Correio Braziliense
postado em 26/04/2020 16:32
A pandemia de coronavírus forçou mudanças em todos os aspectos da vida e do trabalho. Para profissionais de determinadas áreas, atuar de casa não é uma opção, mas para aqueles cujos serviços são mais burocráticos ou demandam apenas um computador para serem executados, o home office se tornou a opção mais segura. Toda essa metamorfose de formatos exige adaptação de empregadores e empresas. No momento atual, não necessariamente essa transição será fácil, o que pode até criar um estigma negativo com relação ao trabalho a distância.
“Isso porque estamos com a família inteira dentro de casa, e nem todos conseguem fazer a gestão organizada das atividades pessoais e profissionais”, alerta Roberta Hodara, arquiteta e consultora sênior de espaços de trabalho e gestão de mudanças na JLL, empresa de prestação de serviços imobiliários e gestão de investimentos. “Assim, pode parecer que o formato remoto é emergencial durante a pandemia, mas que não é uma opção adequada para o futuro.” Afinal, para empregadores e empregados experimentando o formato pela primeira vez por causa da pandemia, há muito improviso envolvido.
À medida que o tempo passa, porém, mais e mais gente se acostuma com isso. “É uma situação que estamos chamando de ‘o novo normal’, em que, mesmo após a crise, as pessoas terão a opção de trabalhar de casa ou fazer trabalho remoto”, aponta a arquiteta. Para Roberta, o serviço a distância pode trazer vários benefícios se as pessoas se abrirem para essa opção. “Isso aumenta a produtividade, o funcionário evita o estresse no trânsito e transporte e economiza tempo com deslocamento para chegar à empresa”, exemplifica.
“Eu costumo dizer que o interessante é ter a liberdade da escolha, e isso, com certeza, vai fomentar ainda mais a questão de trabalhar de qualquer lugar ou trabalhar de casa quando for necessário.” Porém, para ser capaz de aproveitar todos esses benefícios, trabalhador precisa contar com o apoio da empresa e ter estrutura adequada para isso. Os que estão se frustrando com problemas (como serviço de internet ruim, dificuldade de acesso aos sistemas da empresa) terão dificuldade de ver o home office com bons olhos.
O processo de transição nem sempre é fácil tanto para empregadores quanto para empregados. A fim de ajudar nessa adaptação é que foi criado o guia Remotos para o bem: um guia para trabalhar a distância em situações de emergência. Trata-se de um manual gratuito e disponível on-line criado pela Officeless, firma especializada em implementar e capacitar pessoas, startups e grandes organizações a trabalharem de forma remota mantendo a produtividade independente do lugar em que estejam.
Acesse!
Ficou interessado em conferir as dicas do manual? Confira no link
Dicas certeiras
Confira resumo das principais orientações do guia Remotos para o bem:
1 - Evite utilizar muitas ferramentas ao mesmo tempo. Lembre-se que cada plataforma tem um formato diferente e exige mais tempo para o aprendizado.
2 - Embora seja mais acessível, o uso do WhatsApp pode atrapalhar a comunicação, pois existem os grupos da família, amigos. Além disso, a conversa fica desorganizada. Opções são o próprio e-mail e ferramentas que permitem discussões em fóruns ou chats corporativos.
3 - Não queira controlar se os colaboradores estão on-line toda hora. Para o trabalho fluir bem, é preciso que haja CONFIANÇA.
4 - A boa e velha conversa olho no olho faz falta nesse momento. O que pode sanar um pouco isso são as reuniões por videoconferência. Mas se não for um caso tão urgente, envie mensagem.
5 - Não sobrecarregue as pessoas com informações. Estruture as equipes de forma a facilitar a comunicação. Uma maneira é organizar o time por projetos ou demandas, em vez de mandar mensagem para todo o grupo. Quando precisar de algo, procure apenas os responsáveis por aquele projeto. Isso evita sobrecarregar as pessoas com informações que não servem para elas.
Ajuda para se adaptar
No mercado há 12 anos, a consultoria Officeless tem colaboradores trabalhando em diferentes lugares, incluindo Brasília, João Pessoa, São Paulo e Rio de Janeiro. Para essas pessoas, o teletrabalho já era realidade muito antes da crise da Covid-19, experiência importante para auxiliar para quem está entrando nesse mundo agora. “Compilamos neste guia as dicas mais essenciais para as empresas conseguirem trabalhar a distância na situação que estamos vivendo”, conta Flávio Ludgero, sócio da Officeless.
O manual está disponível para leitura em português e também em inglês e espanhol. Manter o mesmo nível de produtividade a distância pode não ser fácil no começo, afinal, para muita gente, esta é a primeira vez atuando sem colegas ou chefes do lado. Focar o trabalho exige um grau mais alto de disciplina em casa, onde o sofá, a televisão, a cama, a geladeira e a própria internet se tornam distrações. Além disso, na própria residência, muitos funcionários não terão acesso a telefone, computador ou internet da mesma qualidade que tinham na firma.
Acessar o sistema interno pode se tornar difícil ou até impossível. A dica para os empregadores é pensar em formas de enxugar os diversos canais e ferramentas de trabalho e buscar outras que possam ser acessadas de casa. O guia da Officeless ensina como montar um escritório virtual básico, utilizando aplicativos de gestão, comunicação e armazenamento.
Transição on-line
Se o empregador monta uma estrutura assim, é mais fácil o empregado manter uma rotina parecida com a que tinha trabalhando presencialmente. “Imagina que a gente está em um escritório físico: eu preciso ter um espaço para as pessoas conversarem. No meio virtual, isso será o chat da empresa”, exemplifica Flávio Ludgero, sócio da Officeless. “É necessário ter local para as reuniões que, no home office, migra para plataformas de videoconferência”, diz.
“Em um escritório físico, é possível ter quadro organizador de atividades. No teletrabalho, sites organizadores como o Trello, por exemplo, podem servir para isso”, sugere. A transmissão de informações deve sempre ser clara, o que se torna ainda mais importante no trabalho remoto, defende Flávio. Mal-entendidos são mais facilmente solucionados pessoalmente, sem a possibilidade de se encontrar presencialmente, as equipes precisam tornar os diálogos mais efetivos e diretos.
“No trabalho remoto, é comum a comunicação acontecer principalmente por texto”, afirma o administrador. E não basta escrever de qualquer jeito, a fim de evitar confusões. “Quando você está no chat da empresa, precisa escrever mais e ter cuidado com essa escrita”, alerta.
A experiência do Tribunal de Contas da União
Entre as instituições atendidas pela Officeless estão o site de empregos Catho e o Tribunal de Contas da União (TCU). Ambas as organizações buscaram se especializar e treinar os colaboradores para trabalharem de forma remota. Em 2009, por meio de um projeto piloto, o TCU começou a investir no teletrabalho, uma proposta nova para a época, já que não era comum entre órgãos públicos. No começo, apenas cerca de 30% da equipe do TCU realizavam teletrabalho, no entanto, isso dependia da demanda e da autorização do gestor da área.
Um ano depois, os resultados se mostraram positivos. “Era uma boa prática para a gestão. Você conseguia ter alta produtividade e alinhar isso com os interesses da instituição e com os dos servidores”, conta Claudia Mancebo, secretária de Gestão de Pessoas do TCU. Com o passar dos anos, a instituição foi fazendo algumas mudanças para que o trabalho continuasse sendo possível. Instituições como o tribunal, que já tinham experiência com o teletrabalho, sofreram menos com a adaptação durante a pandemia.
“Há algum tempo, nós já tínhamos no TCU uma plataforma de acesso remoto, com um viés ainda muito computacional e um pouco restrito”, conta José Renato Alves, secretário de Infraestrutura em Tecnologia da Informação do tribunal. Segundo ele, depois do treinamento que tiveram com a Officeless, começaram a buscar softwares mais acessíveis e seguros que pudessem ser abertos remotamente. Existem várias ferramentas de gestão on-line e o que funciona bem para uma instituição não necessariamente será a opção mais acertada para outra.
José Renato Alves aconselha que as empresas que desejam criar um escritório virtual avaliem a melhor opção de acordo com seu contexto e número de colaboradores. “Para os profissionais que estão começando agora esta experiência, eu sugiro estudar as soluções para pequenos escritórios e principalmente softwares livres”, indica. A área de Suporte de Informação do TCU está trabalhando totalmente a distância. Apenas algumas equipes precisam ficar na instituição para garantir que o sistema siga funcionando.
Contratos a distância
No mercado desde 1977, a Catho, plataforma de recrutamento, foi se atualizando de acordo com o avanço das tecnologias. Em 2000, nasceu a versão on-line da companhia. A empresa conta, atualmente, com mais de 800 colaboradores trabalhando 100% em home office. Antes da pandemia da Covid-19, apenas parte da equipe atuava remotamente. Pensando na segurança e na continuidade das atividades, a empresa expandiu toda a infraestrutura para que as 500 pessoas que trabalham no call center pudessem ficar em home office.
“Assim que começaram a surgir recomendações dos órgãos de saúde, nós nos mobilizamos para colocar todos os colaboradores em trabalho remoto”, afirma Patricia Suzuki, diretora de Recursos Humanos da Catho. Uma força tarefa que mobilizou todas as áreas da empresa, principalmente a de tecnologia, disponibilizou para os colaboradores mais de 300 computadores e 100 modens que foram entregues nas residências dos funcionários.
“Tivemos que investir em softwares que facilitam o acesso ao sistema para que eles possam trabalhar”, conta Patricia. “Para quem não tinha uma internet adequada, a gente disponibilizou modem”, relata. Em uma semana, todos estavam trabalhando de casa. A própria Patricia chegou ao time da Catho em meio à crise de coronavírus. Ela foi admitida na companhia em meados de março e todo o contato com a empresa foi feito virtualmente.
“Eu recebi o equipamento em casa. Toda a documentação para a contratação foi feita de forma virtual, utilizando os aplicativos do governo e os nossos processos de forma absolutamente remota”, revela. “Está tudo formalizado e eu ainda não estive no escritório físico.” A diretora conta que o treinamento oferecido pela Officeless ajudou toda a companhia a entender melhor o trabalho remoto e a utilizar de forma mais proveitosa as ferramentas.
A consultoria foi importante para descobrir outras formas de fazer a gestão remota. Segundo Patricia, o índice de aprovação aumentou. “A gente tinha um nível de satisfação da liderança com a gestão de equipes remotas de 73%. Depois do treinamento, o indicador subiu para 93%”, comemora. Pesquisa da Catho com 800 recrutadores mapeou as perspectivas de contratação na quarentena. Segundo o levantamento, 50% acreditam na efetividade do processo seletivo virtual durante a pandemia.
Separados, mas unidos
Trabalhar em casa pode gerar certa solidão, especialmente entre funcionários extrovertidos, que sentem falta da interação cara a cara com colegas. A sensação de estar sozinho pode ser prejudicial nesses casos. Por isso, na hora de montar o escritório virtual, a instituição empregadora deve considerar formas de manter a equipe unida. A solidão pode atingir não só quem está em home office, mas também os profissionais que porventura precisarão ficar na empresa esvaziada.
“É preciso pensar naquele que vai ficar, porque ele pode se sentir sozinho”, diz José Renato Alves, secretário de Infraestrutura em Tecnologia da Informação do TCU. “Tem que lembrar tanto dos que foram para casa quanto dos que ficaram”, ressalta. Ainda é cedo para prever se os hábitos de trabalho remoto permanecerão após a quarentena, mas pode ser que os aprendizados que essa mudança forçada trouxe permaneçam por mais tempo.
PALAVRA DE ESPECIALISTA »
Diferenças
“Home office, trabalho remoto e teletrabalho não são a mesma coisa. O primeiro exige uma política da empresa que proverá estrutura para o empregado trabalhar em casa (que pode incluir computador, plano de internet e até mesa e cadeira). Segundo a CLT, o teletrabalho é estritamente fora das dependências do empregador, somente é fornecida infraestrutura de tecnologia para comunicação entre empregado e empregador. Já no trabalho remoto, você tem a opção de frequentar o escritório ou não e pode trabalhar de onde quiser. Não há necessidade de montar um escritório na sua residência. Nesse formato, há flexibilidade de horários e lugares.
Não tem essa formalização de o patrão dar ferramentas para isso. Geralmente, as grandes companhias têm uma política para oferecer a estrutura de home office e, assim, evitar problemas futuros. Mas não é possível generalizar. A política de home office é formatada de forma individual. No entanto, companhias grandes e sérias tentam se precaver de processos trabalhistas, por isso, tendem a oferecer a estrutura. Investir em oferecer a estrutura para o colaborador em home office também é investir em maior produtividade do subordinado.”
Roberta Hodara, arquiteta e urbanista, pós-graduada em restauro de edificações e certificada em neuroarquitetura e gestão de mudanças, consultora sênior de espaços de trabalho e gestão de mudanças na JLL
*Estagiária sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa
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