Correio Braziliense
postado em 17/05/2020 04:24
Berlim — Mundialmente reconhecida como exemplo no combate à covid-19, a Alemanha está em outra fase da pandemia: a expectativa é de que o pico tenha ficado para trás. Nacionalmente, a quarentena começou a relaxar na semana de 20 de abril, e as aulas voltaram no início de maio, mas medidas de distanciamento social continuam. A estratégia alemã envolveu testes em massa desde o princípio, a fim de rapidamente identificar os infectados e isolá-los. Também se fez presente desde o começo da crise a solidariedade.
Vizinhos oferecendo-se para fazer compras para idosos e outras pessoas do grupo de risco se tornaram comuns. O companheirismo também mostrou a cara entre empresas. A rede de lanchonete McDonald’s ficou quase sem clientes. Em vez de despedir os funcionários ou deixá-los sem atividade, a companhia resolveu “emprestá-los” para redes de supermercados. Em todo o país, profissionais que passaram a ficar mais em casa pelo confinamento resolveram usar esta oportunidade para ajudar os outros de diferentes maneiras.
Entre eles, o britânico Jon Worth, 39 anos, que vive na capital alemã há pouco mais de seis anos. O graduado em filosofia, política e economia pela Universidade Oxford começou um projeto de compras solidárias no prédio onde mora, no bairro de Kreuzberg, em Berlim. Ele começou a se oferecer para fazer compras e entregar produtos de mercado e farmácia para moradores dos 40 apartamentos do edifício e avisou os vizinhos por meio de e-mails e cartazes. A primeira encomenda foi feita em 23 de março. Com o tempo, ele recrutou mais 20 interessados em entregar as compras. “Atualmente, temos mais voluntários do que precisamos”, comemora o mestre em política europeia e administração.
Para deixar tudo mais fácil, Jon lançou um site para receber os pedidos: o shop4me.team. De segunda a sábado, os integrantes deixam as mercadorias na porta dos vizinhos e avisam por mensagem. Tudo gratuitamente e voluntariamente. Jon também oferece aos residentes mais velhos ajuda para lidar com a tecnologia, ensinando, por exemplo, como fazer uma chamada por Skype. “Projetamos um sistema que funcionou para um edifício e sabemos que pode ser escalado e ele está pronto para ser replicado. Já recebemos pedidos do Reino Unido, da França e do Brasil para isso”, conta.
Três perguntas para
Jon Worth, idealizador do shop4me
Quer replicar?
O site, disponível em alemão e em inglês, é feito em código aberto e fácil de usar, segundo Jon Worth. Quem quiser replicar não precisa nem criar um nome de usuário e senha. Interessados devem entrar em contato pelo site. O portal conta com um sistema de notificação por aplicativo de mensagens sobre pedidos.
Três perguntas para
Jon Worth, idealizador do shop4me
Como você teve a ideia do shop4me?
O ponto de partida foi a conversa com um amigo médico. Ele disse que você deve considerar três grupos ao lidar com o coronavírus: o de risco, o de baixo risco e um terceiro, que, provavelmente, transmitirá a doença, incluindo famílias e crianças pequenas. Idealmente é preciso tentar manter os três separados. Eu não sou velho, não tenho família, não sou grupo de risco e comecei a refletir sobre como eu poderia fazer para ajudar a manter esses grupos separados. A partir disso, pensei no edifício onde moro, que tem 40 apartamentos, onde vivem muitas pessoas idosas e famílias. Assim, nasceu o shop4me. A situação em que existe mais probabilidade de ter contato com alguém infectado é durante as compras. Então, a lógica foi tentar achar um meio de garantir que as pessoas do grupo de risco não precisem sair além do estritamente necessário.
Qual foi a reação dos vizinhos?
Foi e continua sendo extremamente positiva. Houve apenas um que me disse: “você está assustando as pessoas”. O que achamos um pouco estranho, porque essa não era a nossa intenção. Mas a maioria achou a iniciativa muito boa. Alguns não precisam disso no momento, mas ficaram contentes de poder contar com essa ajuda caso precisem. A iniciativa até aproximou os vizinhos e fizemos uma chamada pelo Skype para bater papo. Isso é bem engraçado. Podemos estar fisicamente mais distantes, mas sabemos que podemos contar uns com os outros. E isso é muito bom. Agora, também conheço funcionários no supermercado que eu não conhecia antes.
Você acha que a solidariedade se intensificou durante a pandemia?
Eu acho que, em Berlim, isso é bastante forte. Existe muita disposição em ajudar os outros. Talvez a dificuldade esteja em aceitar a ajuda (risos). Muitas pessoas idosas tendem a recusar esse tipo de serviço, elas querem ser realmente independentes. Outra dificuldade é com relação a coordenar as ofertas de ajuda. Uma dúvida que surge é onde aplicar essa solidariedade: devo percorrer 8km até o outro lado da cidade para ajudar pessoas ou devo dar a mão para quem mora perto? Limitar a circulação de pessoas é importante para conter o coronavírus. Então, isso é um pouco do desafio. Onde a necessidade está e onde os voluntários estão não correspondem necessariamente.
*A jornalista é bolsista do Internationale Journalisten-Programme (IJP)
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