Moradora de Planaltina, a professora Renata Melo, 45 anos, sempre se viu rodeada por talentos que não conseguiam desenvolver o próprio potencial por falta de dinheiro ou informação. Inconformada com essa realidade e disposta a inverter a lógica de deslocamento da mão de obra diariamente para o Plano Piloto, ela começou a organizar oficinas em Planaltina, ao lado da mãe, Maria Teresinha Vaz. A ideia das duas, que receberam apoio de outros moradores, era ensinar técnicas que pudessem ser usadas como fonte de renda.
Começaram oferecendo cursos de costura e bordado e, com a prática, perceberam que não bastava orientar os processos criativos se as pessoas não tivessem dinheiro para começar um negócio. Foi assim que nasceu o Instituto Entre Nós, Organização da Sociedade Civil (OSC) sem fins lucrativos que auxilia desempregados na mais antiga cidade do Distrito Federal. O projeto começou há dois anos e foi oficializado há um. No início, Renata, que é servidora pública, usou o próprio dinheiro para comprar as máquinas necessárias à confecção de produtos personalizados.
O irmão dela, Bruno Melo, 41, também participou dos primeiros movimentos, doando um computador. A pintura da sede, os móveis nos quais os produtos são expostos e outros itens são fruto de trabalho voluntário da comunidade. ;Tudo na raça;, define a família, orgulhosa. ;Aqui todo mundo é responsável por tudo;, enfatiza Bruno. Com muitos produtos, as pessoas se ajudam para que nada dê errado. Com apenas um ano de funcionamento, a OSC tem cerca de 20 voluntários e impacta diretamente a vida de mais de 30 pessoas.
Atualmente, são produzidas, de maneira colaborativa, camisetas, sabonetes, velas, sandálias, copos, toalhas e outros itens. O instituto oferece cursos de capacitação, material e apoio na distribuição. Depois, os produtos são vendidos em parceria com as lojas Colabora, no Venâncio 2000, e Nós Mercado Criativo, no Iguatemi. Do valor arrecadado, uma parte custeia a matéria-prima, enquanto 50% do lucro é usado para manter a OSC. A outra metade remunera o trabalho do artesão, que pode continuar com o instituto ou usar os conhecimentos em outros locais. Quando algo é feito em equipe, cada um ganha proporcionalmente às horas despendidas na peça.
Mãos estendidas
Uma das beneficiadas pela instituição é Claudia Soares, 51. Ela tinha o nome sujo e se viu desamparada financeiramente quando o marido, Edvaldo, e o filho Vitor, 25, ficaram desempregados. Ambos são ajudantes de pedreiro e eram os únicos responsáveis pela renda da família. Diante dessa situação, não restaram dúvidas: a dona de casa começou a frequentar as oficinas para aprender a fazer vagonite (técnica de bordado), chinelo decorado, florzinha de fuxico, apliquê (aplicação de gravura em tecido), entre outros métodos de trabalho.
Eram os primeiros cursos oferecidos pelo Instituto Entre Nós. Depois de participar, Claudia não tinha dinheiro para começar a produzir, embora estivesse qualificada. Foi aí que a necessidade de apoio financeiro apareceu, e a organização se mobilizou para dar material e apoio para a artesã iniciar a produção. Com tudo pronto, ela começou a vender de porta em porta. ;Consegui sustentar a casa e limpar meu nome.; Depois dessa história, Renata notou casos parecidos.
;As mães que têm três ou quatro filhos e não podem trabalhar ficam sufocadas. As mulheres grávidas são as mais frágeis, voltam da licença e são demitidas assim que a lei permite. Ficam sem dinheiro, com filho pequeno e sem ter como trabalhar;, percebe. ;E também têm os homens que trabalharam muito pesado ao longo da vida e não podem mais;, nota.
Empreender o hobby
Inspiração e também uma das responsáveis pelo Instituto Nós, Maria Terezinha Vaz, mãe de Renata, também se consolidou como profissional do artesanato desde a abertura da OSC. Ela assina suas artes como Tete Vaz e prefere não revelar a idade, mas mora em Planaltina desde os 3 anos. Desde então, casou e teve dois filhos lá. Aprendeu a bordar com a mãe e levou a técnica para o resto da vida. ;Antigamente, mulher tinha que bordar;, afirma. Ela trabalha como técnica de enfermagem na Secretaria de Saúde do Distrito Federal.
No início, bordava por hobby. Fez enxoval de casamento dos filhos, o de nascimento dos netos, mas não vendia nada. Com o instituto, conseguiu tirar a carteirinha de artesã para dar cursos e começou a vender o material. Ela preza pela qualidade e deseja vender seus produtos para pessoas de alto poder aquisitivo. ;Os ricos são mais exigentes e não queremos vender por coitadismo;, afirma. Por isso, uma das frases que a guia é um ensinamento deixado pelo pai: ;Seja doutor naquilo que faz;.
A missão da costureira é ajudar os outros
;Criei meus filhos costurando;, afirma Maria Izabel da Silva, 72. Ela levantava às 4h e dormia depois da meia-noite para conseguir sustentar a casa e os seis filhos, ao lado do marido, o feirante João Alves Neto. Filha de Maria Izabel, Marta Alves, 50, fica emocionada ao se lembrar do tempo em que era pequena e presenciava a luta diária da mãe. ;Ela quase não dormia e, quando estava dormindo, levantava de madrugada e cuidava da minha avó, que tinha Alzheimer. Minha irmã tinha problema de nervo e minha mãe cuidava dela também;, relembra.
Mesmo tão ocupada, a costureira ainda fazia vestidos de noiva para mulheres que não tinham condições de comprar. Marta se inspira na mãe: ;É um exemplo para a gente;. Mesmo tendo lutado muito, Maria Izabel gosta de ajudar: percebeu que ensinar o que sabia poderia apoiar outras mulheres na mesma situação. A partir dessa percepção, ela começou a dar aulas no Instituto Entre Nós. E se orgulha de ter impactado a vida de pessoas como Cláudia. O instituto também a beneficiou.
Embora trabalhasse com costura desde os 13 anos, foi aos 72 que conseguiu o registro de artesã, graças às orientações que recebeu na OSC. Além disso, Maria Izabel também tem produtos expostos nas lojas parceiras. Depois do processo para conseguir a carteirinha de artesã de Maria Izabel, Renata firmou uma parceria com a Secretaria de Estado de Turismo do Distrito Federal (Setur). Agora, o Entre Nós também é responsável por reunir um grupo de, no mínimo, 15 pessoas no fim de cada curso e fazer a certificação em Planaltina mesmo ; sem que as pessoas precisem se deslocar até o Plano Piloto.
Após algumas aulas de empreendedorismo, Maria Izabel conseguiu enxergar oportunidade até nas aulas de hidroginástica: como evangélica, ela não se sente à vontade com os modelos de biquíni ou maiô oferecidos nas lojas convencionais. Por isso, resolveu criar o próprio traje de banho. O maiô vai até o joelho e não tem decote. Quando chegou à aula, as amigas ficaram interessadas e fizeram encomendas. O próximo passo é pedir ajuda do instituto para precificação e produção de uma etiqueta.
Probiótico natural
Marta Alves também é autônoma. Em vez de linhas e tecidos como a mãe, ela escolheu uma mistura, chamada de Kombucha, que traz inúmeros benefícios para a saúde. A bebida vem da fermentação de chá a partir de bactérias, chamadas de Scoby. Para o sabor não ficar tão forte, Marta saboriza a preparação com suco de uva. O probiótico natural leva aproximadamente 15 dias para ficar pronto e serve como antioxidante e energético.
Os benefícios, explica Marta, são muitos: o líquido é bom para os ossos, inflamação, lesão, prevenção de inflamação e ainda é fonte de vitaminas. Aos poucos, os vizinhos e amigos começaram a ver como ele faz bem para a saúde e quiseram comprar. Por isso, o probiótico já pode ser encontrado na loja 1001 Grãos, em Planaltina. Comercializado como produto artesanal, a Kombucha de Marta não tem rótulo ainda. ;Quero colocar tudo certinho,; E o instituto vai ajudar nesse processo.
Da banana para o papel
É do papel que Cleonice Bezerra tira seu sustento. Aos 65 anos, ela fala sobre a necessidade de perceber o que o meio ambiente clama. ;Saco de cimento, papel de sacolas, jornais, entre outros, são materiais que estão em excesso por aí;, afirma. Ela mora na comunidade rural Renascer, onde os agricultores pegam a fruta da bananeira e jogam o caule fora. Com a reciclagem do papel, todos esses problemas ambientais são resolvidos de um jeito criativo.
Cleonice utiliza a fibra da bananeira para produzir um papel diferente. Embora o produto se torne mais caro e, por enquanto, não exista muita demanda, o material é ótimo para fazer convites de casamento, bordados e embalagem para alimentos. Uma empresa de manteiga já utiliza essa alternativa em sua embalagem. ;É o papel que o mercado precisa conhecer;, defende. No instituto, bordadeiras podem personalizar o papel de acordo com o gosto do cliente.
O trabalho em equipe é remunerado de acordo com a carga horária que cada artesão gastou fazendo sua parte. Quem trabalha mais ganha mais. Cleonice explica que o instituto visita as mulheres na roça para entender as necessidades delas e, assim, ajudar na venda e na precificação dos produtos.
*Estagiária sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa