ForumMundialdaAgua

Presidente da Eletrobras defende privatização, mas público contesta

Para Wilson Ferreira Júnior, a desestatização seria a solução para a economia e a preservação hídrica

Anna Russi*, Pedro Grigori - Especial para o Correio, Deborah Fortuna
postado em 23/03/2018 06:00

Obras de transposição do São Francisco: promessa de que, mesmo com a privatização da Eletrobras, seguirá o trabalho de gestão da água do rio

A privatização da Eletrobras voltou a ser tema de debate no 8; Fórum Mundial da Água. O presidente da empresa, Wilson Ferreira Júnior, apontou a desestatização como solução para a economia e a preservação hídrica. A expectativa é que o projeto seja votado ainda este ano no Congresso Nacional. O público presente no painel, no entanto, mostrou-se contrário à opinião do presidente.

;A privatização estabelece uma obrigação no caso da Eletrobras, que é o aporte de R$ 350 milhões por ano ao longo de 30 anos. Vamos aumentar esse volume em cerca de 17 vezes em termos de atendimento;, afirmou Ferreira Júnior. O projeto de desestatização da empresa foi anunciado pelo governo em agosto de 2017 e o texto, encaminhado ao Congresso no fim de janeiro. A União tem a expectativa de obter cerca de R$ 12 bilhões com a venda. A previsão é que a votação na Câmara dos Deputados ocorra até o fim de abril.

A sociedade civil, porém, ainda resiste à ideia. Ontem, ao longo da discussão com o presidente da empresa, na qual foram colocadas em pauta a gestão de crises e as estratégias para as bacias hidrográficas, o público fez críticas, alegando que ;aquela não era a solução;. Para Ferreira Júnior, o debate se mostra ;muito importante;, já que a Eletrobras é a única companhia que opera em todo o território nacional na transmissão e na produção de energia. ;Um terço da geração brasileira é de responsabilidade dela;, comentou.

Entre os problemas principais que poderiam ser solucionados com a privatização, segundo Ferreira Júnior, está a revitalização do Rio São Francisco, da subsidiária Chesf (Companhia Hidro Elétrica do São Francisco), que opera no Nordeste. ;O São Francisco ocupa 8% do território brasileiro. É uma bacia muito importante, porque envolve sete estados e responde por uma população no entorno da área de influência de 18 milhões de pessoas;, ressaltou o presidente. ;O rio não serve apenas para a geração elétrica, mas também fornece água para consumo, irrigação, navegação. Nós estamos falando realmente de um rio que tem importância.;

O São Francisco, no entanto, sofre com problemas ambientais, como poluição, assoreamento e redução de volume. ;(Com a privatização) continuamos o trabalho relacionado, principalmente, ao controle de recursos de água, com equipamentos modernos, mapeando retiradas de água e estudando alertas para secas críticas;, garantiu.

Rejeição

No painel que discutiu a relação entre direitos humanos e água, David Boys, secretário-geral adjunto do Serviço Público Internacional, criticou as privatizações no mundo. ;Prestem atenção no que vocês estão fazendo! Para nós, o lucro não equivale com direitos humanos, especialmente para os mais pobres;, argumentou. De acordo com Boys, quando há interesse no capital, os investidores ;vêm antes dos direitos da natureza;. Outro problema, segundo o especialista, é a falta de transparência e de investimento. ;Para nós, então, qual deve ser o principal mecanismo? Ter uma empresa pública forte, com as ferramentas necessárias para isso;, completou.

R$ 12 bilhões
Valor que o governo espera obter com a venda da empresa

O desastre de Mariana

O maior desastre ambiental da história do Brasil, a ruptura da barragem do Fundão, em Mariana (MG), foi debatido no 8; Fórum Mundial da Água. O objetivo foi apresentar soluções sustentáveis para restaurar ecossistemas terrestres e fluviais. O acidente despejou no Rio Doce 50 milhões de toneladas de resíduos de uma das maiores minas de ferro do mundo. A inundação de lama tóxica varreu o distrito de Bento Rodrigues e causou a morte de 19 pessoas.

O procurador-geral de Minas Gerais, Onofre Alves, afirmou que o problema foi maior do que todas as instituições envolvidas estavam preparadas para enfrentar. ;Após esse episódio, cheguei a uma conclusão: não existe uma solução absoluta no direito brasileiro para lidar com um desastre ambiental tão grande;, ressaltou. Segundo ele, logo após o ocorrido, os juízos não tinham a menor ideia do que fazer, e isso impactava no processo de recuperação.

O grande acordo inicial era buscar uma forma de dirimir o problema, de acordo com Onofre. ;Foi necessário abdicar das soluções que existiam até então, porque elas causavam uma paralisação econômica, por meio de sequestro de dinheiro;, disse. Ele explicou que uma paralisação econômica geraria perda de emprego, e o dinheiro iria para um fundo em vez de circular pela sociedade.

;Decidimos, então, pegar o maior volume possível de recursos das empresas responsáveis para ter eficácia máxima possível. A melhor alternativa era deixar a empresa de pé, sabendo da porcaria que ela fez e que não dava conta de consertar;, argumentou.

Lucinha Teixeira, presidente do Comitê da Bacia do Rio Doce, explicou que o papel do grupo é buscar soluções para os problemas que existiam antes do desastre e os que surgiram após o episódio. De acordo com ela, a crise de abastecimento tinha sido prevista para acontecer somente em 2030, mas, no momento em que a barragem se rompeu, o Rio Doce vivia a pior seca em 84 anos.

Como solução, ela citou o planejamento de saneamento e abastecimento de água, conforme o local se recupera e é reconstruído. ;Acredito que será a primeira bacia no país com 100% dos municípios com esse planejamento;, comentou. Ela apresentou dados mostrando que foram investidos R$ 4,6 milhões num programa de recuperação de nascentes, com priorização das áreas vulneráveis à mudança climática.

Olho no subterrâneo

Cerca de 71% do planeta são cobertos por água. Porém, dessa grande quantidade do recurso, apenas 2,6% é água doce e potável. Nesse número, que já é pequeno, só 28% estão na superfície ; em rios e lagos. O resto fica em geleiras e no subterrâneo. Com a escassez de água no mundo, começou-se a investir pesado na captação das águas subterrâneas, como uma possibilidade de frear a crise hídrica.

Exemplo do tamanho do manancial embaixo dos nossos pés é o aquífero de Alter do Chão. Pesquisas das universidades federais do Pará e do Ceará estimam que o reservatório subterrâneo abrigue mais de 86 mil km; de água doce, o que seria suficiente para abastecer toda a população mundial cerca de 100 vezes. O problema na captação desse e de outros aquíferos no planeta é a falta de informação sobre essa água. Há o risco de a retirada causar, por exemplo, a morte de rios superficiais.

Os níveis e a qualidade dos recursos que vêm dessas minas foram tema de debate no 8; Fórum Mundial da Água. Para o austríaco Pradeep Aggarwal, da Agência Internacional de Energia Atômica, ter tamanha disponibilidade hídrica é muito bom, mas pode ser um perigo no futuro. ;Não sabemos se essas águas são boas e se, ao tirarmos, elas estão sendo recolocadas;, afirma.

No Brasil, a gestão das águas subterrâneas fica nas mãos dos estados onde estão as reservas. As agências reguladoras dão as outorgas para construção de poços artesianos, mas estima-se que 85% dos que funcionam no país sejam ilegais, conforme estudo da Associação Brasileira de Águas Subterrâneas (Abas). ;O acesso à água é um direito universal, mas a captação de poços artesianos esbarra nisso, porque, se eu retiro muita água, minha vizinha vai acabar sem;, explicou Everton Oliveira, secretário executivo da entidade.


;O acesso à água é um direito universal, mas a captação de poços artesianos esbarra nisso, porque, se eu retiro muita água, minha vizinha vai acabar sem;
Everton Oliveira, secretário executivo da Abas

O ministro Sarney Filho definiu como crítica a situação dos recursos hídricos

No foco das políticas públicas

Em discussão sobre a importância de o foco das políticas públicas internacionais ser sobre a água, o governador do DF, Rodrigo Rollemberg, destacou que qualquer novo investimento no mundo deve levar em conta o impacto que terá sobre os recursos hídricos. ;É o elemento mais importante para o futuro da humanidade;, afirmou.

Ele ressaltou que a crise hídrica na capital, a pior da história da cidade, trouxe amadurecimento e mudança nos hábitos dos brasilienses ;de evitar o desperdício e usar mecanismos mais eficientes e econômicos em vista da conservação. Usar a água de forma moderada e racional;. Segundo Rollemberg, o reservatório do Descoberto passou dos 70%, e o de Santa Maria está próximo dos 50%.

O ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, definiu a situação dos recursos hídricos como crítica. De acordo com ele, o cenário é em decorrência, principalmente, da mudança climática, do desenvolvimento sem sustentabilidade e das dificuldades de gestão. ;Precisamos tratar os problemas de forma sistêmica e integrada;, defendeu.

Captação

O governador também citou a entrega das duas novas captações de água de Bananal e do Lago Paranoá. ;Temos outra grande obra em andamento, a de Corumbá. Revitalizamos canais, melhoramos métodos de irrigação, estamos recuperando nascentes;, destacou, para exemplificar o combate à crise hídrica.

*Estagiária sob a supervisão de Cida Barbosa

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação