postado em 01/06/2008 09:50
Com a mesma força do terremoto que devastou a província de Sichuan, em 12 de maio último, os chineses prometem se reerguer e realizar os Jogos Olímpicos de Pequim, em agosto. A economia em leve desaquecimento, a poluição atmosférica em níveis alarmantes e as recentes acusações de violação aos direitos humanos no Tibete não devem ser obstáculos à organização do maior evento esportivo do planeta. Mas a África do Sul, embora restem dois anos até a Copa do Mundo de 2010, tem missão mais árdua que a da China.
A nação mais desenvolvida do continente africano carrega o estigma da intolerância e da crueldade para com os estrangeiros: em 20 dias, a onda de violência xenofóbica deixou 56 mortos e expulsou 100 mil pessoas de casa. Para especialistas, o fenômeno já bastaria para inviabilizar a África do Sul como sede do torneio de futebol. Mas o país enfrenta outros desafios, incluindo a inflação galopante, a escassez energética que ameaça deixar estádios no escuro, a impopularidade do presidente Thabo Mbeki e a criminalidade. Perder o direito de sediar a Copa do Mundo seria mais lenha na fogueira da crise.
A chinesa Zhang Yun, de 41 anos, alerta os incrédulos sobre o espírito de sabedoria e superação de seu povo. ;A China é muito formidável, tem uma força fora do comum e nosso governo goza de sabedoria;, opina. Segundo ela, as Olimpíadas permitirão ao mundo compreender o país. ;Já enfrentamos inúmeros desastres e podemos passar por mais esse;, disse Zhang, referindo-se ao sismo que matou mais de 70 mil.
Em entrevista ao Correio, o historiador chinês Yong Chen, pós-doutor pela Universidade de Cornell (Estados Unidos), admitiu que o terremoto reduzirá o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em até 5 pontos percentuais, mas não afetará as Olimpíadas. ;A economia permanece sólida, apesar de setores fragilizados, como o financeiro e o imobiliário, e da clara reversão na tendência de crescimento;, analisou. O estudioso concorda com Zhang Yun e aposta que os Jogos Olímpicos serão um divisor de águas para o país de 1,2 bilhão de habitantes. ;Um evento bem-sucedido impulsionará a confiança dos chineses e do resto do mundo no futuro da China.;
A 66 dias do início dos Jogos Olímpicos, Pequim já investiu US$ 36,3 bilhões e espera receber meio milhão de estrangeiros. Pelo menos 37 das 45 praças esportivas ; entre ginásios, estádios e complexos aquáticos ; já estão prontas para receber os atletas. O vice-presidente do Comitê Organizador, Liu Jingming, revelou que 44 simulações de eventos esportivos foram realizadas com sucesso. O Estádio Nacional promete ser o símbolo das Olimpíadas, graças à arquitetura arrojada que lhe conferiu o apelido de ;ninho de pássaro;. A obra tem capacidade para 90 mil espectadores, foi inaugurada em março e custou US$ 500 milhões.
De acordo com o australiano Richard Cashman, ex-diretor do Centro para Estudos Olímpicos da Universidade de Nova Gales do Sul, a realização de uma Olimpíada impressionante vai ofuscar as críticas às violações no Tibete. ;Os organizadores pretendem fornecer boas histórias para a mídia e impulsionar a moral da população após o terremoto;, comentou. ;Os Jogos são um assunto de orgulho nacional e seu simbolismo é muito importante. A China diz ao mundo que chegou como grande potência, que será ainda mais influente no futuro e um bom cidadão global.;
Xenofobia x futebol
Aplacar a fúria de moradores da periferia contra os estrangeiros é a máxima prioridade do governo sul-africano. Segundo o cientista político Pieter Fourie, da Universidade de Johannesburgo, a transferência da Copa do Mundo 2010 para outro país representaria o desperdício de bilhões de dólares em investimentos na infra-estrutura e provocaria um verdadeiro êxodo.
;Perder o evento afetaria negativamente nossas avaliações de crédito junto a instituições financeiras internacionais, o que levaria muitas pessoas a abandonarem a África do Sul;, comentou o especialista, que não descarta a possibilidade. ;Se os sul-africanos continuarem matando estrangeiros, então deveremos perder a Copa, e isso vai arruinar várias empresas;, previu.
Mesmo com a xenofobia no topo da agenda, a África do Sul corre contra o tempo para receber o principal torneio do futebol mundial. Em Gauteng, a mais importante província ; responsável por 40% do Produto Interno Bruto (PIB) do país e por 9% de todo o continente ;, os preparativos começaram com a completa reforma do aeroporto internacional e de dois estádios. ;A Copa está impulsionando a indústria da construção civil. O problema é que os projetos se tornam onerosos, com o aumento nos preços de energia e do petróleo;, afirmou Fourie. ;Essas dificuldades econômicas agravam o ódio contra os estrangeiros.;
Johannesburgo, capital financeira da África do Sul e da província de Gauteng, tem o desafio de melhorar a infra-estrutura em energia e o transporte público. ;Estou preocupado com a crise energética: o suprimento de eletricidade está gravemente afetado;, alertou o professor sul-africano. Os apagões têm sido quase diários, com uma duração média de duas horas, prejudicando indústria, comércio ; que teima em funcionar mesmo no escuro ; e os cidadãos comuns. Fourie avalia que as obras em alguns estádios estão ligeiramente atrasadas, ainda que dentro do cronograma.
A quantidade de investimentos do governo de Thabo Mbeki se mantém em flutuação, influência direta da inflação. A economia sul-africana desaqueceu no primeiro quadrimestre do ano e acançou no nível mais lento desde 2002. O crescimento anual do PIB se reduziu de 5,1% para 2,1% no mesmo período. A produção mineral desmoronou 22,1% de janeiro a março ; no ano passado, a queda foi de apenas 1,7% no primeiro quadrimestre. É nesse contexto de crise econômica e social que a África do Sul se prepara para a rica festa da solidariedade entre os povos.