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Ingrid é libertada, e Uribe neutraliza oposição

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postado em 03/07/2008 08:51

Na linguagem do futebol, seria um gol de placa, mas Álvaro Uribe preferiu um termo do xadrez para definir seu maior êxito na guerra contra as Farc. O nome de ;xeque; resume os resultados da operação desfechada ontem nas selvas de Guaviare, que durante quatro décadas foram retaguarda segura, corredor de movimentação e área de influência política da guerrilha colombiana. Com um golpe de mestre, Uribe roubou ao adversário o último trunfo em qualquer processo de negociação, humilhou publicamente o novo comandante rebelde, Alfonso Cano, e exibiu mais uma vez a capacidade do Exército para infiltrar agentes e/ou aliciar desertores ; sintoma eloqüente da decomposição de um exército irregular agora desprovido de comunicações e cadeia de comando.

Difícil imaginar cenário mais favorável para um presidente que já havia atingido recorde histórico de aprovação, na casa de 80%, justamente pelas recentes baixas impostas ao alto comando das Farc. A libertação da refém mais ilustre em poder dos rebeldes, ainda por cima, coincide com um momento político delicado para Uribe: na semana passada, a Corte Suprema havia apontado vícios no processo que permitiu a reeleição do mandatário, em 2006. E, nos meses anteriores, um quinto da bancada governista no Congresso havia perdido o mandato por causa de vínculos com os esquadrões paramilitares de direita ; vários ex-parlamentares estão presos.

A cena de Ingrid Betancourt agradecendo publicamente a Uribe e ao Exército, elogiando a excelência de uma operação de resgate à qual sua família se opôs tenazmente por mais de seis anos, dá a dimensão do capital político acumulado pelo presidente. Círculos próximos à ex-refém e defensores de uma solução negociada do conflito afirmaram repetidamente que Uribe preferia Ingrid morta, por doença ou em um ataque militar malsucedido, pois ela seria a única adversária com chances de derrotá-lo nas urnas.

As imagens de colombianos comemorando nas ruas a Operação Xeque
sugerem que o presidente não apenas não tem adversário eleitoral viável. Até a semana passada, uribistas articulavam cuidadosamente uma emenda que permitisse a segunda reeleição, em 2010. Em resposta à Corte Suprema, o próprio Uribe encomendou um referendo, controverso política e juridicamente, destinado a confirmar o mandato conquistado em 2006. Legitimidade já não falta ao chefe de Estado, inclusive para se apresentar novamente dentro de dois anos.

Mais que tudo, o sucesso de uma operação militar concebida e executada com base na informação, sem recurso à força, tende a silenciar os críticos da Segurança Democrática. Embora restem em mãos das Farc 22 militares e três políticos, além de centenas de reféns ;econômicos;, excluídos de qualquer negociação política, a Operação Xeque libertou também Uribe ; dos constrangimentos políticos para seguir com a ofensiva de aniquilação da guerrilha. O presidente poderá levar às últimas conseqüências a máxima com a qual foi eleito e reeleito: senta-se com as Farc para conversar apenas sobre os termos da rendição.

Quanto a Ingrid, que em 2002 fazia campanha para a Presidência com uma plataforma pacifista, parece ter sucesso garantido no retorno à política, a menos que decida enfrentar o presidente que a libertou. Pelo sofrimento pungente ao qual sobreviveu com altivez, desafiando os captores e por mais de uma vez tentando fugir, a ex-senadora conquistou admiração irrestrita. Mais do que qualquer outro dirigente ou agrupamento político, é ela quem pode defender com autoridade o retorno à mesa de negociações com a guerrilha.

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