Trabalho e Formacao

Sobrecarga atinge mulheres durante a quarentena deixando-as por um fio

Tanto para as que estão em home office quanto para as que continuam no batente fora do lar, aumentou a lista de tarefas domésticas, prejudicando a carreira

Acordar, preparar o café da manhã da família e a lancheira das crianças, lavar a louça, encaminhar os filhos para a escola, ir para o trabalho, encerrar o expediente, voltar para casa, cuidar da janta e da limpeza do lar, colocar os meninos para dormir… E, no dia seguinte, a maratona começa de novo. A rotina de muitas brasileiras, que já era intensa antes da pandemia de coronavírus num cenário em que as atividades domésticas e familiares se concentram desigualmente sobre as mulheres, ficou pior. 
 
Com a crise mundial da doença, os filhos não podem mais frequentar creche ou escola. Para as mães que não tiveram como aderir ao teletrabalho, esse é um grave problema, pois não têm estrutura adequada para deixar os filhos e ir ao serviço. Mesmo para as que estão em home office, a situação é problemática, pois conciliar mais gente em casa, o cuidado com os filhos (e, às vezes, auxiliá-los em atividades escolares a distância no caso dos que estudam em colégios particulares) e o expediente é complicado.
 
Em boa parte dos lares, elas não contam com um companheiro ou outra pessoa com quem podem compartilhar tarefas e aliviar o peso dessas atividades não remuneradas. Até mesmo quando há um cônjuge na residência, a carga de serviço doméstico tende a ficar concentrada nas mulheres. O confinamento colocou uma lente de aumento na desigualdade de gênero e na sobrecarga que atinge a vida das trabalhadoras, mães ou não.
 
Dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019, mostram que as mulheres realizam serviços domésticos durante 18,5 horas por semana, em comparação com 10,3 horas semanais gastas pelos homens. Isso tudo antes do cenário da pandemia, que coloca mais crianças e pessoas em casa, demandando mais cuidados. No momento atual, a carga de atividades de casa deve estar bem maior.
 

Lares com chefia feminina

Segundo a pesquisa Mulheres chefes de família no Brasil: avanços e desafios, o número de famílias brasileiras chefiadas por mulheres era de 28,9 milhões, em 2015, ano dos últimos dados. Cera de 15,3% das formações familiares são representadas por mães solo ou viúvas e 5,5 milhões de crianças no Brasil não têm o nome do pai na certidão de nascimento.

Reflexões da ONU

A preocupação com o aumento da desigualdade durante a pandemia fez a Organização das Nações Unidas (ONU) lançar uma cartilha sobre os direitos das mulheres em meio à crise. O folheto “Gênero e Covid-19 na América Latina e no Caribe” coloca em pauta questões como a garantia do acesso a serviços e cuidados de saúde sexual e reprodutiva, trabalho não-remunerado, violência doméstica, entre outros assuntos. O objetivo é alertar as autoridades sobre o impacto da pandemia na vida das mulheres e garantir a dimensão de gênero nas medidas tomadas durante a crise. Para conferir a cartilha, acesse o link: bit.ly/2Krre0a.

Palavra de especialista 

Balança desequilibrada na carreira

“Quando pensamos na baixa quantidade de executivas nas empresas, temos um panorama preocupante. Um estudo da consultoria de alta gestão estratégica Bain & Company revelou que 57% das mulheres no Brasil têm nível superior, e 60% da população economicamente ativa é formada por elas. No entanto, apenas 16% das posições executivas são ocupadas por elas, enquanto os homens ficam com 84% dos cargos de alta liderança. Apenas 3% das CEOs nas empresas são mulheres e 5% ocupam posições em conselhos de administração. São diferenças que, durante esta pandemia, ficam ainda mais complexas. Não é uma crise só sanitária, é uma crise que deve provocar uma reflexão muito mais profunda de valores e propósitos, de cultura. Se pensarmos que as mulheres ganham de 20% a 25% menos do que os homens, você tem uma série de questões a considerar. A mulher está sendo muito mais prejudicada durante a crise do coronavírus. Causa preocupação o modo como a pandemia pode afetar a carreira das mulheres. Com as esquipes mais enxutas, as empresas vão priorizar as pessoas com melhor desempenho.  Como a mulher vai ter alta produtividade sobrecarregada? A mulher está em uma desvantagem que precisa ser revista urgentemente. As empresas precisam ter clareza dos indicadores de desigualdade de gênero para ajudarem a corrigir isso. Precisamos de lideranças comprometidas para construir a igualdade de gênero dentro do mercado de trabalho.”

Daniela Mindlin Tessler, sócia da consultoria de RH Odgers Berndtson no Brasil, psicóloga, pós-graduada em RH, com MBA em gestão de negócios

Manual para não enlouquecer

A psicóloga Gabriela Costa reconhece a sobrecarga de atividades sobre as mulheres, originada sobretudo de um aspecto cultural. Um peso que aumenta com a maternidade. “Quando uma mulher se torna mãe, quando recebe o resultado ou no momento de parir, ela já vem com a sobrecarga da responsabilidade de cuidar de alguém, de fazer tudo perfeito, de não errar e junto disso vem a culpa. Só que ninguém dá conta de fazer tudo perfeito”, observa.

Sócia da clínica Permita-se e voluntária no Centro de Atenção Psicossocial (Caps), ambos em Águas Lindas (GO), ela diz que o primeiro passo para manter a saúde mental em meio à tanta cobrança é abandonar o perfeccionismo. “A sociedade cobra da mulher que ela tem que dar conta de ser mãe, filha, esposa, profissional… Só que, às vezes, por estar cuidando de todo mundo, ela se esquece dela mesma”, reflete.

“Este momento da pandemia está trazendo à tona que somos seres humanos e que não damos conta de tudo”, diz. Também hipnoterapeuta, Gabriela reforça que a mulher precisa ter mais compaixão para consigo mesma. “Olhe-se com gratidão, respeito, carinho, sem tanta cobrança, porque isso a sociedade já faz”, ensina. O excesso de atividades desempenhadas por mulheres é percebido também por jovens.

Saiba dosar

“Por incrível que pareça, eu escuto muito no meu consultório relatos de filhos que percebem as mães sobrecarregadas e estressadas. Muitas estão dentro de casa e não sabem muito bem dividir e organizar o tempo do trabalho e o tempo do cuidado doméstico”, afirma. É preciso, alerta Gabriela, entender a delicadeza do momento. “As pessoas precisam compreender que esta é uma fase muito difícil, mas que vai passar”, avisa.
 
“Ninguém estava esperando que as coisas mudassem tão rápido, e é preciso respeitar os próprios limites”, reflete. A sobrecarga neste momento vem tanto do cuidado com os familiares e com a casa quanto do próprio trabalho. O home office pode favorecer o excesso de serviço se limites não forem impostos. “Às vezes, o chefe pensa que, pela ausência da presença física da pessoa na empresa, ela está trabalhando menos, por isso, passa mais demanda”, afirma.
 
As trabalhadoras podem mostrar para seus gestores que não é bem assim e pedir compreensão. “É preciso conversar. Se possível, pedir para flexibilizar. Se o superior não entender, é necessário encontrar outro modo de barrar a sobrecarga e respeitar seus limites.” Apesar de a carreira ser importante, Gabriela ressalta que as relações familiares são preciosas. “Para a empresa, você é substituível. Para a família, você é única.” Por isso, é fundamental estabelecer limites para os gestores, explicando a situação e pedindo compreensão.

Procure ajuda

Estresse e ansiedade são comuns neste momento, tanto pela sobrecarga, quanto pelo medo. Durante uma pandemia, você não tem controle sobre o que pode acontecer. E nem todo mundo lida bem com isso. Para esses casos, Gabriela recomenda procurar terapia, que pode ser virtual. “As pessoas acham que é distante da realidade, que é estranho ou que não vai ter o mesmo efeito. Mas a psicoterapia on-line já vem de muito tempo, não começou agora”, esclarece.
 
Gabriela reforça que, assim como no atendimento presencial, as informações da consulta on-line são sigilosas, e o profissional toma os mesmos cuidados para manter a confidencialidade da consulta. Para que a consulta seja efetiva, basta tomar cuidados. Por exemplo, ficar num local reservado em que você se sinta confortável quando for falar com o psicólogo e garantir uma boa conexão de internet.

Tire um tempo para você fazer algo que lhe faz bem, como ioga ou um projeto criativo

 

 

Dicas para aliviar o peso

A psicóloga Gabriela Costa dá três dicas que podem ajudar a organizar a rotina sem se sobrecarregar tanto
 
1 - Converse com a família, construa uma rede de apoio para ajudar nas atividades domésticas.
2 - Estabeleça um tempo para cuidar de si mesma. Procura atividades de que goste.

3 - Passe atividades para as crianças fazerem como jogos, filmes, séries. Combine que, no momento que você estiver numa videoconferência, por exemplo, os filhos não podem entrar no escritório.   

"Temos que nos livrar da culpa"

 

Pâmela Ghilardi, 28 anos, define-se como mãe solteira do filho, Lucca, 7, mora em Sapiranga (RS) e enfrenta sobrecarga de trabalho. Publicitária na Galerie Comunicação e digital influencer, ela é dona do perfil @fofocademae no Instagram, em que divide com o público a experiência da maternidade. O home office não é novidade para Pâmela, que adota o modelo há três anos e mora sozinha com Lucca desde que ele tinha 1 ano e meio de idade. Mesmo assim, o período atual é atípico e traz tensão.

“Trabalhar em casa com uma criança que não pode ir para escola, sair para a rua, ver o coleguinha, com certeza, é uma das tarefas mais desafiadoras que podem existir”, afirma. “Eu moro em um apartamento pequeno sem sacada, sem pátio. Está difícil”, detalha. “O meu ritmo de trabalho quando estou com ele é completamente diferente. Uma coisa que eu levo 10 minutos para fazer quando estou sozinha, com a presença do meu filho passo a levar 30 minutos, uma hora, às vezes até duas horas…”

Pâmela está em quarentena desde 12 de março. Para ela, a fase inicial foi a mais difícil até agora. “Os primeiros dias foram bem complicados, era muita informação, nós não sabíamos como seria, se eu permaneceria com meu emprego, como ficaria a comida… Foram tempos assustadores”, relata. “Agora, está bem melhor, conseguimos nos adaptar.” Claro, neste período, qualquer complicação de saúde ganha um toque crítico. “O Lucca teve uma alergia nesses últimos dias, tive que levá-lo ao hospital, mas está tudo mais controlado”, conta. 

Estratégias de ação

Para trabalhar sem interrupções, Pâmela adotou estratégias. Ela tem acordado mais cedo do que o filho e, durante o dia, faz intervalos. “Eu trabalho em torno de 40 a 50 minutos e paro por 20 minutos para dar atenção a ele”, explica. Por causa das pausas, o expediente, que antes poderia se encerrar às 17h, vai até às 20h ou às 21h. “Na internet, parece que damos conta de tudo, mas as redes sociais não mostram a louça suja na pia”, brinca.

Pâmela supõe que a situação de mulheres casadas pode estar ainda mais difícil. “Eu tenho pena delas”, brinca. “Eu tenho uma pessoa e meia em casa e estou assim, quem tem mais gente… Vai direto pro céu!” As soluções que aplicou na própria rotina com bons resultados Pâmela compartilha com os mais de 40 mil seguidores do Instagram. “O que eu tenho dado de dica é incluir a criança na rotina da casa. Quando vou lavar louça, digo para o Lucca: eu vou lavar e você seca”, exemplifica.

“Quando a máquina para de bater a roupa, peço para ele girar o botão de colocar para secar. Eu o chamo ele para guardar as peças comigo”, expõe. “Estamos tentando nos adaptar a uma rotina que a gente não tinha. É óbvio que tem dias em que tudo dá errado, mas tem dias em que tudo flui superbem”, diz. Mais tempo em casa, pela quarentena, tem seu lado negativo, mas pode ter aspectos positivos, como oportunidades de atividades inusitadas com o filho. “Uma noite dessas, fizemos uma exposição com os desenhos dele, pegamos as pinturas e penduramos na parede”, conta.

Uma mensagem que Pâmela passa para as seguidoras e outras mulheres é no sentido de se livrar de autojulgamentos e da pressão para dar conta de tudo. “Às vezes, a gente acha que é a pior mãe do mundo. Nos sentimos muito culpadas. Todo mundo está dando o seu melhor, e temos que nos livrar dessa culpa”, ensina. Conhecer a realidade de outras mães, inclusive, foi um dos fatores de motivação para Pâmela começar seu Instagram há sete anos. “Eu queria conhecer meninas que estavam na mesma situação que eu, que eram jovens, solteiras, que tinham filho pequeno em casa”, lembra.

"Estou cansada"

 

O desequilíbrio pode se mostrar até na produtividade durante a quarentena. Enquanto boa parte dos homens tendem a se concentrar no trabalho remoto, elas estão por um fio, andando na corda bamba e precisando dar conta de mais tarefas. A pedagoga Andréia Barros, 40 anos, é professora de educação infantil na creche Renascer, da Estrutural, e mãe de três filhos, de 22, 17 e 12 anos. Adaptar-se à novidade do home office, planejando o ensino e confeccionando materiais para usar nas videoaulas gravadas para os alunos, tem sido difícil.

“Como mãe, dona de casa, profissional e professora, não está sendo fácil conciliar todas as atividades do dia a dia”, desabafa. “Marido, filhos, planejamento, confecção de material, gravação de videoaulas em um celular ultrapassado... Não sei o que está pior, a imagem, o som ou a minha aparência”, confidencia. A professora contesta a ideia de que trabalhar no “conforto” do próprio lar é mais fácil. “Engana-se quem pensa que quem está em casa está sossegado, curtindo a preguiça. Não, não estamos”, rebate.

“Estou cansada, sobrecarregada, desmotivada, ansiosa, aflita, com medo, preocupada com o amanhã, mas ainda assim preciso todos os dias planejar as aulas da semana, montar material, fazer almoço, janta, limpar, passar, cozinhar, ser mãe e esposa”, completa. Para Andréia, a sobrecarga atrapalha no desenvolvimento diário das aulas e, consequentemente, no material que as crianças recebem, ou seja, prejudicam a carreira. Relatos como o de Andréia se repetem em todo o país.

Serviço parado

As pressões na vida da fotógrafa Bruna Yamaguti, 21 anos, aumentaram com a quarentena. Dona da recém-inaugurada agência de fotografia Mayumi, desde que o isolamento foi imposto, ela não consegue nenhum trabalho, o que tem afetado sua saúde mental. A moradora de Taguatinga costumava fazer fotos, vídeos e edição de imagens de ocasiões e motivos variados, por exemplo, como 15 anos, gestantes e ensaios femininos.

“Tenho me sentido muito estagnada. Com o isolamento social, fica praticamente impossível realizar o meu trabalho. Minhas demandas diminuíram 100%, ninguém quer fazer um ensaio fotográfico e, sem eventos, também não posso realizar coberturas”, lamenta. Bruna relata que se sente muito mal por não estar produzindo como deveria. “Tenho medo de o meu trabalho cair no esquecimento, porém, tento me manter positiva e pensar que as coisas melhorarão”, comenta.

“Estou consciente de que tudo que estamos fazendo agora é por um bem muito maior”, pondera. A jovem tem tentado se virar como pode. “Tiro algumas fotos com o que tenho em casa mesmo, com as pessoas que moram comigo para manter as redes sociais do negócio atualizadas e ter visibilidade”, revela. A jovem mora com os pais e a irmã, e, apesar de não ter filhos, tem queixas em relação ao excesso de tarefas do lar.

“Sinto que as atividades domésticas se concentraram muito neste período principalmente sobre mim e minha mãe, que somos mais organizadas e temos certa mania de limpeza”, afirma. “Em tempos normais, nós dividíamos melhor as tarefas entre nós quatro. Agora, eu e minha mãe fazemos praticamente tudo sozinhas”, queixa-se. Bruna ainda reflete que é muito difícil o cenário ser diferente. “Acho que a divisão de tarefas sempre acaba sobrecarregando mais as mulheres, no fim das contas, a menos que a família seja mais ‘desconstruída’ ou tenha mais firme a ideia de divisão igualitária”, reflete.

Arriscando-se para o bem comum

Maria Aparecida Guimarães, 41 anos, é dona da Drogaria Guimarães, localizada em Sobradinho. Por trabalhar em um ambiente exposto e com circulação de todos os grupos de risco do coronavírus, ela passou a ter medo. No início, confessa que chegou a subestimar a força da pandemia, mas isso mudou. “Várias vezes, achei que não teria forças para continuar, que não conseguiria levantar e ir trabalhar”, lembra.

Mãe de dois filhos, de 20 e 16 anos, ela se preocupou. “Tive medo por mim, por meus filhos, enfim, por todos, mas logo percebi que meu lugar era na farmácia, tranquilizando e orientando as pessoas”, conta. A pressão emocional causada pelo trabalho em tempos difíceis precisou ser driblada em nome de um bem que ela considera maior: ajudar o próximo. “Tive que engolir o choro diversas vezes. É difícil ajudar alguém nesta situação, quando você também sente medo, são muitas incertezas”, diz.

“Não é fácil, mas não estou nesse negócio há mais de 12 anos por acaso. Esta foi a profissão que escolhi, o importante é ter fé e continuar, não se esquecer de que é para a frente que se olha”, incentiva. Maria Aparecida também reclama da sobrecarga de atividades domésticas. “Enfrento um estresse nunca sentido antes, parece que o mundo está desabando e que nada pode ser feito para amenizar esse peso”, desabafa.

Ela percebe que isso atrapalha o desempenho profissional. “Com certeza, esse estresse acaba diminuindo o rendimento no trabalho. Eu e meu marido chegamos juntos ao serviço, e ele pergunta o que temos para o jantar”, conta. “Ao chegar a casa, começo a outra jornada, que também não é fácil. Ele até tenta ajudar, mas na maioria das vezes acaba dando mais trabalho.”

Três perguntas para

Joanna Burigo, mestre em gênero, mídia e cultura pela London School of Economics; fundadora da Casa da Mãe Joanna, em Porto Alegre; cofundadora do Gender Hub, em Londres, e do Guerreiras Project


Como a sobrecarga de trabalho e a divisão injusta de tarefas domésticas pode afetar a carreira da mulher?
De diversas formas e eu acho que a forma mais evidente é o tempo. O tempo que as mulheres empregam fazendo trabalho doméstico no Brasil é o dobro do tempo que os homens passam fazendo as mesmas tarefas. Existem estatísticas que dizem que uma mulher, ao casar em um relacionamento heterossexual, adiciona 10 horas de trabalho doméstico na sua vida. Existe uma naturalização de que esse é o trabalho da mulher. Isso consome um tempo que a mulher poderia investir pensando a respeito da própria carreira, fazendo cursos, trabalhando até um pouco mais tarde para completar um projeto e ganhar um benefício por causa disso. O prejuízo para a carreira das mulheres pode ser visto primordialmente se analisamos o tempo. Se existe uma divisão injusta de trabalho doméstico, existe alguém cujo o tempo está sendo mais usado para esses trabalhos. As mulheres têm o tempo roubado para fazer uma tarefa que deveria ser feita igualmente por mulheres e homens.

Em relação à vida pessoal,  o que é preciso para estar atenta?
É preciso ter cuidado com a saúde mental. É importante que as mulheres estejam atentas para as formas como o nosso existir em sociedade requer que nós prestemos atenção a interações com o machismo. Você está confinada em casa com o seu marido e filhos e está fazendo mais tarefas domésticas que o seu marido. Isso está muito mais perceptível agora que está todo mundo em casa. O acúmulo de tarefas domésticas que nós já sabíamos que caía sobre as mulheres, ficou evidente. Fica claro o quanto a sobrecarga das diferenças de gênero nos afetam.

Com relação à violência doméstica, além da denúncia, o que mais pode ajudar mulheres que estão passando por isso durante a pandemia?
É importante ressaltar que todos os canais de denúncia e acolhimento estão em pleno funcionamento, nenhum foi interrompido. Existem muitos grupos feministas prestando apoio e acolhimento durante esta pandemia. Acredito que, para as mulheres que estão nessa situação muito dura, confinadas com alguém que as violenta, é importante a manutenção dessa rede de apoio para que elas possam ter alguma espécie de recurso para lidar com esses sujeitos. É bom que cada uma de nós consiga reverberar o máximo possível essa comunicação feminista que existe para auxiliar mulheres que estão passando por isso.

"Nós podemos parar, mas não precisamos pirar"

Psicóloga, atriz e escritora, Cris Linnares, 44 anos, é autora de livros como o best-seller Divas no divã e o recém-lançado Doidas no divã, fruto de nove anos de estudos sobre os fatores que podem aumentam a ansiedade e o estresse entre as mulheres. São eles: o perfeccionismo, a procrastinação e a preocupação. As dicas que reuniu na obra são preciosas para lidar com a sobrecarga durante o isolamento.

Com pós-graduação em terapia cognitiva pela Universidade Harvard, ela repete um mantra: “Nós podemos parar, mas não precisamos pirar”. Para lidar com o perfeccionismo, ela recomenda fazer aquilo que é possível, não o que esperam. Já com relação à preocupação, enfatiza: “Pare com essa ideia de ‘controlar a emoção’, ‘controlar a ansiedade’. Uma das coisas que mais revolucionou minha vida, e eu falo isso como uma mulher que sofreu de depressão e de ansiedade crônica, é parar de querer controlar as emoções”.

Mãe de dois filhos de 14 e 3 anos e com uma enteada de 25 anos, Cris diz que, assim, não é preciso tentar ser otimista ou positiva o tempo todo também. “O cérebro tem em torno de 80 mil pensamentos por dia, e a maioria será daqueles que as pessoas classificam como negativos, mas que eu chamo de protetores”, afirma. “São pensamentos que querem proteger você. Não resista a esses pensamentos, pare de tentar controlar aquilo que não se controla”, aconselha. A procrastinação, diz Cris, pode ser resolvida com uma noção realista do que cerca a rotina e o ambiente que a mulher está inserida.

Durante a depressão pós-parto, Cris emagreceu 30 quilos e se recolheu em uma espécie de autoisolamento. “Eu me coloquei em quarentena, eu isolei meus sonhos, eu me isolei”, lembra. Atualmente residindo em Fargo, cidade na Dakota do Norte, a paulista se mudou para os Estados Unidos em 2005 e lá enfrentou “vários lutos”. Pela perda do pai, pelo abandono da carreira de sucesso no Brasil para viver um grande amor em uma das cidades mais frias da América do Norte, por deixar para trás a cultura de seu país para se adaptar a outra totalmente diferente.

Para reverter a situação, criou o projeto Diva Dance. “Você vai a um terapeuta que pergunta como é a relação com a sua mãe, mas não pergunta o que você comeu no café da manhã, sendo que 90% da serotonina é produzida no intestino”, diz. “Então, eu comecei a pensar que, se eu quisesse me libertar da depressão, precisava cuidar do que eu como, rever as mensagens que recebo. E aí foi quando percebi o poder do corpo e desenvolvi uma dança-terapia chamada Diva Dance”, relata.

Trata-se de uma terapia corporal que utiliza dança latina com técnicas de psicoterapia para aumentar a energia e liberar o potencial da mulher. Em 2011, Cris fundou em Fargo, nos EUA, a ONG Women's Impact para ajudar a empoderar mulheres que sofrem com violência doméstica e ajudá-las a criarem seus próprios negócios. Assim, começou a dar palestras nos Estados Unidos e na Europa. Em 2015, foi eleita pela revista Glamour norte-americana uma das 50 heroínas do ano.

“Faça aquilo que você pode fazer, a expectativa vai ter que mudar agora. As mulheres vão ter que começar a pedir mais, pedir ajuda”, alerta. “Quando trabalhava em casa, depois de nove anos de pesquisas para o meu livro, conclui que o estresse da mulher é 40% maior do que o do homem. Até pela estrutura cerebral, nós sentimos mais, temos uma percepção maior. Então, o bom é o ótimo de agora.”

Meta a colher, sim!

Em 14 de abril, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), sancionou a Lei n° 6.539 que obriga condomínios a denunciar situações de violência doméstica e familiar que ocorram em seu interior. A denúncia aos órgãos de segurança pública deve ser feita pelo síndico ou pela administração em um prazo máximo de 24 horas após a ciência do fato. O descumprimento por parte dos condomínios pode acarretar em multa que varia de R$ 500 a R$ 10 mil, a depender da gravidade do caso.

Leia!

 

 

 

Doidas no divã
Autora: Cris Linnares
Editora: Buzz Editora
232 páginas
R$ 39,90
 
 
 
 
 
 

Alguém já lhe perguntou se você é ou estava doida? Se a resposta foi sim, este livro foi escrito especialmente para você! Até porque, a maioria das mulheres vive apressada, estressada, ansiosa… E se isso é ser “normal”, só podemos chegar à conclusão de que precisamos mesmo ser doidas! As pessoas mais inspiradoras geralmente têm algo em comum: em algum momento foram criticadas ou chamadas de doidas por aqueles que se contentam com o conforto de ter uma vida normal, sem muitos riscos, ousadias e loucuras. O livro lhe encoraja a dar uma de louca para que você possa, se quiser, escrever uma história de vida tão fascinante que todos ao seu redor vão olhar e dizer: 
“Essa aí é doida mesmo!”

Aumento da violência doméstica?

O isolamento social pode ser um pesadelo na vida de mulheres que sofrem com a violência doméstica. Os casos de agressões dentro de casa aumentaram 44,9% em São Paulo, é o que mostra relatório divulgado em 20 de abril pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

No Distrito Federal, não houve aumento dos casos de atendimento e acolhimento de mulheres em situação de violência em março, de acordo com a Secretaria de Segurança Pública. Mas esses dados podem mascarar uma violência não denunciada. Durante a pandemia, as mulheres têm mais dificuldade de sair para fazer a denúncia ou buscar atendimento nos locais de acolhimento psicossocial, portanto, a tendência é que os números não tenham muita alteração.

Pensando nisso, a Secretaria da Mulher e também as delegacias criaram canais de atendimento por telefone, e-mail e registro de Boletins de Ocorrência on-line. As mulheres em situação de vulnerabilidade podem mandar mensagens de WhatsApp pelo número (61) 99415-0635 ou entrar em contato pelo e-mail vocenaoestaso@mulher.df.gov.br.
 
 
*Estagiária sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa 
Mulher sentada de blusa branca falando ao celular de frente a um Notebook
Diana Raeder/Esp.CB/D.A Press - Mulher sentada de blusa branca falando ao celular de frente a um Notebook
Diana Raeder/Esp.CB/D.A Press - Mulher sentada de blusa branca de frente um Notebook segurando uma ciança
Diana Raeder/Esp.CB/D.A Press - Mulher sentada de blusa branca de cabeça baixa
Diana Raeder/Esp.CB/D.A Press - Mulher de blusa branca na cosinha com uma criança e abrindo um armário
Six Comunicação/Divulgação - mulher em pé de lado usando uma roupa preta listrada
Arquivo Pessoal - Mulher em pé, sorriso olhando pra câmera, cabelos pretos longos, usa jaleco branco e coloca a não dentro dos bolsos do jaleco, no pulso esquerdo, usa relógio dourado. Por baixo do jaleco, blusa verde e preta estampada com flores.
Diana Raeder/Esp.CB/D.A Press - Mulher sentada em frente um sofá branco fazendo ioga olhando o tablet
Diana Raeder/Esp.CB/D.A Press - Mulher loira calça leg florida blusa de frio rosa desenhando
Arquivo Pessoal - Mulher branca com cabelo preso em um coque, sorrindo, usando blusa vermelha com listra amarela na gola e mangas da blusa. Segurando papéis com desenhos coloridos da personagem Mônica, Turma da Mônica, lavando as mãos, um menino loiro segurando o mundo, um desenho de uma bola com fios, exemplificando o coronavírus, e um desenho de uma menina negra sorrindo. Ao fundo, um pano verde com letras em eva formando a frase %u201CSaudade dos nossos pequenos%u201D e 11 corações com o nome dos alunos.
Edinara Teixeira/Divulgacao - Mulher branca sentada sorrindo, cabelo ruivo, veste blusa preta de manga longa e short jeans azul escuro. Usa colar prata com pingente de coração em forma de aro. Em seu colo, menino branco, loiro, sorri e a abraça, veste camisa preta de manga curta.
Arquivo Pessoal - Mulher de etnia asiática, baixa estatura, magra, cabelo curto castanho iluminado, usa óculos formato retangular-quadrado, veste macacão com listras verticais nas cores branco e azul pastel. Pousa para foto segurando seu equipamento de trabalho, com câmera canon E05, preta, bolsa para guardar câmera e bolsa frontal
Arquivo Pessoal - Mulher de cabelo castanho claro, olha para câmera com expressão séria e serena, usa um brinco de pérola e veste uma blusa regata de gola alta com listras horizontais nas cores azul marinho, preto, dourado e branco. Ao fundo, remédios em estantes de vidro, ambiente da farmácia.
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