Trabalho e Formacao

Um bom gestor, um bom funcionário

Correio Braziliense
postado em 01/03/2020 04:16

Graduado em relações internacionais pela Universidade de Brasília (UnB), Fernando Cosenza, da Sodexo, analisa que a motivação é pessoal, individual e subjetiva. “Cada um tem um motivo diferente. Podemos fazer o mesmo trabalho e não termos objetivos iguais. A motivação é feita por si. Uma pessoa não motiva outra, apenas contribui no contexto”, justifica. Um estilo de liderança mais democrático, que oferece autonomia ao empregado, pode contribuir para isso. Desse modo, a autoridade do chefe se constrói pela inspiração, pelo exemplo e pelo carisma, e não simplesmente pela hierarquia.
 
Segundo o estudo da PwC, uma empresa verdadeiramente orientada por propósitos deve usá-los como um guia para tudo, inclusive a tomada de decisões. Formada em administração de empresas pela Pontifícia Universidade Católica (PUC), a porta-voz Erika Braga identifica que é contraditório gestores reconhecerem o valor de conhecer o objetivo final de um trabalho, mas não se basear nele ao escolher que atitudes tomar. “Não adianta falar que o propósito é importante e não usá-lo na tomada de decisões. A conciliação entre ele e o sucesso é possível e deve ser feita”, afirma.
 
Uma chefe que mostra a finalidade do trabalho 
Caso a pesquisa da PwC fosse realizada no Brasil, Antônia Torres, 45 anos, estaria entre os 34% dos líderes que usam o propósito como um guia na tomada de decisões de liderança. Ela é administradora do Centro Hiperbárico de Brasília (CHB), sendo responsável por 10 trabalhadores. “Eu não tenho como tomar decisões sem que nosso propósito seja levado em consideração, pois cada uma delas impacta o que nós desenhamos como modelo de negócios. Nosso planejamento tem que ser alinhado ao que a gente pensa”, afirma.
 
O CHB é uma clínica que se baseia na oxigenoterapia hiperbárica (OHB), modalidade terapêutica que submete o paciente à inalação de oxigênio puro em pressão maior que a atmosférica, dentro de uma câmara hermeticamente fechada. O método ajuda a tratar feridas e lesões crônicas ou difíceis de cicatrizar. Segundo Antônia, graduada em recursos humanos pelo Unicesp, o CHB tem como propósito o atendimento humanizado.
 
Essa missão é ressaltada em todos os aspectos da instituição, sendo inclusive repassada aos parceiros. “Se eu quero que o colaborador faça um atendimento humanizado, então a minha gestão tem que ser assim”, enfatiza. Antônia diz estar sempre preocupada com o bem-estar dos funcionários dentro e fora do expediente. Ela acredita firmemente que o meio influencia a vida das pessoas. Se o ambiente de trabalho é um local em que o profissional se sente acolhido, estimulado e respeitado, ele provavelmente reproduzirá esse sentimento no trato com os clientes, por exemplo. “Eu quero que tornemos melhor a vida de quem trabalha aqui”, defende.

Incentiva autonomia
Segundo Erika Braga, da PwC, o pensamento de desejar o melhor para a equipe está no caminho certo. De acordo com ela, o primeiro passo para ser um gestor motivador é incentivar a autonomia dos profissionais. “Um líder centralizador reduz o engajamento das pessoas”, pontua. Antônia Torres tem a mesma opinião. Ela acredita que a descentralização é sinônimo de qualidade de vida tanto para ela quanto para o colaborador. No entanto, isso não significa lidar com o grupo como uma unidade.
 
A ideia do coletivo é deixada de lado para que cada colaborador seja tratado no seu individual, de forma única. Talita Pires, 21, trabalha há um ano e meio como auxiliar administrativa no Centro Hiperbárico Brasília e afirma sentir-se incentivada pela chefe Antônia a crescer, não só na vida profissional, mas também na pessoal. “Sinto que sou entendida como uma pessoa e não como um robô que produz o tempo todo, ela reconhece que temos pontos fracos”, destaca.
 
“Se alguém não estiver em um dia bom, dormido mal ou com alguma dor, ela vem e aconselha, coloca você para dormir em algum quarto no meio do expediente”, conta Talita, ao exemplificar outras atitudes da chefe que a motivam no trabalho. “Ela é muito conselheira. É o tipo de pessoa que nos ensina, nos explica o que tem que ser feito, o porquê daquilo, qual caminho deve ser seguido”, diz. A auxiliar, que cursa empresariado executivo bilíngue na Projeção, afirma que se sente motivada pela gestora e, a partir disso, entende que seu trabalho tem um propósito. 
 
Na prática
Confira cinco dicas de Erika Braga para líderes incentivarem seus funcionários e fazerem com que vejam sentido no que fazem:
— Valorize a autonomia dos profissionais: um líder centralizador reduz o engajamento da equipe.
— Saiba ouvir: é importante entender as necessidades dos funcionários e dos clientes. Algumas vezes, são as pessoas com menos experiência que trazem novas ideias. Aprender com os outros é fundamental.
— Desenvolva relacionamentos saudáveis: isso gera motivação e novos aprendizados.
— Capacidade de adaptação: o mundo está mudando de forma muito acelerada. Por mais que mudar seja incômodo, é necessário está sempre se moldando.
— Crie mecanismos para renovar energia: é importante gerar bem-estar nos colaboradores. Na PwC, por exemplo, há um banco de hábitos saudáveis que fornece dicas cotidianas para aliviar o estresse.
- Olhe para pequenas coisas do dia adia: um bom líder precisa estar atento aos detalhes. 
 
Google, Microsoft e outras empresas adotam metodologia de propósito 
Algumas metodologias são criadas essencialmente para melhorar a gestão de empresas. O OKR, ou Objectives and Key Results (em português, objetivos e resultados-chave), foi criado por Andrew Grove, ex-CEO da Intel. O método tem se mostrado muito eficiente ao incentivar o propósito. O líder de estratégia digital da consultoria Assertiva, Marcelo Araújo, é adepto da metodologia que tem como princípio básico identificar os objetivos da empresa e os resultados que se quer obter.
Ele ajuda instituições daqui a colocarem isso em prática. Os diferenciais, ou os “superpoderes” do OKR, como diz o estrategista formado em administração e especializado em economia criativa, são manter o alinhamento e gerar a autonomia. O alinhamento significa que os objetivos da empresa são entendidos e definidos por todos os membros dela. A autonomia é conquistada uma vez que cada setor é responsável por decidir como contribuir para trazer resultados.
 
“Na prática, devemos escolher juntos qual a melhor direção e cada um decidir qual a melhor forma de chegar lá [nos resultados]”, afirma. A metodologia é aplicada pela Google desde 1999, além de ser também adotada por organizações como Microsoft, LinkedIn e Twitter. 
 
“Perdi a motivação”
Ambiente de trabalho saudável é sinônimo de vida saudável — e vice-versa. Quando o espaço onde você está inserido não lhe faz bem, os prejuízos podem ser graves. E um ambiente pode se tornar tóxico quando a chefia só liga para números, sem mostrar propósito aos subordinados. É isso que sente *Paulo Eduardo, 23 anos. Ele trabalha como auxiliar financeiro há quatro anos em uma concessionária e alega ter ficado doente por causa da gestão. E não é o único.
Segundo o estudante de análise e desenvolvimento de sistemas no Centro Universitário Iesb, os colegas também se mostram desanimados e, consequentemente, improdutivos. “Eu tive que fazer acompanhamento psicológico. A mesma situação vem acontecendo com outras pessoas da equipe. Alguns se demitiram, outros tiveram que se afastar”, desabafa. Quando foi contratado, o trabalho era satisfatório. “Eu me sentia motivado. Já havia sido aprendiz lá, e a iniciativa da empresa era outra”, conta.
 
O quadro se alterou em 2018, quando a presidência da firma mudou. O problema principal foi o corte de pessoas. Com menos funcionários, as cobranças e as atribuições aumentaram para os que ficaram, sem que houvesse aumento na remuneração. E a situação piorou. Diminuíram drasticamente o valor da comissão de vendas e nenhuma justificativa foi dada aos empregados. Na antiga gestão, sempre que o empregado batia alguma meta ou recebia feedback positivo, a empresa o presenteava, algumas vezes com uma bonificação.
 
Segundo ele, isso também acabou e não foi por causa de crise. As vendas seguem no mesmo padrão. “Eram coisas simples, mas que tinham muito impacto”, lamenta. Carlos Eduardo só não deixou o emprego ainda por falta de perspectiva de conseguir vaga em outro lugar. “Vejo muitos amigos sem emprego, o mercado está competitivo”, afirma. Outra razão é a faculdade. “Sigo indignado, mas, faço o que tenho que fazer e estou estudando para encontrar algo melhor”, relata.
 
Na estante
Liderança & Propósito: o novo líder e o real significado do sucesso
Autor: Fred Kofman
Editora: Harper Collins
351 páginas
R$ 31,40
Em um livro revolucionário que revela os segredos de como envolver e manter as pessoas em uma organização, construindo times mais fortes e coesos, Fred Kofman explora o que é preciso para se tornar não apenas um bom líder, mas um líder transcendente.

As 4 disciplinas da execução: garanta o foco nas metas crucialmente importantes
Autores: Chris McChesney, Sean Covey, Jim Huling e Bill Moraes
Editora: Elsevier
352 páginas
R$ 47,89 ou R$ 37,99 (e-book)
A obra é resultado da metodologia desenvolvida pela Franklin Covey para se atingir as metas mais importantes na vida executiva. O livro contou com a revisão técnica da Franklin Covey Brasil e traz estudos de caso de como algumas empresas estão adotando a metodologia no país. 

*Nome fictício para proteger a identidade do entrevistado 
 

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