VidaEscolar

Aprendizado com reflexão

Incluir as artes no eixo central das propostas pedagógicas ajuda na formação integral do estudante, com o desenvolvimento de habilidades socioemocionais ou as chamadas competências do século 21

Gilberto Evangelista - Especial para o Correio
postado em 13/01/2019 01:30
Sofia, Frederico, Roberta e Lara: mais concentração e criatividade
Cantigas e danças de roda, desenho livre, brincadeiras com massa de modelar e tantas outras fazem lembrar os primeiros passos na escola. Para além de despertar essas memórias, são atividades que ajudam as crianças a desenvolverem a noção de espaço, do próprio corpo, princípios matemáticos e da língua materna ou estrangeira, entre outros conhecimentos. Alguns especialistas sugerem, inclusive, que o ensino das artes deveria ter lugar de destaque não somente na educação básica, mas em toda a formação de um indivíduo, até mesmo no nível superior.
Disciplinas como matemática, química e física não perdem a relevância, mas a ideia é de que outras, como as artes, a filosofia e a sociologia também sirvam como base para levar o aluno à reflexão, culminando em uma formação completa, que garanta a inserção num mercado de trabalho 4.0. E é nesse contexto que a preparação holística dos estudantes ganha mais importância.
;Enquanto o crescimento da tecnologia nos traz o surgimento de profissões, outras vão sendo substituídas, e o que vai restar para o ser humano é o que nós somos, é o que está dentro da gente, a nossa criatividade, a inovação, o pensamento crítico, essa complexidade que máquina alguma jamais vai conseguir substituir;, observa o diretor Executivo do Instituto Arte na Escola, Cláudio dos Anjos.

Momento de ação


Dados do Ministério da Educação (MEC) e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) mostram que, de um universo de 557 mil docentes que trabalham dando aula de artes nos diferentes níveis da educação básica e na educação de jovens e adultos (EJA) no Brasil, apenas 6% são formados na área. Desses, 70% tem como habilitação as artes plásticas.
;É o pior percentual entre todos os componentes curriculares do país, ainda mais porque não existe uma formação multidisciplinar, que ofereça ao futuro professor as demais linguagens, obrigatórias dentro da sala de aula ; a dança, as artes cênicas e a música;, afirma Cláudio dos Anjos. Na avaliação dele, o ideal seria haver um professor para cada especialidade.
Apesar das possíveis mudanças, devido à implantação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) nos próximos anos, esse é um cenário difícil de ser mudado, mas a movimentação para que isso ocorra deve começar logo. De acordo com o relatório Art for Art;s Sake: The Impact of Arts Education (A arte para o bem da arte: o impacto da educação das artes), da Organização para a Cooperacão e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), os países que não investirem em arte no ensino básico vão perder o trem da inovação. ;Não que a arte seja o fator mais importante nesse processo e, sim, o desenvolvimento pleno do cidadão, mas, do ponto de vista do desenvolvimento econômico, a direção já está sendo apontada;, alerta o documento.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o eixo de política educacional tradicionalmente baseado em ciências exatas (Stem) vem, nos últimos tempos, se abrindo cada vez mais para o ensino de artes (Steam), com o ;A; designando justamente a inclusão dessa disciplina. O projeto Turn On Arts, implementado naquele país, levou o índice de problemas comportamentais em 5% das piores escolas a cair em 86%.


É preciso ouvir o jovem

Clara (D), com o irmão lucas e mãe, letícia, aprendeu a fazer %u2018adição%u2019 com as cores e formar novas tonalidades
Para o coordenador do Serviço de Arte e Cultura de um colégio particular em Taguatinga, Guilherme Soares, o trabalho para mudar a cultura de que artes não é recreação e tem que estar no centro da proposta pedagógica dos colégios deve ser diário e constante. Na escola em que atua, apenas 125 dos quase 2 mil alunos participam das oficinas extra-curriculares que coordena (teatro, balé, capoeira, canto-coral, entre outras).
A estratégia que ele adota é a de ouvir as vontades de seus estudantes. ;Aumentei a oferta das turmas de danças urbanas, que são as preferidas, e já estamos adquirindo instrumentos para montar uma jazz band, além da flexibilização nos horários das atividades;, conta. No entanto, Soares observa que, geralmente, são os filhos de quem se interessa por arte que se inscrevem. ;Preciso mostrar para aqueles que não têm o hábito que é possível consumir arte, pois quem ganha é o espírito que se liberta, transformando o indivíduo para a vida.;
A filosofia é compartilhada pelos participantes das atividades do Programa Educativo do CCBB Brasília, que sempre oferece programações ligadas às exposições em cartaz ; neste mês, a mostra Classicismo, Realismo, Vanguarda, a pintura italiana no entreguerras. Clara Menezes, 9 anos, foi a todas as oficinas de tintas do programa e ficou encantada ao descobrir que é possível fazer tinta a partir de plantas e flores colhidas no jardim.
;A gente gasta muito dinheiro comprando tinta, sendo que podemos fazer as cores que quisermos. Além de mais barato, é educativo, pois aprendi, com a matemática das cores, que vermelho mais azul é igual a roxo. No lugar dos números, a gente usa cores, mas ainda é adição;, explica.
Os amigos Frederico Feitosa, 21, Lara Gomes,17, Roberta Marques, 17, e Sofia Gomes, 12, chegaram cedo para aproveitar o maior número de atividades possíveis da tarde de sábado no CCBB. ;A gente só não vem mais porque não temos carro, e moramos um pouco longe;, diz Sofia. ;Arte, para mim, é muito importante, pois me ajuda na concentração e na criatividade e, por meio dela, consigo expressar meu amor pelas coisas, pois eu adoro desenhar;, declara Lara. Já Roberta conta que, quando estudava, não gostava muito da escola, mas nas aulas de educação artística era onde se sentia melhor. ;Servia também como uma válvula de escape, já que a professora era sempre muito motivadora.;
Com atividades voltadas também para professores e educadores, a educadora de referência do Programa Educativo, Débora Passos, lembra que ali não é uma escola, mas um local para viver experiências significativas, transformadoras e com sentidos múltiplos. ;O mais importante é a gente criar conexões e diálogos, não queremos um fazer por fazer, mas um fazer pensante, para estimularmos as transformações;, afirma.
Com a oficina de aquarela de pigmentos naturais, por exemplo, os educadores descobriram que é possível perceber e ressignificar melhor o mundo. A melhora na coordenação motora fina e a capacidade de comunicar em uma linguagem não verbal também são um dos pontos positivos destacado por Débora. ;Toda essa experimentação vai virar memória, vai virar lembrança, fazendo um adulto diferente lá na frente;, conclui. É ou não é o indivíduo do futuro que se pretende formar hoje?

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação