A cada ano, o dia 8 de março serve de vitrine para trazer à tona injustiças e violências às quais as mulheres foram — e ainda são — submetidas ao longo da história. A data acaba sendo importante para relembrar a luta feminina por igualdade. No entanto, na verdade, é um erro pensar nisso apenas nessa ocasião: trata-se de uma discussão que deve durar o ano inteiro.
A boa notícia é que há, historicamente, muitas conquistas que merecem ser destacadas. Pouco a pouco, a população feminina ganhou espaço no mercado e passou a ocupar cargos antes exclusivamente destinados aos homens. De acordo com Isabelle Anchieta, doutora em sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), as mudanças são lentas, porém importantes.
“Estamos seguindo um caminho interessante. Já rompemos muitas barreiras. Acho que agora é uma questão de tempo trazer as mulheres para lugares cada vez mais importantes”, diz. A socióloga lembra que a população feminina teve um atraso muito grande no aspecto educacional. “As mulheres só puderam entrar na universidade no século 17 praticamente”, ressalta.
Algo que se mostrou totalmente injustificado. “Hoje, pesquisas revelam que o nosso QI é até um ponto maior que o dos homens. Então, as diferenças cognitivas, que sempre foram usadas para justificar certa desigualdade nesse sentido, não se sustentam mais”, explana. Carmen Migueles, professora dos cursos de administração e comunicação social da Fundação Getulio Vargas (FGV), observa que houve muitos avanços no campo do conhecimento.
“Nós temos muito a comemorar: como nação, temos excelentes notícias.” Ela explica que o Brasil faz parte de um grupo pequeno de países que estão vencendo o desafio da equidade de gênero na educação e na ciência. “Nós, na verdade, superamos. Temos mais mulheres egressas do ensino superior do que homens e temos muitas mulheres cursando mestrado e doutorado”, afirma.
“Nos últimos anos, o avanço feminino na ciência foi muito grande”, comemora. De acordo com Carmen Migueles, mestre em antropologia do consumo e doutora em sociologia das organizações pela Universidade Sophia, em Tóquio, houve avanço muito significativo especialmente nas áreas de biologia, farmácia, biotecnologia e nanotecnologia.
“Nas ciências da saúde, em geral, nós temos uma maioria de mulheres”, aponta. “Cerca de 68% dos pesquisadores nessas carreiras são do sexo feminino. Os cursos de medicina, hoje, tendem a ter um equilíbrio razoável entre os dois gêneros”, acrescenta Carmen.
Desigualdades ainda marcantes
Apesar dos avanços das mulheres nos últimos anos, ainda há uma série de desafios a serem superados. Pesquisa de 2020 dos Profissionais Brasileiros Catho mostra que, embora a diferença salarial entre a população feminina e masculina tenha diminuído entre 2012 e 2018, ela persiste: as trabalhadoras ganham, até 46% menos que os trabalhadores no mesmo nível de escolaridade.
A doutora em Sociologia das Organizações pela Universidade de Sophia, Tóquio, Carmen Migueles explica que isso advém do fato de a participação feminina no mercado brasileiro estar concentrada em cargos com remuneração mais baixa. “Muitas vezes, elas se submetem a postos de trabalho piores para terem mais flexibilidade porque elas precisam equilibrar as duas jornadas: a familiar e a profissional”, comenta.
Tradicionalmente, atividades domésticas acabam pesando nas costas das mulheres, mesmo as que não são mães. Para as que precisam conciliar tudo isso com a maternidade, o desafio é ainda maior. “Elas não se integram com mais peso na força de trabalho porque, muitas vezes, sequer conseguem se liberar para procurar emprego. Em geral, está sob responsabilidade delas toda a parte de cuidados com as crianças”, explica Marilane Teixeira, professora de economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Para mostrar o peso desse contexto, a docente cita um levantamento do IBGE, com base em dados de 2018, que mostra que, nas famílias pobres com filhos, a taxa de participação das mulheres no mercado cai.
Nos grupos familiares sem filhos, esse índice sobe. Enquanto isso, para os homens, considerando o mesmo perfil de família, o percentual se mantém praticamente inalterado. Ainda segundo uma pesquisa da Catho, de 2018, 30% das mulheres deixam o mercado de trabalho para cuidar dos filhos.
Entre os homens, a quantidade é quatro vezes menor: 7%. Além disso, outro levantamento da Catho, feito em 2018, mostra que, entre os principais conflitos enfrentados pelas mães com empresas ou gestores, o receio de faltar ao trabalho caso o filho passe mal é o mais comum (48%). Também é considerado problemático “ter que pedir para chegar mais tarde ao trabalho para ir a uma reunião escolar” (24%) e “atrasar-se devido à exaustão da rotina” (10%).
Igualdade de gênero
Na semana do Dia Internacional da Mulher, a Bain&Company, em parceria com a Linkedin, divulgou estudo mostrando que apenas 3% dos CEOs das 250 maiors empresas brasileiras são mulheres.
Mas o estudo traz boa notícia: os brasileiros estão convencidos da importância da diversidade nos negócios. Entre 85% e 95% dos entrevistados entendem que equipes de liderança diversas oferecem melhores resultados.
O peso da maternidade na carreira
A dupla jornada também é um obstáculo para as mulheres alcançarem cargos de chefia, o que explica o fato de elas ainda serem minoria nessas ocupações. Afinal, normalmente, as trabalhadoras têm menos tempo para atividades fora do expediente que poderiam contar pontos para uma promoção.
“Em geral, ascende profissionalmente quem tem mais disponibilidade, quem pode viajar toda vez que a empresa exige, quem tem a possibilidade de ficar fora de casa em horários que não são do expediente normal ou que pode fazer cursos fora”, explica Marilane Teixeira, doutora em desenvolvimento econômico pelo Instituto de Economia da Unicamp. De acordo com a especialista, são poucos os países que discutem seriamente o compartilhamento de atividades domésticas ou familiares.
Também são minoria os que obrigam empresas a cumprirem cotas para mulheres em cargos de chefia — essas iniciativas estão concentradas em nações desenvolvidas.
“Nós ainda convivemos com um conflito cotidiano de que, se a mulher engravida, a responsabilidade é dela. Então, eventualmente, o que pode acontecer é ser dispensada, rebaixada”, lamenta.
Ela explica que persiste todavia uma cultura empresarial de associar a mulher à maternidade. “Comparando com 30, 40, 50 anos atrás. Mas eles não são significativos para dizer que a gente tem uma relação equilibrada no mundo do trabalho”, aponta. “Só vamos conseguir resolver isso se equilibrarmos a relação no espaço doméstico. Precisamos de campanhas e iniciativas que façam com que os homens se conscientizem de que as responsabilidades com a casa e com os filhos também são deles.”
*Estagiárias sob a supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa
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