Correio Braziliense
postado em 15/01/2020 20:11
Em um mundo em constante mudança, com inovações aceleradas, as escolas estão cada vez mais preocupadas em direcionar seus alunos para as profissões do futuro, para o empreendedorismo e para o mercado. Educar, afinal, é preparar os estudantes para a vida e o trabalho, uma parte importante da existência de cada um de nós.
No contexto da quarta revolução industrial, a diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getulio Vargas (Ceipe/FGV), Cláudia Costin, alerta que é preciso estar consciente de que a inteligência artificial substitui o trabalho humano, inclusive, o intelectual. “Nos anos mais recentes, a preocupação sobre como formar pessoas empregáveis num cenário em que máquinas substituem seres humano ganhou importância. A escola precisa tratar disso desde a infância”, afirma.
Os novos paradigmas sugerem que os alunos devem ser empreendedores da própria vida, sustenta Costin. “O estudante tem que estar capacitado para diferentes projetos de vida, não só porque máquinas vão fazer seu trabalho, mas também porque oportunidades podem não passar na frente dele. É papel da escola dar uma formação ampla para o jovem, sobretudo, ensinar o projeto de vida”, explica.
Segundo a especialista, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) incluiu a ideia de projeto de vida a partir de uma experiência bem-sucedida em Pernambuco, de formar o aluno para o protagonismo juvenil. “O Ginásio Pernambucano fez um ensino médio integral com trabalho nessa linha, de desenvolvimento de projetos para a comunidade, com mentoria para fazer a conexão com aquilo que o aluno sonha ser. Isso vai ser incorporado nos currículos de todo o país a partir de 2021”, afirma.
Ensino técnico
Além dessa mudança estrutural que ainda está por vir, o ensino com olhos para o mercado de trabalho está presente desde a criação dos cursos técnicos profissionalizantes. “Conceitualmente, isso surgiu como alternativa para o jovem pobre, que não terá condições de ir para a faculdade. No entanto, ficaram claras duas questões: há um mercado muito grande para quem tem ensino técnico; e isso não quer dizer que esses jovens não possam ir para a universidade depois”, destaca.
Costin afirma que os cursos técnicos e profissionalizantes são usados como trampolim para a universidade. “Os melhores alunos das escolas públicas preferiam ir para escolas técnicas, porque eram uma porta de entrada, como um cursinho pré-vestibular, por conta do alto nível desses cursos. Mas esse não é o melhor caminho. O ideal é ter um bom ensino técnico, cujos créditos possam valer no futuro para uma faculdade, como ocorre hoje na Coreia”, defende.
A dimensão do projeto de vida é o ponto principal da educação com vistas ao mercado de trabalho, no entender de Luiz Gustavo Mendes, vice-diretor pedagógico do Colégio Marista João Paulo II. “Durante muito tempo, as escolas focaram a orientação profissional no ensino médio. Não havia preocupação de se entender quem era o aluno, qual a vocação dele, para depois ele escolher uma profissão”, recorda.
Com foco na vocação e no projeto de vida, a chance de ter sucesso é maior, afirma o especialista. “Nós trabalhamos desde a infância para o aluno se compreender como sujeito. Isso começa no Fundamental 2, quando os estudantes têm entre 11 e 15 anos”, destaca Mendes. A partir do autoconhecimento, o processo educacional passa a trabalhar a experiência. “Isso ajuda a clarear tanto a vocação quanto a profissão”, diz.
Potencial
No sétimo ano, o Colégio Marista estimula, por exemplo, a produção de aplicativos. “Os alunos identificam um problema e o solucionam com ferramentas digitais. Com isso, descobrem um potencial profissional futuro”, afirma. Houve um caso de uma estudante que desenvolveu um aplicativo de carona para ir à escola, conta o diretor. “Tipo um Uber, mas com os pais cadastrados. Isso partiu da cabeça de uma criança de 12 anos”, contaa o diretor.
No ensino médio, o Colégio Marista desenvolve o empreendedorismo, com projetos de criação de empresa, de produto, de foco no mercado de trabalho. “Fazemos simulações de organismos internacionais e os meninos colocam a mão na massa. Ali eles escolhem postos, há comitê de imprensa para quem curte escrever. Há tribunais para os que gostam de direito. E um comitê de organização do comércio para os estudantes voltados à administração”, enumera. Essas vivências estão no centro das atividades para preparação profissional e cabe aos professores levar isso para a sala de aula, explica Mendes.
Foram o apoio e a inspiração dos mestres de biologia do Colégio Ideal de Águas Claras que levaram o estudante Artur Nascimento, 16 anos, a escolher sua futura carreira profissional. “A gente tem apoio nas conversas, aprende como funciona o mercado de trabalho e que tipo de inclinação tem para saber a vocação. Conversei bastante com dois pesquisadores de biologia, uma professora que atua em laboratório, outro, em trabalho de campo”, conta.
O que mais atraiu Artur foi o trabalho de campo. “Sou escoteiro, sempre gostei de natureza e da questão ambiental. Por isso, procurei pelos professores de Biologia. Este ano de 2020 é o meu último na escola e, ainda na faculdade, quero começar a trabalhar”, revela.
Empreendedorismo
Além do apoio, os docentes implementam projetos dentro da escola para desenvolver o empreendedorismo nos alunos. William Pinheiro, diretor da unidade de Águas Claras do Sigma, explica que não é uma disciplina acadêmica, mas são ações que buscam despertar no aluno o espírito empreendedor. “Desenvolvemos habilidades e competências desde o ensino fundamental, nos anos iniciais, com educação financeira para crianças de 6 a 11 anos”, destaca.
O colégio tem ainda o projeto Sigmakers, que pretende desenvolver a capacidade de criação de projetos. “Vai na linha do ‘faça você mesmo’ para um aprendizado na base de projetos que incentivam a curiosidade e a inovação, competências para qualquer aluno do século 21. São projetos interdisciplinares, sobretudo, nas áreas científicas”, detalha.
No ensino médio, a escola desenvolve o projeto Sigma-Mundi, que simula a Organização das Nações Unidas (ONU) e no qualos alunos participam de debates nos comitês de direitos humanos, saúde e conselho de segurança. “Os estudantes são treinados pelas equipes de história, geografia e língua portuguesa. São pequenas simulações que ocorrem entre eles ou mediados por eles, com temas da atualidade. Assim, os alunos são provocados a propor soluções e saem com um repertório muito bom, além de desenvolver a oratória”, explica.
Pinheiro indica ainda a feira de universidades, que leva o aluno para um projeto de internacionalização. “É um evento voltado para os estudantes que optam por estudar fora. Desde 2014, os brasileiros podem acessar universidades portuguesas com a nota do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio)”, lembra. Para conhecer as universidades estrangeiras, desde 2017, o Sigma tem uma parceria com a empresa Daqui para Fora, que cuida de todo o processo de admissão em múltiplas instituições. “Recebemos representações de universidades dos Estados Unidos, do Canadá, da Inglaterra e de Portugal.”
Cuidado na profissionalização
Nem todos os professores e especialistas concordam com o foco do ensino voltado para o mercado de trabalho. A coordenadora da Comitê Distrito Federal da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Catarina de Almeida Santos, professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília e doutora na área de política educacional, diz que o espaço escolar não deveria trazer a profissionalização dos alunos.
“Qual é o estudante que vai ser profissionalizado na educação básica? Provavelmente, o de baixa renda. Porque, se acontece na idade adequada, ou seja, até os 17 anos, não é época de imaginar que os jovens busquem o mercado de trabalho”, opina a professora. “Nessa idade, as pessoas têm que estar estudando”, frisa.
Catarina alerta que, em um país no qual há tantos desempregados, não se deve imaginar que quem está estudando tenha que pensar em trabalhar. “Isso, claro, dentro de um mundo que respeitasse os direitos. Quando a sociedade defende o vínculo com o mercado de trabalho, que sequer existe, está defendendo a profissionalização precoce das pessoas de baixa renda. Porque os ricos não estão preocupados, afinal, seus filhos vão para a faculdade”, destaca.
Para a professora, aos que tiveram esse direito negado, há cursos importantes profissionalizantes na época certa. Ela lembra que, nesses casos, existem as experiências em institutos federais. “Esses são os locais adequados. Não o ensino médio”, defende.
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