Holofote

Seguro, Fernando Haddad mostra mira certeira para diversos assuntos

Candidato à Presidência nas últimas eleições acertou "Na mosca" cinco de nove checagens feitas pelo Holofote. Mas errou ao comentar dado específico sobre a miséria no país

Da Equipe Holofote
postado em 26/04/2019 16:30
Fernando Haddad no CB.Poder
Ex-prefeito de São Paulo, ex-ministro da Educação e candidato a presidente da República nas últimas eleições, Fernando Haddad (PT) é um dos porta-vozes da oposição ao governo federal. Seis meses após a derrota nas urnas para Jair Bolsonaro, o advogado e professor participou do CB.Poder, parceria do Correio Braziliense com a TV Brasília, e fez um balanço da campanha presidencial.

No programa transmitido ao vivo pelas redes sociais do Correio na quinta-feira, (25/4), Haddad também comentou diversos assuntos, de reforma da Previdência a emprego, de violência à Venezuela.

Confira a checagem do Holofote:


"O país está com um problema de desemprego. Tivemos a última notícia do Caged, do antigo Ministério do Trabalho, agora Ministério da Economia, que soltou os dados de 43 mil postos de trabalho a menos"

NA MOSCA

Dados divulgados na quinta-feira (24/4) pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), da Secretaria de Trabalho do Ministério da Economia, confirmam o número apresentado pelo ex-candidato à Presidência da República nas últimas eleições. Segundo levantamento, em março, o mercado formal de empregos fechou mais de 43 mil postos de trabalho. No entanto, mesmo com saldo negativo, no acumulado do ano, o resultado é positivo em mais de 179 mil vagas formais de trabalho.

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"A gasolina já subiu 30%; o diesel já subiu 24% este ano, no governo Bolsonaro"

QUASE LÁ

Haddad não especificou se a informação era sobre o preço das refinarias, de distribuição (que soma os gastos com transporte) ou de revenda para o consumidor (que varia bastante com o estado e até mesmo cidade). A conta com o preço das refinarias parece a mais adequada, já que é o preço controlado e reajustado pela estatal Petrobras.

Se considerados os preços dos combustíveis na refinaria, ou seja, antes de ser distribuído e vendido ao consumidor, Haddad, então, chegou bem perto. A gasolina passou de R$ 1,5087, em 1; de janeiro, para R$ 1,975, na última terça-feira (23/4). É um aumento de 30,91%. Já o preço do diesel, ainda nas refinarias, subiu de R$ 1,8545, no primeiro dia do ano, para R$ 2,2470, também na terça. Aqui, o ex-prefeito de São Paulo quase acertou: a diferença é de 21,16%, e não de 24%.

A título de curiosidade, se forem levados em consideração os preços repassados ao consumidor, os números seriam bem menores. A gasolina passou de R$ 4,33 na média dos postos no país (no período de 30/12 a 5/1) para R$ 4,428, e também na média nacional, na semana de 14 a 20 de abril. Ou seja, um aumento de 2,26%. Para o diesel que chega ao motorista nos postos, o aumento foi de 2,92%: de R$ 3,4945 na primeira semana do mês (já citada acima) para R$ 3,5945.

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"Eu já peguei vários recortes de pesquisas muito bem-feitas. E você vê que o público evangélico foi decisivo na eleição do Bolsonaro. E foi muito influenciado por fake news"

NA MOSCA

De fato, os evangélicos tiveram papel decisivo na balança eleitoral em favor de Jair Bolsonaro (PSL). Um dos estudos mais detalhados e capazes de comprovar tal tese foi feito por José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE/IBGE).

Em artigo publicado no site EcoDebate, em 31 de outubro de 2018, o especialista crava, ao apresentar um estudo elaborado com base em pesquisas eleitorais, censo demográfico e dados do TSE:

"Se existe dúvida sobre a fé do novo presidente brasileiro, os resultados eleitorais não deixam dúvida de que Jair Bolsonaro foi eleito, fundamentalmente, com o voto evangélico, quando se considera a variável religião"

A informação completa pode ser conferida aqui. O artigo de José Eustáquio também foi republicada pelo site do Instituto Humanitas, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), em São Leopoldo (RS).

Além disso, reportagem da BBC Brasil, de 23 de outubro de 2018, reforça que "segundo pesquisa Datafolha de quinta-feira, 71% dos evangélicos do país declaram voto em Jair Bolsonaro no segundo turno. Ele vence com folga em todos os subgrupos ; evangélicos tradicionais, pentecostais, neopentecostais e outros setores."

Da frase completa de Haddad, no entanto, vale a ressalva de que a última parte ; "E (o público evangélico) foi muito influenciado por fake news" ; se trata de opinião. Não há possibilidade de comprovar até que ponto as notícias falsas determinaram a escolha dos evangélicos por Bolsonaro. Isso está detalhado no site do Holofote, na seção "Como checamos".

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"As pessoas se esquecem. O Lula fez uma reforma da Previdência com os sindicatos. A Dilma fez a reforma da Previdência sentada com os sindicatos"

CALMA AÍ

Em 2003, o então presidente Lula, de fato, aprovou uma reforma da Previdência, uma experiência conturbada durante o primeiro ano de governo do petista. Ele encontrou resistência para aprovar o projeto dentro do próprio partido, com os movimentos sociais e com os sindicatos. O principal "alvo" da reforma foram os servidores públicos, e os sindicatos dessa categoria protestaram.

A CUT, por exemplo, continuou apoiando o presidente recém-eleito e até perdeu alguns associados por causa do projeto de Previdência, como o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes), que era contra a reforma. Uma mudança na faixa de isenção de cobrança previdenciária dos servidores inativos foi feita para atender pedidos da CUT, que levava sindicalistas à comissão especial da Câmara durante a tramitação. Após meses de negociação, o governo Lula costurou um acordo aprovado no Congresso ; com o apoio, inclusive, do PSDB e do PFL (hoje DEM). No entanto, com o escândalo do mensalão, a lei não foi regulamentada.

Ainda no primeiro mandato, ao tentar retomar o projeto de Lula, Dilma encontrou resistência dos sindicatos e de alas do PT. Uma nota do PSTU, partido de esquerda radical, cita que sindicatos se reuniram em Brasília para "unificar a luta dos trabalhadores contra os ataques do governo Dilma". Já um texto de março de 2011, do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, alega que o governo negociava com "centrais pelegas, como a CUT e a Força Sindical, para impor o Fator 95/85", indicando que a então presidente, de fato, negociou com alguns setores sindicais.

Em 2015, quando o assunto estava novamente em pauta, Dilma Rousseff encontrou resistência em diversos sindicatos, que pressionavam para que a presidente não vetasse a mudança no fator previdenciário aprovada pelo Congresso. Após escalar os ministros Carlos Gabas (Previdência Social) e Miguel Rossetto, a petista contrariou os interesses sindicais e vetou a medida. A Força Sindical, em nota, afirmou que o governo virou as costas "para as demandas e anseios dos trabalhadores". Tudo isso foi relatado em matéria do G1.

Em resumo: a relação de Lula e Dilma com os sindicatos não foi muito boa nem tão próxima. Os presidentes, realmente, conversaram com representantes sindicais, mas as propostas finais ficaram longe de agradar e não atenderam às demandas.

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"Nós conseguimos superar isso, a muito custo, com política de valorização do salário mínimo, com a Constituição de 88... Você não tem mais idosos miseráveis no Brasil"

PISOU NA BOLA

Ao desprezar a mínima porcentagem de idosos miseráveis o Brasil, Haddad errou ao não levar em conta os dados mais recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo o levantamento, 1% dos idosos brasileiros vive na miséria.

Apesar de aparentemente baixo, o índice, em um país com 30 milhões de pessoas com mais de 60 anos, segundo a Pnad, representa 300 mil idosos em situação de miséria.

No entanto, vale destacar a queda no total de pessoas mais velhas na miséria desde 1995. Antes da criação do Benefício de Prestação Continuada (BPC), salário mínimo concedido pelo governo a idosos e pessoas com deficiência física ou mental, o índice de idosos miseráveis no Brasil era de 12,6%.

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"Você tem 8% de resolução de homicídio no Brasil. No mundo desenvolvido, esse índice é superior a 50% de resolução de homicídio"

NA MOSCA

Reportagem da Gazeta do Povo aprofunda, com diversas fontes, a questão dos homicídios no Brasil e nos países desenvolvidos. A matéria, de setembro de 2018, aponta que "a baixíssima taxa de resolução de homicídios por parte das polícias no país, hoje estimada em torno de 5% a 8% nacionalmente, favorece a perpetuação do ciclo criminalidade."

A reportagem crava, inclusive, a porcentagem de 8% dita por Haddad, creditando-a ao sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, coordenador do Mapa da Violência.

Quanto aos dados de países desenvolvidos, mais uma vez, o ex-prefeito de São Paulo informou o dado correto. A mesma reportagem da Gazeta do Povo recorreu ao mais recente estudo do Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crime (UNODC) para mostrar que, de fato, o índice de elucidação de homicídios nos países desenvolvidos passa dos 50%:

"Na Noruega, por exemplo, a resolução de homicídios bateu em 97% em 2016. (...) Os números permanecem elevados no Reino Unido (cerca de 90%), na França (em torno de 80%) e na Austrália (próximo de 75%). Nos Estados Unidos, que ostentam números acima da média de homicídios entre países desenvolvidos, a taxa de resolução é menor, mas ainda assim supera a média das Américas ; segundo o FBI, em 2016 foram solucionados 59,4% dos casos com vítimas fatais ao redor do país."

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"Nós já demos demonstração, no governo Lula, de como fazer. Quando o Chávez enfrentou a crise, em 2003, o Lula e o Bush fizeram um acordo em torno da questão da Venezuela, compuseram o grupo de amigos da Venezuela, cercaram a Venezuela de cuidados para que saísse da crise institucional, garantindo os contratos, garantindo os direitos, garantindo as relações internacionais"

NA MOSCA

O Brasil, por meio do então presidente Lula, realmente, criou mecanismos para facilitar diálogos sobre soluções para crises na Venezuela, envolvendo George W. Bush. Na ocasião, foi criado o chamado "Grupo de Amigos da Mesa de Facilitação da Venezuela", com a presença do Brasil, dos Estados Unidos, da Espanha, do Chile, México e Portugal. O grupo foi criado após uma reunião em Quito, em janeiro de 2003, por meio de uma iniciativa proposta pelo Brasil para ajudar a OEA (Organização dos Estados Americanos).

Nos encontros mais relevantes, representantes dos países do grupo aconselharam Hugo Chávez a aceitar a proposta apresentada pelo ex-presidente americano Jimmy Carter de dar fim à greve nacional dos petroleiros do país, que abalava a economia. Em fevereiro daquele ano, um mês após a criação do grupo, a paralisação acabou. Esse foi um dos resultados mais importantes do grupo, que também teve outros avanços menores em seus últimos atos, como explicou, em artigo científico Jennifer McCoy, professora de Ciência Política da Georgia State University, em 2005.
"No acordo final, firmado em maio de 2003 sob os auspícios da Organização dos Estados Americanos (OEA) e em meio a pressões internacionais, os dois lados concordaram em que um referendo poderia ajudar a debelar a crise, mas não chegaram a um consenso sobre o calendário e os procedimentos para a sua realização. O acordo meramente reconhecia o direito à petição de um referendo revogatório: não garantia sua efetivação nem endossava a proposta de Carter. Entretanto, mencionava o compromisso com a não-violência e os direitos humanos e admitia a oferta de apoio técnico e outras formas de assistência da OEA, do Carter Center e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)".

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"Você lembra do (Henrique) Capriles? Sabe o que o Capriles falava? ;Eu queria ter um Lula na Venezuela;. Isso ele falava publicamente. Ele falava, inclusive, que queria ser o Lula na Venezuela ao criticar o Chávez. Nós (PT) éramos referência"

QUASE LÁ

Henrique Capriles é um dos principais nomes da oposição na Venezuela. Conseguiu votações expressivas nas derrotas eleitorais para Hugo Chávez (44,97%, em 2012) e Nicolás Maduro (49,07%, em 2013) e, de fato, tem o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva como inspiração e referência.

Em entrevista ao portal IG, em fevereiro de 2012, Capriles disse:

"Admiro os presidentes Lula e Nelson Mandela. Lula por toda a transformação que sua gestão fez no Brasil, pelo modelo socioeconômico de seu governo e por suas relações com outros países"

No entanto, a frase "Eu queria ter um Lula na Venezuela" atribuída por Haddad a Capriles, não foi localizada em pesquisas realizadas pelo Holofote.

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"Somente dois países no mundo ; Estados Unidos e Guatemala ; mudaram a embaixada para Jerusalém"

NA MOSCA

Os Estados Unidos e a Guatemala, realmente, foram os primeiros países a mudarem suas embaixadas para Jerusalém e os únicos que ainda as mantêm. Isso porque o Paraguai, que foi o terceiro, em maio de 2018, reverteu a decisão três meses depois, logo que Mario Abdo Benítez assumiu como presidente.


Checagem de Alan Rios (Especial para o Correio), Ana Carolina Fonseca e Guilherme Goulart, com colaboração de Roberto Fonseca.

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