Correio Braziliense
postado em 31/05/2020 04:11
Gabriella Safe, 27 anos, é uma das fundadoras do Afroricas, projeto educacional de Brasília que ajuda mulheres negras a se inserirem no mercado de trabalho e no empreendedorismo. Ela conta que a ideia surgiu em 2017, quando trabalhava no México com desenvolvimento de pessoas e consultoria comercial. “A iniciativa foi elaborada para ser um curso presencial de aceleração para jovens universitárias negras. No entanto, tive alguns percalços em minha vida pessoal e o projeto ficou engavetado por uns seis meses”, relembra.
Desde o início, o objetivo do Afroricas era transmitir conteúdos que não estão presentes em currículos tradicionais de faculdades e escolas, como educação financeira, habilidades interpessoais, busca por oportunidades, planejamento de carreira, propósito e satisfação no trabalho, redes socais e vida profissional, entre outros. “Eu desejava compartilhar aprendizados que tive ao longo de minha trajetória profissional e que eu enxergava como informações valiosas que contribuíram muitíssimo para o meu desenvolvimento”, explica Gabriella.
Em fevereiro de 2018, enquanto ainda estava no México, ela ficou sabendo do edital Negras Potências, que tinha o objetivo de financiar e viabilizar iniciativas para a redução das desigualdades em relação às meninas e mulheres negras no Brasil. Decidiu, então, inscrever o Afroricas com outras duas mulheres negras de Brasília conectadas com as pautas raciais — Monique Lorena, mais conhecida como Neggata, e Tricia Oliveira. O formato do projeto foi repensado e passou a ser totalmente digital. Entre 178 iniciativas inscritas, o Afroricas foi uma das 14 selecionadas.
Assim, Gabriella voltou ao Brasil, em agosto de 2018, para viabilizar os próximos passos do edital. Durante o processo de arrecadação de fundos, Gabriella, Neggata e Tricia receberam uma notícia “inesperada, mas extremamente gratificante” — o projeto havia sido selecionado para participar da Xyntheo Exchange 2018, feira anual internacional de empreendedorismo em Oslo, na Noruega.
“Para nós, foi uma surpresa alegre saber que, internacionalmente, existem preocupação e espaço para projetos como o nosso, que visam contribuir para reduzir desigualdades sociais com recorte racial específico”, comemora. Em janeiro de 2019, depois de ter atingido a meta de arrecadação, a iniciativa saiu do papel. Formada em sociologia e bacharel em ciências sociais pela UnB, Gabriella conta que esteve envolvida em atividades extracurriculares desde o segundo semestre da universidade.
Ela foi monitora, bolsista de iniciação científica, bolsista de iniciação à docência, integrante de movimentos sociais, integrante de empresa júnior e voluntária em uma ONG internacional. “Tentei aproveitar todas as oportunidades disponíveis durante minha graduação porque as considerava as melhores formas de iniciar meu desenvolvimento profissional. Tive bons resultados com essa trajetória”, relata. Assim que se formou, ela conseguiu o emprego que queria e passou a trabalhar na área comercial e com desenvolvimento de pessoas.
Esse trabalho abriu portas para que Gabriella se mudasse para o México. “Lá, vivi uma verdadeira odisseia, onde o que eu havia planejado não se concretizou. Precisei me virar e acabei trabalhando em áreas muito inusitadas e imprevistas. Fui garçonete, assistente administrativa, professora de jiu-jitsu, aprendiz de carpinteiro, atendente, instrutora de academia, professora de português...”, relembra.
“Foram empregos que eu não havia imaginado para mim e que tinham muitos desafios intrínsecos. No entanto, devo muitos dos meus aprendizados a essa fase. Foram também experiências únicas pelas quais sou extremamente grata.” Para os próximos anos, ela sonha em lançar produtos na empresa, iniciar um mestrado, ter outra experiência no exterior e continuar apoiando o desenvolvimento de outras pessoas. “E confesso que meu maior sonho de longo prazo é que a minha empresa não precise mais existir. Quando isso acontecer, viveremos em um mundo mais igualitário, onde as oportunidades estarão acessíveis para todos e todas”, aspira.
O “novo normal” para Gabriella Safe
“Honestamente, estou receosa quanto ao “novo normal”. Nossa democracia está em risco e, se não buscarmos mudanças estruturais, teremos mais do mesmo. Se não criarmos formas de reduzir as desigualdades existentes, a tendência é de que elas apenas se intensifiquem após esta crise. Ao mesmo tempo, sou otimista, porque enxergo uma base ideológica capilarizada na sociedade e que se fortalece dia após dia. Essa base questiona muitas coisas que sempre foram dadas como certas e naturais: nosso sistema econômico, a meritocracia, nossas formas de relacionamento, papéis de gênero, democracia racial, nossa alimentação, o individualismo, formas de consumo, criação de filhos, espiritualidade e nossa relação com a natureza. As pessoas estão vislumbrando e desejando outro formato de sociedade que respeite diferenças individuais e ofereça melhores condições de vida para todos.”
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