Holofote

Lucidez histórica e análise acurada de FHC marcam checagem do Holofote

Aos 87 anos, o ex-presidente da República acertou 'Na mosca' cinco de seis verificações. Houve apenas um tropeço

Guilherme Goulart
postado em 02/05/2019 16:04
Fernando Henrique CardosoO ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso, 87 anos, comandou o Brasil de 1995 a 2002. Foi no governo dele que o Plano Real estabilizou a economia, e o país passou a vivenciar, pela primeira vez desde a redemocratização, o controle da inflação. Dezessete anos após deixar o poder, FHC segue como referência política no Brasil e no exterior. O tom moderador e equilibrado, além da lucidez na análise do atual contexto histórico brasileiro ; conferida também pelos frequentes tuítes ; marcaram a entrevista dada ao jornalista Roberto D;Ávila, na Globo News. O programa foi ao ar na segunda-feira (29/4).
Confira a checagem do Holofote:

"Como você pode ser contra a diversidade em um país como o Brasil, que nasceu da diversidade? Primeiro, a floresta, que é diversa. Segundo, os povos que vieram para cá. Tem gente de todo o lado"

NA MOSCA

De fato, a população brasileira é formada por diversas raças. Dos índios que habitavam a região na chegada dos portugueses, passando pela escravidão de povos africanos e chegando às correntes migratórias de europeus e asiáticos no fim do século 19 e na primeira metade do século XX, o Brasil se tornou um dos países mais miscigenados no mundo.

Além disso, o país abriga a Floresta Amazônica, a maior floresta tropical do planeta em extensão. Trata-se também da maior reserva de biodiversidade do mundo, com mais de 30 mil espécies de plantas e 2 milhões de espécies animais.

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"Em 1964, havia a subversão. Havia o comunismo, realmente. Havia a União Soviética. Cuba tinha uma influência prática nos anos posteriores. Então, tinha uma realidade"

QUASE LÁ

A análise histórica feita por FHC precisa ser contextualizada a partir da Guerra Fria. O período pós-Segunda Guerra Mundial (1939-1945) colocou os Estados Unidos e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) em lados opostos e impôs tensão ao mundo até 1991. O auge da Guerra Fria ocorreu em 1962, quando a União Soviética decidiu instalar secretamente em Cuba mísseis que poderiam atingir os Estados Unidos.

No caso da América Latina, a Revolução Cubana, em 1959, fez do país liderado por Fidel Castro uma referência de luta armada na região. Para os EUA, a situação serviu como argumento frequente de ameaça e infuência soviéticas nos países latino-americanos. Além disso, inspirou diversas teorias conspiratórias, denúncias de espionagem e guerra de poderes.

Em artigo, Jean Rodrigues Sales, professor da graduação e mestrado em história da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, aborda o impacto da Revolução Cubana na esquerda brasileira nas décadas de 1960 e 1970:

"Nesse caminho, tomamos a influência da revolução cubana como um dos elementos que caracterizaram as definições políticas e ideológicas da esquerda brasileira nos anos 1960. Seja pelo apoio e filiação a muitos aspectos do projeto revolucionário cubano (caso da Nova Esquerda), seja pela crítica à aspiração cubana de irradiar seu modelo revolucionário para o continente (como pode se ver nos casos do Partido Comunista Brasileiro ; PCB ; e do Partido Comunista do Brasil ; PCdoB ;), seja ainda pela tentava de adequar o foquismo à realidade brasileira (como foi o caso de muitas organizações da esquerda revolucionária após o golpe militar de 1964). Em todos os casos, a discussão em torno do significado da revolução cubana aparece como um problema fundamental para a definição de sua identidade política"

Ainda assim, apesar das tensões entre EUA e URSS, diversos historiadores colocam em xeque o principal argumento militar para o golpe de 1964: de que havia uma ameaça comunista no Brasil.

Em entrevista ao Pública, agência de jornalismo investigativo, o historiador Rodrigo Patto Sá Motta, doutor em história pela USP e professor do Departamento de História da UFMG, analisa a exploração da "ameaça comunista" como forma de legitimar golpes e manipular a opinião pública. Confira a íntegra aqui, mas vale destacar esse trecho da conversa:

"Os discursos centrais que sustentaram a intervenção militar em 1964 foram calcados no anticomunismo, essa foi a linguagem dominante do golpe. Porém, o alvo era a esquerda de uma maneira geral, bem como as lideranças sociais que demandavam reformas. O uso do anticomunismo, tal como hoje, devia-se à força de uma tradição que já demonstrara grande potencial de mobilização (como em 1935-37 e 1946-48). Então, era mais conveniente fazer campanha contra os comunistas e os ;vermelhos; do que dizer que o governo João Goulart era considerado ameaçador por outras razões, menos ;dramáticas;".

Reportagem da revista SuperInteressante, por exemplo, trata como mito a história de que o Exército impediu a ascensão comunista no Brasil:
"Embora a revolução cubana e a figura romântica de Che Guevara pudessem inspirar jovens idealistas, a luta armada estava fora dos planos das esquerdas brasileiras"

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"Eu gosto muito de usar o que está na Bíblia, né? No começo, era o verbo, é a palavra"

NA MOSCA

A frase "no princípio, era o verbo", aparece como abertura do evangelho de João. Em algumas traduções, o "verbo" é traduzido como "palavra". A interpretação geral é de que Jesus é o verbo, a palavra.

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"Sabe o que quer dizer entusiasmar, etimologicamente? ;Theos; é Deus. É colocar o Deus no coração. Ter crença"

NA MOSCA

FHC está correto. O termo de origem grega "é composto por ;en; (dentro) %2b ;theos; (deus), mais a terminação ;asmos;, presente em outras palavras como ;marasmo; e ;pleonasmo;." Mais detalhes aqui.

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"(A reforma da Previdência) vem de longe, né? Já no meu tempo, eu queria a idade mínima, perdeu por um voto. O que foi feito? Fator previdenciário, que foi um remendo. Então, você vê que há um descompasso"

NA MOSCA

FHC precisou digerir uma derrota inusitada em 1998 durante a votação da reforma da Previdência no Congresso Nacional. O governo perdeu por um voto por causa de um erro de digitação do então deputado federal Antonio Kandir (PSDB-SP), ex-ministro do Planejamento, que registrou "abstenção" e não corrigiu o erro até o fim da votação. Com isso, "foi retirado do texto da emenda o dispositivo que instituía a idade mínima para a aposentadoria nas regras permanentes da reforma", como detalhou reportagem da Folha de S. Paulo à época:

"O placar registrou 307 votos a favor do governo, 148 contra e 11 abstenções. Era necessário o número mínimo de 308 votos para manter o dispositivo da idade mínima."

Para contornar a falha, o governo de Fernando Henrique Cardoso criou o fator previdenciário, reduzindo o valor dos benefícios de quem se aposentava mais cedo.

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"Uma das coisas que alguns militares nunca me perdoaram foi porque, no meu governo, nós acabamos com a promoção automática quando vai para a reserva. Não é justo"

NA MOSCA

De fato, a Medida Provisória n; 2.215, de 2001, cortou alguns privilégios dos militares. Além de acabar com a promoção automática para quem entra na reserva, a MP do ex-presidente da República revogou o auxílio-moradia e a licença especial e adicional de inatividade. A norma, no entanto, também também criou a gratificação por localidade especial, paga ao serviço prestado em regiões inóspitas.

A íntegra da MP pode ser conferida aqui.

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