Ana Machado, colunista
postado em 07/06/2020 16:59
"Não existe a juventude brasileira. Existem diferentes juventudes, assim como existem diferentes forças de trabalho, diferentes tendências para diferentes mercados e diferentes formações profissionais"

Dentro da complexidade do tema revolução digital e mercado de trabalho, discutirei duas abordagens principais: a primeira diz respeito à adaptação da força de trabalho; a segunda destrinchará o que termos tão corriqueiramente utilizados como ;tendências;, ;gerações; e ;colaboradores; realmente significam para além do senso comum. Começaremos, então, pelo assunto que mais preocupa jovens profissionais, empregadores e pensadores da nossa era: o avanço das tecnologias digitais ocasionará o desemprego em massa?
Apesar do cenário apocalíptico que muitas vezes é apresentado nas discussões sobre o tema, estudos como o da consultoria McKinsey sobre o futuro do trabalho (Future of Work), que mapearam os impactos de novas tecnologias em diferentes indústrias, regiões do mundo e ocupações, mostram que, do mesmo modo que a tecnologia pode contribuir com o desaparecimento de algumas ocupações (ou reduzir muito o número de profissionais necessários para executar determinadas funções), as mudanças que podem surgir de seu uso também possibilitarão a criação de oportunidades para novos postos de trabalho.
[SAIBAMAIS]
Este cenário não é inédito na história da humanidade: as principais revoluções tecnológicas, como a descoberta do fogo, a invenção da roda, a prensa de Gutenberg, as máquinas a vapor da primeira Revolução Industrial e o petróleo da segunda Revolução Industrial, contribuíram para modificar de forma profunda não apenas o modo como trabalhamos, mas, também, a maneira como vivemos. Adaptações na forma como nos preparamos e atuamos profissionalmente podem ser necessárias, mas a ideia de que a tecnologia excluirá milhões de pessoas do mercado de trabalho é completamente enganosa.
Nós já temos, no Brasil, por exemplo, milhões de pessoas à margem do mercado de trabalho formal, não por causa do avanço tecnológico, mas pelas escolhas políticas, sociais e econômicas que fazemos como sociedade ; ao votar, formular, implementar e avaliar políticas públicas, principalmente nas áreas de educação, economia e desenvolvimento regional. Atualmente, o Brasil tem cerca de 40% da população economicamente ativa atuando no mercado informal, somando mais de 38 milhões de pessoas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE/Pnad 2019).

O peso das nossas escolhas
Portanto, a responsabilidade pela dificuldade que muitos trabalhadores encontram para acessar e permanecer em postos de trabalho formais não é da tecnologia, mas, sobretudo, de nossas decisões políticas. Fazemos uso de termos genéricos, como mercado de trabalho, profissionais do século 21 e gerações X, Y e Z, como se eles representassem um conjunto homogêneo de mudanças, organizações e pessoas. No entanto, o que chamamos de tendências de carreira não se manifestam da mesma maneira para todos os extratos da população brasileira, tendo efeitos, muitas vezes, completamente diferentes a depender da localização geográfica, classe social, gênero, raça e nível de escolaridade.
Quando falamos das tendências profissionais para os jovens, geralmente nos referimos a jovens brancos, de grandes centros urbanos, cursando o ensino superior, com acesso à internet no celular e possibilidade de fazer escolhas profissionais por afinidade e não necessidade. Esse grupo representa uma parcela pequena da juventude brasileira. O que sabemos sobre os jovens que não possuem uma trajetória linear composta por escola, faculdade, estágio e emprego com carteira assinada?
Neste espaço, eu sempre me referirei a termos usados para categorizar e nominar grandes grupos no plural, reconhecendo a sua diversidade e complexidade implícita. Não existe a juventude brasileira. Existem diferentes juventudes, assim como existem diferentes forças de trabalho, diferentes tendências para diferentes mercados e diferentes formações profissionais.
Gostaria de terminar deixando perguntas que podem auxiliar na compreensão da situação profissional dos meus leitores e leitoras, independentemente de suas características demográficas. Pergunte-se: quem sou eu no mercado de trabalho? Quais são as principais influências macro (políticas, tecnológicas, sociais e econômicas) que moldam a função que ocupo hoje ou que pretendo ocupar no futuro? Escrevam compartilhando as suas reflexões, elas me ajudarão a conduzir nossas próximas conversas.
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A cada primeiro domingo do mês, a Coluna Saber, de Ana Machado, abordará temas relacionados à educação e ao mercado de trabalho, sempre com base em conhecimentos científicos. Acompanhe o próximo quadro em 5 de julho. A estudiosa também publica coluna com foco em educação em geral no site Eu, Estudante.