postado em 23/01/2019 15:25
A especialista em mídias sociais Pollyana Ferrari tornou-se leitura obrigatória para estudantes, profissionais e formadores de opinião interessados nas transformações do jornalismo na era digital. Em entrevista ao Holofote, a jornalista comenta as mudanças no jornalismo, a influência das notícias falsas e a atuação das agências e dos núcleos de checagem de fatos. "Eles (novas gerações) acham que a referência de tudo é o WhatsApp, é o amigo. Então, a fake news veio alertar ; e é bom esse risco ; que a coisa não é bem assim", afirma.
Com mais de 15 anos dedicados à pesquisa, a também professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) é autora de diversos livros sobre jornalismo e mídias sociais. Um dos mais recentes ; Como sair das bolhas, lançado no ano passado ; influenciou a criação do Holofote, primeiro núcleo de checagem de fatos do Distrito Federal.
As agências e os núcleos de checagem chegaram para ficar?
Chegaram para ficar. Elas abriram um novo campo de trabalho para o jornalista. Eu acho que também muda a forma da linguagem jornalística. É uma checagem diferente, com cruzamento de código de dados. É explicar para o leitor de jornal, para o telespectador da tevê e do YouTube que aquilo é falso, por que aquilo é falso, por que é uma "barrigada", por que está mal apurado. Há alguns anos, a gente não publicava uma notícia falsa. Hoje, isso é pauta. É alertar o leitor para ficar atento à fonte (da informação).
Esse trabalho mudou a forma de fazer jornalismo?
Sim. As agências precisam de mais tempo, pois uma checagem demora mais. O leitor espera para ver se aquele veículo tem e faz checagem, mostrando que aquilo era fake, por que era fake e onde estava a manipulação. É um momento muito rico. Tem o lado negro das fake news, que é a eleição do (Donald) Trump (presidente dos Estados Unidos), do (Jair) Bolsonaro, no sentido de eles usarem muito bem as fake news.
Como preparar a população para se defender das notícias falsas?
Cada vez mais, é importante a questão de ser um checador, de não acreditar e ver a fonte. Por exemplo, no WhatsApp, só o meu avô tem essa informação? Não deu em nenhum veículo sério? É preciso relembrar que jornalismo custa, que jornalismo bacana dá trabalho. Que fontes eu vou olhar? Vou seguir o Correio, a BBC, o El País, a Folha? Vou continuar a achar que a timeline dos meus amigos no Facebook é fonte de informação segura? Então, (esse processo) passa por um amadurecimento.
Esse trabalho, então, pode começar lá atrás, com crianças e adolescentes?
Eu estou trabalhando muito isso com escola, com garotos do ensino fundamental e ensino médio. É mais do que jornalismo. Os veículos, os jornais têm esse papel: de criar o hábito educacional contra as fake news. E para sempre. Não só em ano de eleição. As agências (de checagem de fatos) têm um boom em ano de eleição, porque tem debate e tal, mas elas têm um serviço educacional para sempre.
No livro Como sair das bolhas, a senhora traça um panorama das agências de checagem de fatos no Brasil e no mundo. Elas seriam capazes de funcionar em qualquer tipo de país ou há limitações?
Primeiro: é preciso que estejam em países democráticos. Em uma ditadura, como na Coreia do Norte, não funcionam. Segundo: elas precisam seguir um código, uma cartilha do
Poynter (Institute). Para ter o selo do Poynter renovado todo ano, tem de comprovar uma série de coisas, deixar claro quem financia ou os doadores. Mesmo assim, a agência pode cometer alguma falha? Pode. Como os jornais também.
Vivemos a era da pós-verdade, na qual a opinião pessoal e o apelo emocional se sobrepõem ao fato. Que análise a senhora faz desse fenômeno mundial?
A eleição do Trump e o
Brexit, no Reino Unido, ambos em 2016, são considerados marcos na era da pós-verdade. Foi quando as fake news explodiram e a pós-verdade ganhou
verbete. Mas, com certeza, ocorria antes, não com esse volume. A gente viu, nas eleições (brasileiras), que as pessoas foram movidas ; seja de que lado for, de esquerda ou de direita ; pelos desejos, não checaram, não quiseram saber se tal informação era verdade. É aí que entram as agências de checagem, como a Lupa, ou aquelas montadas em redações de jornais, como é o caso de vocês, com o Holofote, o El País, o Globo.
Em Comunicação digital na era da participação, a senhora defende que "ao profissional completo de comunicação não basta apurar. É necessário saber planejar, codificar metadados, editar e distribuir". Isso se refere à transformação do jornalismo ou do jornalista?
De ambos. Essa mudança de interpretar e codificar dados é deste século. Isso me impacta, impacta você, o seu pai, o meu pai, um adolescente, independentemente de ser jornalista ou não. Ela impacta o fazer jornalismo e o jornalista.
Com tanta facilidade na comunicação, principalmente por causa das redes sociais, quais as responsabilidades das novas gerações?
A nossa geração (nascida antes dos anos 1980) tem ainda uma referência sobre quem está falando, quem é a fonte, quem é o autor daquele livro, que veículo é aquele. As redes sociais, que, para o bem ou para o mal, deram voz para um monte de gente, elas derrubaram essa questão da autoria. Tudo está disponível, tudo está fácil. Só que, em um veículo sério, há etapas de apuração. Por mais que tenha viés ideológico, isso é outra coisa, existe a apuração de um repórter. Nas redes sociais, há influenciadores e youtubers que falam o que querem. Isso desmoronou a questão da fonte, da referência. Essa geração depois da nossa, principalmente a dos que nasceram de 2000 para cá, que estão com 18, 19 anos, cresceu e nasceu sem essa referência, quando estava no declínio da mídia impressa, dos livros impressos, das locadoras (de vídeo). Eles acham que a referência de tudo é o WhatsApp, é o amigo. Então, a fake news veio alertar ; e é bom esse risco ; que a coisa não é bem assim. A gente também vê muito jovem, muita gente saindo de Facebook, Instagram, pois não tem checagem, colocam o que querem, manipulam o que querem.
Em alguns livros e entrevistas, a senhora menciona a snack culture (consumo de entretenimento rápido e sem profundidade) e a era das "informações em cascata, como se a todo instante estivéssemos descascando uma cebola". Até que, em Como sair das bolhas, a senhora cita que o livro serviu como um processo de amadurecimento e desaceleração. Isso foi, na verdade, uma necessidade de repensar e reavaliar o processo digital de forma pessoal e profissional?
Em relação ao jornalismo digital, desde que eu comecei a pesquisar o assunto, eu sempre fui crítica no sentido de que a vida não é só aquela tela ali. Eu sempre fui desse movimento. Essa metáfora da cebola é incômoda. Não é uma coisa boa. Puxa, eu tenho de dar conta de tanta coisa e é tudo acelerado, eu não durmo. Eu tinha esse incômodo. Quando eu fui para a universidade no interior (de Portugal), eu me propus a parar para escrever sem ruído. E daí deu supercerto. Acabou casando isso. Se não desacelerar, a gente vai continuar compartilhando fake news, porque o tempo do dedo é mais rápido do que o do cérebro. Então, foi um casamento feliz. Não premeditei isso. A (vida na) cidade que me acolheu era lenta, e isso ajudou muito. A gente tem de ver uma saída. A fake news já é o problema. A gente tem de pensar em soluções.
E uma dessas soluções passa pelas agências de checagem?
Eu acho que elas vão crescer e, cada vez mais, vão ter espaço nas redações. Eu acho que é um movimento sem volta. Inclusive o trabalho delas não vai diminuir porque passou a eleição. Tem até a questão das marcas. Até o jornalismo organizacional e corporativo precisará de um núcleo, uma agência de checagem, dentro da comunicação interna. Vieram mesmo para ficar.