postado em 14/06/2008 16:10
HAVANA - Ernesto Guevara da Serna, ícone divinizado da esquerda e da rebeldia mundial, o famoso Che, se fosse vivo, completaria neste sábado (14/06) 80 anos. Che é um dos muitos apelidos que teve em seus 39 anos de vida, quando chegou a adotar diferentes rostos e identidades para despistar os serviços de inteligência em suas missões secretas que tinham o objetivo de fazer revolução em outras regiões.
O rosto de Che que Alberto Korda imortalizou na foto mais famosa e reproduzida do mundo é a imagem de um homem vestido com um casaco fechado até o pescoço, tirada em 5 de março de 1960, segundo relatou depois o fotógrafo.
Mil nomes
Mas o porte de guerrilheiro que caracteriza Guevara de 1956 a 1964 é diferente do que de tantas aparências, com ou sem barba, que teve como Ernestito, Teté, Pelao, Chancho, Fuser, Furibundo, Serna, Martín Fierro, Franco-atirador ou outros nomes e apelidos que adotou ou que lhe impuseram antes de chegar à Guatemala, onde o cubano Antonio Ñico López o batizou de "Che".
Em 1964, Che viajou secretamente ao Congo Belga e se incorporou à guerrilha de Patrick Lumumba à frente de uma centena de cubanos com o pseudônimo de Tatu (três, na língua suaíli dos bantos). A luta não prosperou e Che precisou se esconder na Tanzânia, onde ficou vários meses antes de viajar a Praga.
As caras de Che
Seu amigo Fidel Castro enviou a Praga o especialista Luis García Gutiérrez 'Fisín' - atualmente com 85 anos de idade -, o dentista que fez várias transformações no rosto de Che mediante próteses dentárias. Os detalhes das operações foram narrados no recente livro de Físin, La Otra cara del Combate (A outra cara do combate).
O 'uruguaio' Ramón Benítez Fernández, que viajou de Tanzânia a Praga, era um Che corcunda e mais gordinho devido ao colete que usava por baixo da roupa. Sapatos reforçados serviram para dar-lhe maior estatura.
Um corte de cabelo, a falta da barba e lentes grossas mudaram a fisionomia de Guevara, feito que contou com a ajuda de uma prótese dentária, que lhe desfigurava o rosto, dando-lhe uma aparência abobalhada. Com isso, conseguiu deixar a África em segredo.
Ao que tudo indica, a Agência Central de Inteligência (CIA) dos Estados Unidos não conseguiu localizar AMQUACK, o nome assinado por Che. Meses depois, García Gutiérrez foi enviado a Praga para refazer a dentição de Che e acertar outros detalhes, para que o guerrilheiro retornasse discretamente para Cuba e, enfim, participasse da luta guerrilheira na Bolívia.
Em 1966, 'Fisín' precisou ir a Pinar del Río, extremo oeste de Cuba, onde o futuro 'uruguaio' Adolfo González se preparava física e militarmente para se dirigir à Bolívia. A partir de então, Che adotou os nomes de Ramón, Fernando Sacamuelas e Chaco.
Os homens que tinham lutado com Guevara em Cuba e que iriam com ele até a Bolívia não o reconheceram em Pinar del Rio, assim como também não foi reconhecido por seus filhos, então muito pequenos. Che estava um tanto gordo, careca (por depilação) e de lentes, uma figura que em nada se parecia com o Guevara que conheciam.
Os registros de seu diário de 12 de novembro de 1966 afirmam: "Meu cabelo está crescendo, apesar de muito ralo, e as mechas que se tornaram loiras, começam a desaparecer; me nasce a barba. Dentro de poucos meses, voltarei a ser eu".
A história do combatente
Proveniente da classe média, Ernesto Guevara de La Serna nasceu em 14 de junho de 1928 em Rosario, Argentina, e sua vida foi marcada pela asma crônica, que não impediu sua formação como médico.
Amante das viagens, deixou sua casa em 1951 para descobrir o continente ao lado do amigo Alberto Granados numa moto - história retratada no filme Diários da Motocicleta, do brasileiro Walter Salles -, quando tomou contato com a miséria e pobreza na qual vivia grande parte da população latino-americana.
Guevara se formou médico em 1953 e um ano depois foi viver na Guatemala, onde presenciou a derrubada do governo de Jacobo Arbenz por forças apoiadas pelos Estados Unidos. No país conheceu a peruana Hilda Gadea, com quem se casou em 1955 e teve uma filha.
Em setembro de 1954 se mudou para o México, onde, um ano mais tarde, sua vida deu uma guinada ao conhecer Fidel Castro. Com 28 anos, o argentino se uniu ao projeto armado de Fidel e, no final de 1956, desembarcou na ilha ao lado de 80 cubanos para lutar contra o ditador Fulgencio Batista.
Apesar da asma ter dificultado sua presença na campanha em Sierra Maestra, Guevara se tornou um líder guerrilheiro implacável e exigente.
Suas leituras o transformaram em um marxista leninista convencido de que "a esperança" estava em seguir os modelos soviético e chinês.
Havana
Em janeiro de 1959, os guerrilheiros entraram em Havana, depois de derrotar Batista. Sempre em traje de campanha, com sua barba, boina, chimarrão e charutos característicos, Che era a atração dos fotógrafos.
Durante seis meses, Guevara foi comandante militar da fortaleza de Cabaña, onde aconteceram os julgamentos sumários e o fuzilamento de centenas de policiais, militares e pessoas ligadas ao regime de Batista.
Fidel o nomeou, no fim de 1959, presidente do Banco Central e em 1961 ministro das Indústrias. Che também teve papel ativo na instalação de armamento soviético em Cuba em 1962, o que desatou a "crise dos mísseis", que deixou o mundo à beira do cataclismo nuclear com o confronto entre Washington e Moscou.
Com espírito independente, Guevara se distanciou da URSS em um discurso de fevereiro de 1965 em Argel, no qual acusou Moscou de "cumplicidade" com a "exploração imperialista", o que deixou Fidel Castro em uma posição difícil diante do aliado soviético.
Separação
De comum acordo, Fidel e Che deixaram de trabalhar juntos em 1965. Guevara renunciou à nacionalidade cubana e seguiu clandestinamente para o Congo Belga com uma centena de cubanos. Ele deixou na ilha a segunda esposa, Aleida March, e quatro filhos pequenos.
Fidel Castro divulgou uma "carta de despedida" de Che em 3 de outubro de 1965. Um mês e meio depois, Guevara abandonou o Congo após o fracasso retumbante da campanha bélica.
Retornou incógnito a Cuba em 1966 para preparar a guerrilha boliviana e, com o apoio de Fidel, partiu para sua última viagem no fim do ano, com a esperança de fazer a revolução no continente a partir da Bolívia.
Sem apoio popular e encurralado pelo Exército, Guevara foi capturado menos de um ano depois, em 8 de outubro de 1967, e executado no dia seguinte.