VidaEscolar

Dedicação reconhecida

Conheça a história de Débora Garofalo, professora da rede pública de ensino de São Paulo que ficou entre os 50 melhores profissionais da área no Global Teacher Prize

Mariana Niederauer
postado em 13/01/2019 02:30
Débora Garofalo
Caçula de três irmãs, a professora Débora Garofalo aprendeu em casa a importância da educação. A mãe criou sozinha as três filhas, e dizia que essa era a maior riqueza que poderia deixar para as meninas. Com o objetivo de honrar essa história familiar e devolver à sociedade tudo o que alcançou após cursar a educação básica da rede pública de ensino, ela decidiu voltar à sala de aula, mas, desta vez, para ensinar.
Formada em letras e pedagogia, com especialização em língua portuguesa, hoje ela aprofunda a formação no mestrado na área de educação. No ano passado, graças a iniciativas como o projeto Robótica com sucata, que desenvolveu com alunos da Escola Municipal de Ensino Fundamental Almirante Ary Parreiras, em São Paulo, ficou entre os 50 melhores professores do mundo no Global Teacher Prize, considerado o Nobel da educação. Ao lado do professor Jayse Ferreira, que atua em Itambé (BA), representa o Brasil na premiação.
Em fevereiro, os 10 finalistas serão anunciados e a cerimônia ocorre no mês seguinte, em Dubai. Em entrevista ao Correio, a professora fala sobre os resultados do projeto e afirma que o uso da tecnologia, apesar de ser apenas um meio para se chegar aos objetivos de aprendizagem, é um caminho sem volta.
Como chegou ao trabalho em tecnologia na educação?
Sou professora há 14 anos na rede pública. Durante esse tempo, trabalhei também na área da indústria; então, um pouco dessa visão de tecnologia nasceu disso. Quando eu ia entrevistar, selecionar alguém para trabalhar, principalmente jovens aprendizes, ou recém-saídos do ensino médio, via que eles colocavam no currículo que entendiam muito de tecnologia, dominavam planilhas, dominavam o pacote Office, mas, na hora do teste prático, não conseguiam realizar, e isso começou a me inquietar muito. Quando houve a oportunidade, porque na prefeitura existe um cargo de assessora orientadora de informática educativa, eu pensei: ;Quero tentar, para fazer a diferença na vida dessas crianças;. E isso já pensando em robótica e em programação.

Quais são as tendências em tecnologia na educação hoje?
São praticamente as mesmas do mercado. Estamos falando de educação 4.0, que é oriunda da indústria 4.0, ou seja, daqui a um tempo, veremos IOT nas salas de aula, que é a internet das coisas. De certa forma, isso já vem acontecendo, a programação e a robótica são grandes tendências, a realidade aumentada, a cultura maker, a inteligência artificial, a aprendizagem ativa, a fluência digital e o empreendedorismo. Mas, antes de a gente falar das tendências, eu acho que é importante enfatizar que essa mudança só ocorre por meio do professor, ou seja, é uma mudança de atitude. A tecnologia sempre existiu, assim como existiu a onda digital. Então, se não houver realmente essa atitude de mudança, não vai nada para a frente.

Como fica o professor nesse processo? Na sua avaliação, a tecnologia deve assumir um papel de protagonismo no ensino?
A tecnologia é uma propulsora do aprendizado, ela não deve ser definida como um fim, mas é um meio, um instrumento, para dar condição a todos os outros aprendizados. Eu enxergo a tecnologia com esse poder de dar o protagonismo para o aluno, porque ela o tira da passividade, traz isso para o centro do processo de aprendizagem e deixa esse aluno participar da construção ativa do seu conhecimento. É isso o que eu busco com a tecnologia. Sem contar que ela ajuda muito na questão da resolução do problema, você transfere isso para o aluno. O professor muda de papel. Hoje, ele não é mais o transmissor do conhecimento, tem o papel de mediá-lo. Ele também tem que se deixar aprender dentro desse processo, temos que tirar um pouco dessa ideia de que professor precisa saber tudo. Ele também pode aprender com o seu aluno, e isso é muito rico, porque é o processo. O docente também aprende com ele e, ao mesmo tempo, é o mediador dessa construção, dessa provocação de conhecimento.

Como o professor pode aplicar a tecnologia em sala de aula sem estar apenas seguindo uma tendência, ou seja, tendo realmente um objetivo pedagógico?
Eu acho superimportante o professor olhar para o currículo e utilizar a tecnologia por meio dele. Vou dar um exemplo do meu próprio trabalho (projeto Robótica com sucata): existia a questão do lixo, eu queria realmente trabalhar a questão da robótica com os alunos; então, eu trouxe esse tema para a sala de aula e consegui trabalhar matemática, língua portuguesa, geografia, história... A tecnologia tem de servir como uma alavanca para a aprendizagem, uma propulsora. O professor pode, se ele estiver trabalhando matemática, utilizar um software de programação para dar essa aula, que vai ser muito mais significativa, porque ele vai ter um produto ali e toda a interatividade nessa elaboração, desenvolver a empatia com o próximo.

E que outros resultados você alcançou em sala de aula, em termos de motivação, por exemplo?
É preciso levar em consideração questões da própria comunidade. São crianças extremamente carentes, trabalhamos com quatro comunidades, todas de alta violência, alto índice de tráfico de drogas e, para essas crianças, a morte é muito natural. Foi algo que me chocou demais. Quando fazíamos qualquer pesquisa, eles achavam muito natural ver uma pessoa morta, e era só isso o que a gente conseguia buscar da região. Então, houve toda essa mudança nos alunos, desde a autoestima deles, de acreditarem que poderiam construir algo com as próprias mãos ; porque, para eles, só alunos de escola particular tinham acesso à programação e à robótica. E a tecnologia não é só o uso do computador.
Muitas das nossas aulas foram fora de sala, ali na comunidade mesmo, tirando os lixos. Dentro da escola, houve uma mudança no comportamento deles. Eles encontraram significado na escola, realmente queriam estar lá, ter um aprendizado significativo, envolvente, principalmente porque eles tiveram a oportunidade de intervir na própria sociedade. Tirou um pouco dessa ideia de que escola só produz conhecimento. E aí os índices, de uma forma natural, foram melhorando, eles tiveram melhora no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), de 3,5 para 5,2. É claro que não é só resultado nosso, é resultado deles, da equipe de professores. Teve resultado na evasão escolar e, principalmente, algo que para nós era muito comum, que era a questão do trabalho infantil. Com esse trabalho, esperamos que eles lutassem contra isso e retornassem para a sala de aula, fora realmente todo o aprendizado interdisciplinar, para eles poderem entender o que era muito abstrato: a questão da matemática, da língua portuguesa.

O que significa educação mão na massa?
A educação mão na massa está muito relacionada com a cultura maker, que é o aprender fazendo e aprender todos juntos. O mão na massa também pode ser considerado um resgate do jardim da infância. Se a gente lembrar da nossa infância, por que é tão significativa a aprendizagem? Porque tinha exploração, você realmente tinha essa observação. Quando fazia uma experiência, plantava um pezinho de feijão, era algo que você fazia com as suas mãos. A tecnologia também tem disso, de você criar. Quando as crianças criam um propósito, estão criando um protótipo do zero. Estou olhando para um objeto abstrato, que é a questão do lixo, por exemplo, e estão criando com as mãos. Utilizam todos os conhecimentos para dar uma nova vida a um outro objeto. Essa aprendizagem que a gente chama de mão na massa é justamente você, com as suas mãos, ter a capacidade de criar, de resgatar um pouco esse jardim de infância.

E isso tem a ver também com a aprendizagem colaborativa, com estar perto do colega, do professor?
A mão na massa já propõe isso de uma forma muito natural. Nenhum aluno cria nada individualmente. Hoje, o mundo é muito colaborativo, e acho que exercitar isso na escola é um caminho fundamental. No começo, dá muito trabalho, a própria criança tem muito do egoísmo, do egocentrismo, mas aos poucos você vai quebrando isso. Você vai percebendo que o outro tem um pouco de conhecimento que pode agregar ao projeto. E não só com robótica. Vou te dar o exemplo das animações. Quando você faz animações quadro a quadro, fotografia, o aluno também faz mão na massa para construir o cenário, construir os personagens e para construir o enredo da história. Isso vai criando no aluno um espírito de colaboração e a empatia com o outro.

E tem idade para isso? É mais interessante na educação infantil ou pode permear toda educação básica?
Pode usar em toda educação básica e, à vezes, até no superior se trabalha com a metodologia ativa.

Como foi o sentimento de ter o seu trabalho reconhecido internacionalmente?
Foi uma alegria muito grande. Primeiro, porque fui indicada por um júri internacional. Você vê que está fazendo realmente a diferença, é algo muito significativo. Mas acho que também traz algumas questões: uma responsabilidade muito grande para a gente voltar a atenção realmente para a educação e dizer: ;Precisamos valorizar os professores e, principalmente, o que eles fazem dentro de sala de aula;. Perceber que para muitos dos caminhos que a gente discute para a educação a solução talvez já esteja dentro de sala de aula. O segundo ponto foi dar um exemplo para as crianças, principalmente para as minhas crianças, o tanto que elas conseguiram ir além do trabalho delas e como a gente está chegando tão longe, de hoje poder ver um trabalho não só conhecido no Brasil, mas também lá fora. Que sirva de exemplo para essa geração: eles são capazes. Nunca vai ter um lugar onde eles não possam chegar na vida.

A tecnologia na sala de aula chegou para ficar?
Hoje não dá mais para se negar a importância da tecnologia em sala de aula. Nossos meninos nasceram nessa era, eles estão clamando por tecnologias. Acho que agora cabe a nós, professores, encontrarmos caminhos de possibilitar esse aprendizado. Lembrando que ter altos recursos não garante qualidade de ensino. Importante enfatizar isso.

Então tem toda uma conjunção de fatores: qualificação do professor, a própria comunidade participar...
Exatamente. Mas acho que a principal mudança é a atitude do professor, do aluno e da educação.
Crianças e professora

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação