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Entrevista: Christophe Beney e Michel Minnig - "A presença dos brasileiros foi chave"

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postado em 11/02/2008 08:00
O chefe da delegação do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) na Colômbia, o suíço Christophe Beney, está convencido de que os helicópteros brasileiros ; e os militares que formaram a tripulação ; tiveram importância chave para o sucesso da missão que recebeu na semana passada seis reféns em poder das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Tanto que Beney está no Brasil para agradecer formalmente ao governo, e para deixar um convite: se novas operações forem acertadas com as partes do conflito colombiano, "vamos mais uma vez importunar o Brasil para que ajude". Beney acompanhou de perto a missão na selva colombiana, quase interrompida logo no iníciio por um incidente envolvendo aviões militares. Viu-se na posição de "puxar as orelhas" das duas partes para garantir a libertação dos reféns ; "isso era o principal" ; e capitaliza agora o ganho de confiança junto ao governo e ao Exército. Hoje, ele e o representante do CICV no Brasil, o também suíço Michel Minnig, serão recebidos pelo assessor do presidente Lula para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia. Ontem, pouco antes de um encontro com o secretário-geral do Itamaraty, embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, Beney e Minnig falaram ao Correio sobre a tensa missão na Colômbia e sobre a experiência, ainda inicial, de ações humanitárias nas favelas do Rio de Janeiro, onde avaliam que não há um conflito armado "formal", mas um nível elevado de "violência organizada" que vitimiza a população civil. Que avaliação o CICV faz desse processo de libertação dos reféns? Beney ; Em primeiro lugar, foi uma operação muito positiva, afinal seis pessoas que foram reféns por períodos de dois a sete anos estão de volta a suas casas e suas famílias ; isso é o mais importante. O segundo ponto a ressaltar é que a relação que tivemos com o pessoal brasileiro foi a chave para o sucesso da operação. Quando tivemos a primeira notícia de que as Farc iam soltar reféns, os representantes da guerrilha, a senadora Piedad Córdoba e o governo entraram em negociação sobre de onde viria o apoio logístico. Uma parte queria a Venezuela, como da vez anterior, e o governo queria logística colombiana. Então, decidiu-se deixar que o CICV escolhesse um país vizinho. Fizemos contatos nas embaixadas e rapidamente percebemos que, apesar do interesse de outros países, optamos pelo Brasil pela proximidade, pela vontade demonstrada. E foi bastante fácil acertar as coisas para que o Brasil fosse escolhido. Isso foi negociado em Bogotá ou também em Brasília? Beney ; Fizemos contato com o embaixador brasileiro, no início de janeiro, e depois, naturalmente, o assunto foi trazido para o Itamaraty. Minnig ; A gente expôs os preparativos para a operação, e teve depois um contato com a Presidência para ter uma posição oficial. E a resposta veio no dia seguinte. Isso também, foi chave, porque quando a gente do CICV trabalha nesse tipo de operação, precisa ter uma ideia sobre todos os elementos envolvidos quanto mais rápido possível, para podermos avisar ao pessoal no terreno. Como você sabe, tem uma porção de detalhes técnicos e precisamos ter uma imagem clara da situação. A presença dos militares brasileiros foi especialmente crítica no domingo, quando houve sobrevoos militares na área do resgate e as Farc quase suspenderam a libertação. Como foi isso? Minnig ; A situação foi superada muito rapidamente, na base da nossa política de discrição, de conversar com todos. Mas foi uma pequena complicação. Beney ; Na Colômbia, temos uma relação de muitos anos com o governo e as Farc. A gente tem que compreender que é uma situação muito sensível, uma situação política em que cada um procura tirar vantagens e, obviamente, esse foi um dos fatores nessa situação de tensão. A presença dos brasileiros aí foi chave porque eles sempre mantiveram e demonstraram a mesma disposição nossa de completar a operação humanitária ; nunca houve uma pressão, por exemplo, no sentido de que tínhamos de sair para não voltarmos de noite. E isso permitiu que a tensão baixasse. Subiram guerrilheiros a bordo do helicóptero brasileiro, não? Minnig ; É, houve um momento em que foi preciso que a missão se deslocasse (na selva), mas não há problema de que subam guerrilheiros desarmados%u2026 Porque da última vez que um deles subiu em um helicóptero da Cruz Vermelha, era na verdade a operação do Exército que resgatou Ingrid Betancourt%u2026 Beney ; Dessa vez, a confiança já estava estabelecida, as Farc sabiam que aquele era helicóptero era brasileiro, com o pessoal do CICV e da missão humanitária, não tinha nada a ver com aquela operação. Mas claro que aquela experiência do resgate militar, em julho, não ajudou a cultivar a confiança. Nós trabalhamos durante todo o segundo semestre de 2008 para que as Farc e outros grupos armados mantenham a confiança no CICV, inclusive para que isso não coloque sob ameaça o nosso pessoal nas comunidades que ajudamos. Mas é verdade, não temos de esconder nada: essa agora no domingo foi uma situação delicada e, mais uma vez, a atuação dos brasileiros e a nossa permitiu contornar a tensão que estava subindo. Melhorou o grau de confiança entre as partes, Farc e governo? Podemos esperar mais avanços? Beney ; É cedo para ver%u2026 Nosso papel é esse de ajudar a desenvolver a confiança, para assegurar que iniciativas humanitárias tomadas de um e outro lado possam produzir uma melhora na situação das vítimas do conflito armado. Nosso papel não é nos metermos nessas negociações, mas ajudar a estabelecer essa confiança. Vamos estar à disposição sempre, se amanhã as duas partes estiverem dispostas a uma iniciativa assim%u2026 aí, talvez a gente venha mais uma vez "importunar" o governo brasileiro para que ajude. Minnig ; Sim, e o sucesso desse tipo de operação depende mesmo de uma negociação política, sem dúvida. Apesar da nossa posição, de que nunca vamos aceitar o sequestro, sabemos que isso tem de ser resolvido por negociações entre as partes. É um acordo humanitário para ser implementado com a ajuda do Brasil. Por aqui, temos tido menos notícias do conflito na Colômbia. Pela atuação cotidiana, qual é a impressão de vocês? Beney ; O conflito continua, evolui todos os dias, a situação melhora em uma parte do país, em outras continua muito complicada. Não é porque chegam menos notícias que o conflito acabou: ele continua, e essa atividade ratifica a vontade da nossa organização de assistir todas as vítimas do conflito. O deslocamento de população segue muito elevado, existe o problema das minas terrestres, há comunidades que não foram deslocadas mas estão sem serviços públicos por causa da situação de conflito. O número de vítimas é muito elevado e existe um papel a ser cumprido pelas organizações humanitárias. Aqui no Brasil, fora essa participação extraordinária na Colômbia, qual é o principal foco de atuação do CICV? Minnig ; São dois eixos de trabalho no Brasil. Um tem a ver com a promoção das normas do direito internacional destinadas a proteger as pessoas numa situação de violência. Quando a gente fala de conflito armado, fala do Direito Internacional Humanitário. A gente trabalha com as Forças Armadas ; é um trabalho preventivo, porque, como vocês sabem, não existe uma situação de conflito armado no Brasil, e tomara que não venha a existir. E hoje a gente trabalha também para aliviar o sofrimento das pessoas em comunidades carentes do Rio de Janeiro. Embora não exista lá uma situação caracterizada de conflito armado, segundo a nossa leitura jurídica, existe uma situação de violência com consequências humanitárias bastante preocupantes ;não apenas para os moradores das favelas, mas de toda a cidade. A gente trabalha nas favelas, em conjunto com a Cruz Vermelha Brasileira, para melhorar um pouco a situação sanitária e tentar diminuir um pouco os níveis de violência. E a gente vai desenvolver nos próximos meses uma atividade nas prisões, vai fazer uma avaliação e possivelmente vai propor algum tipo de ação conjunta com as autoridades para melhorar as condições carcerárias. Esse trabalho nas comunidades e nas prisões é um modelo clássico do CICV onde existem condições de conflito armado ; que não é o caso no Rio ;, mas é também quando existem condições de violência. A cooperação com as autoridades é chave para essas atividades, e nós temos no Rio uma cooperação com o setor policial, de uma parte para incorporar essas normas do direito que têm a ver com o uso da força, mas também para que eles apoiem a nossa atividade, ou melhor, permitam a nossa presença nas favelas. A experiência na Colômbia tem alguma utilidade nessas negociações no Rio, já que temos também grupos armados irregulares que controlam comunidades, as forças do Estado tentando intervir e a população no meio? Beney ; É sempre perigoso comparar as situações, mas sem dúvida existe no Rio uma situação de violência organizada. O número de essoas mortas, inclusive nas fileiras da instituição policial, é muito grande. Minnig ; E a atuação do CICV é para mitigar essa situação, mas é verdade que essa é uma situação complexa. Quando a gente vai às favelas, a gente vai com o emblema da Cruz Vermelha, para identificação, para que todas as pessoas presentes lá respeitem o nosso trabalho humanitário. Porque não é uma situação fácil ; para ninguém. Beney ; O emblema da Cruz Vermelha ajuda, para a identificação e o respeito, mas é claro que a experiência que um delegado do CICV tem em outros países, de atuação em situações delicadas, agrega um valor. Temos experiência nesse tipo de trabalho. Minnig ; O colete (com o emblema) é o mesmo, a finalidade é a mesma, a complexidade da situação também existe. O importante é que todos, no contexto do Rio, mas também no nosso contato com as autoridades em Brasília, compreendem a nossa finalidade, os nossos limites e a necessidade de termos a confiança de todos.

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