O servidor público Ricardo Rubenich, 24 anos, ficou cego aos 8 anos, depois de um câncer. Quando concluiu o ensino médio, ele decidiu prestar concurso público para se inserir no mercado de trabalho. ;Eu sabia que esse seria o melhor caminho, porque, na esfera particular, normalmente as empresas não querem contratar pessoas com deficiência;, relata. Na época, ele morava em Santa Maria (RS) e começou a trabalhar como servidor em um banco. No entanto, Ricardo conta que, mesmo depois de conseguir a vaga, enfrentou dificuldades.
;Quando chegou o momento de me nomearem, eu tive de esperar oito meses para o banco comprar um leitor de telas que pudesse ser usado nos programas internos;, lembra o servidor, que é formado em direito pelo Centro Universitário UniCEUB. ;Eu também percebia que havia resistência em me passar trabalho, não confiavam muito que eu pudesse desempenhar funções lá dentro;, conta. Em 2014, ele passou em outro concurso e se mudou para Brasília. No novo emprego, no Tribunal Superior do Trabalho (TST), encontrou um ambiente mais acessível. ;Aqui eu consigo utilizar os programas tranquilamente. O acolhimento também foi muito bom, meus colegas sempre me ajudam quando preciso;, elogia. ;Agora eu tenho um cão-guia, que também é superbem acolhido.;
As dificuldades enfrentadas por Ricardo ao longo da trajetória profissional estão entre as que pessoas com deficiência encaram no Brasil. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem aproximadamente 12 milhões de pessoas com deficiência no país, mas somente 3,5% trabalham no mercado formal. Além disso, segundo pesquisa da Catho, em parceria com a i.Social (consultoria especializada na inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho), a Associação Brasileira de Recursos Humanos Brasil e de São Paulo (ABRH Brasil e ABRH São Paulo), esses profissionais, muitas vezes, desistem ou trocam de emprego devido à falta de um plano de carreira.
Preconceito inda é uma carreira
Os obstáculos que dificultam a inserção de pessoas com deficiência no mundo do trabalho começam bem antes da contratação. Na avaliação de Anna Cherubina, consultora de empresas e professora de gestão de pessoas dos MBAs da Fundação Getulio Vargas (FGV), a discriminação ainda é uma barreira. ;Qualquer tipo de inclusão na nossa sociedade tem resquícios muito vivos de preconceito que precisam ser trabalhados;, diz. ;Muitas vezes, pessoas com deficiência têm sua capacidade menosprezada;, completa.
Para se ter uma ideia, uma pesquisa da consultoria Santo Caos com a Catho mostra que 40% dos profissionais de recursos humanos dizem ouvir com frequência de chefes de outras áreas que eles não estão abertos à contratação de pessoas com deficiência. Líder de Projetos de Inclusão na consultoria Social IN, Mara Lígia Kiefer explica que o senso comum em relação às pessoas com deficiência ainda é muito forte e dificulta a inclusão. ;É comum acreditar que elas não se escolarizaram, que não são qualificadas nem produtivas;, diz. ;Nós precisamos consolidar, por meio da informação, a percepção de que os profissionais com deficiência têm qualificação e, na maioria das vezes, desenvolveram autonomia em apoio à própria deficiência ou limitação funcional.;
Faltam erspectivas e crescimento
Depois de conquistarem oportunidades de emprego, os profissionais com deficiência costumam enfrentar outras barreiras no local de trabalho. Uma delas diz respeito à falta de perspectiva de crescimento profissional, como explica Mara Lígia Kiefer. ;Se uma pessoa é contratada para cumprir cota por causa da deficiência, em geral, ela acha que vai ficar naquele posto de trabalho para o resto da vida;, afirma. ;Isso acaba gerando a condição de não retenção desses trabalhadores. Muitas vezes, eles deixam uma empresa porque acreditam que podem buscar melhores oportunidades de desenvolvimento profissional em outra organização, mesmo que a diferença salarial seja pequena.;
De acordo com o levantamento da Catho em parceria com a i.Social, a ABRH Brasil e a ABRH-SP, os três fatores apontados por profissionais com deficiência como os principais na hora de pensar em desistir de um trabalho são a ;falta de perspectiva de carreira;, seguida por ;sentir-se apenas parte da cota; e ;receber propostas de trabalho com melhores funções;. Vale ressaltar que, normalmente, as vagas ofertadas são em cargos mais baixos, o que também gera desmotivação.
;Justamente por causa do senso comum de que a pessoa com deficiência não tem escolaridade nem qualificação profissional, abre-se a mesma vaga ofertada para uma pessoa que está começando agora a vida profissional;, explica Kiefer. A pesquisa da Santo Caos em parceria com a Catho revela que menos de 10% dos profissionais com deficiência ocupam cargos de liderança. Dentre as funções que esses trabalhadores costumam ocupar, destacam-se: assistente (56,8%), analista (16,7%), técnico (11,9%), coordenador (5%), gerente (4%), aprendiz (3%), estagiário (2%), diretor (0,4%) e vice-presidente e/ou presidente (0,2%).