de uma criança que estava com medo. ;Alguns pais querem forçar a criança a tirar foto, aí ela começa a chorar, então tem que ser flexível. Você vai conversando, oferece uma balinha, um biscoitinho e aí vai negociando e conquistando a criança. Quando ela vem no colo, é uma gratificação, até o pai fica bobo;, observa. Adolescentes também emocionam Papai Noel. ;Eles falam pra mim: Papai Noel, não quero nada pra mim, quero a sua saúde, a sua felicidade, que o senhor seja muito feliz.;
Quando algum adulto diz que não acredita no Papai Noel, Pedro nem precisa pensar muito no que falar, tem o argumento pronto. ;Eu digo que, se eles trazem o filho para sentar no colo de um desconhecido, eles têm que acreditar;, brinca. Com esse discurso, o Bom Velhinho fez muitos pais chorarem. ;Eles acreditam mais do que as crianças;, completa.
Mas, quando as crianças pediram brinquedos que ele não conhecia, Vilas Boas se sentiu desatualizado. Longboard (um tipo de skate) e LOL (boneca em miniatura que vem dentro de um ovo) são alguns exemplos. Foi por isso que ele aproveitou o intervalo, em um dos dias no shopping, para entrar em uma loja e aprender um pouco mais sobre os pedidos que recebe. ;As crianças falam e você tem que saber pelo menos um pouquinho;, afirma.
Assim como os outros Papais Noéis, ele também tem que orientar alguns visitantes. ;Quando o menino senta e faz o pedido, o pai fala: ;Mas, Papai Noel, é só para quem merece, né?;, e aí eu percebo que devo falar para a criança que ela tem que obedecer e ser educada;, conta. Entretanto, existem aqueles que tentam se justificar para ganhar presente. ;Eles dizem que só desobedecem um pouquinho. (M.C)