postado em 12/06/2008 07:52
Entrevista com Eus J. W. Van Someren
Em entrevista exclusiva ao Correio Braziliense, por e-mail, o cientista Eus Van Someren, do Instituto de Neurociências da Holanda, falou sobre uma descoberta que deve melhorar a vida dos portadores de mal de Alzheimer: o brilho da luz diminui os sintomas da doença em idosos. Segundo Van Someren, pacientes expostos à luz brilhante durante o dia - seja a do Sol ou de lâmpadas fluorescentes - apresentaram uma redução de 5% na deterioração mental. Pelo menos 53% dos idosos tiveram um retrocesso na progressão da perda de habilidades simples para muitas pessoas, como comer, vestir-se e ir ao banheiro.
Como os senhores concluíram que o brilho da luz atrasa a progressão da demência?
É importante, para prevenirmos falsas esperanças, declarar que a demência se mantém em piora progressiva. De qualquer modo, em qualquer ponto durante o tempo no qual acompanhamos os voluntários, aqueles que foram submetidos a condições de luz desempenharam melhor tarefas cognitivas - memória, orientação etc - do que aqueles em condições de placebo. A diferença foi de 5%. Isso não é como uma bala mágica contra o mal de Alzheimer. De qualquer forma, muitos pacientes tentam drogas disponíveis contra sintomas do mal de Alzheimer (inibidores de aceticolinesterase) para obter a mesma diferença. O custo é que muitos sofrem de reações adversas, como náuseas . Não encontramos efeitos indesejáveis em nossos testes. Pelo contrário, as queixas de dores de cabeça, vertigem e constipação foram menos comuns. Mais importante do que isso, sintomas de depressão melhoraram em 19%, e os voluntários mostraram 53% menos declínios rápidos em habilidades funcionais (vestir-se, comer, ir ao banheiro etc). Desse modo, não pensamos que atualmente afetamos o processo da doença.
Qual é a explicação biológica para esse fenômeno?
A ligação biológica está no fato de que a luz atua no relógio biológico do cérebro - que tende estar inativo em idosos com demência. Ao estimular o relógio com a luz, somos mais capazes de regular os ritmos dia-noite (circadianos) no cérebro e no corpo. Pode ser melhor comparar o efeito da seguinte forma: suponhamos que você sofra de mal de Alzheimer, tendo enfrentado uma terrível mudança de agenda de trabalho na semana passada, em um país distante, e você voou de volta muitos fusos horários sem ser capaz de dormir no avião. Seu relógio biológico está uma bagunça e você não funcionaria tão bem. Essa pode ser a situação normal - relacionada ao relógio biológico - para muitos pacientes com mal de Alzheimer. O brilho da luz recupera esse relógio - talvez comparável a não ter viajado ao longo de fusos horários e ter tido uma boa noite de sono. Creio que muitas pessoas reconheceriam essa metáfora.
De que modo a pesquisa foi realizada?
O estudo com 189 pacientes foi controlado a placebo. Instalamos luzes brilhantes no teto de seis asilos e as ligamos diariamente, das 9h às 18h, durante três anos e meio. Em seis outros centros de cuidado de idosos, luzes com efeito placebo foram instaladas : muitas fixas, mas em locais desfavoráveis, mais altos, com menos tubos por local e com filtros ocultos. Em cada asilo, metade dos participantes recebeu melatonina (hormônio produzido pela glândula pineal para regular o sono) antes de se deitarem. A outra metade tomou placebo. Acompanhamos os voluntários por três anos e meio e os avaliamos em várias escalas observacionais.
Quais conclusões da pesquisa mais lhe chamaram a atenção?
Já esperávamos melhorias no sono. Fomos surpreendidos com o efeito favorável na cognição como um todo. Fiquei satisfeito com um forte efeito nos sintomas depressivos e espantado pelo fato de o declínio em habilidades funcionais ter sido muito menos excessivo (53%).
Qual é o papel da melatonina nesse processo de melhoria das condições do paciente?
A melatonina teve principalmente efeitos favoráveis ao sono. Em combinação com a luz, ela também reduziu o comportamento agressivo.
Essa é uma das mais interessantes e promissoras descobertas sobre o mal de Alzheimer?
Isso não é um avanço real no mal de Alzheimer. O declínio ocorre com luz e melatonina. Nós todos aguardamos um progresso real, para paralisar ou prevenir o processo da doença. Até que isso seja alcançado, deveríamos cuidar dos pacientes da melhor forma possível. Dar a eles um ambiente luminoso não é algo oneroso, pois isso se reverterá em uma forte melhoria na qualidade de vida. Por ora, é uma descoberta bem importante.