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Ex-secretário de Segurança de Bogotá dá lições de combate à guerrilha e ao narcotrráfico

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postado em 08/07/2008 09:17
Hugo Acero tem percorrido a América Latina, do México ao Chile, dando consultoria a governos nacionais e autoridades locais sobre o combate à modalidade criminosa que, ele adverte, "está afetando e afetará a segurança pública" em todo o mundo: o narcotráfico. Sociólogo, hoje com 44 anos, ele foi por nove anos (1995 a 2004) secretário de Segurança Cidadã de Bogotá, a capital colombiana. Graças a seu êxito, tornou-se consultor internacional, inclusive para o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

De visita a Brasília para o lançamento do documentário O veneno e o antídoto: uma visão da violência na Colômbia, um projeto desenvolvido com a ONG brasileira AfroReaggae, Acero recebeu o Correio na sede da Unesco em Brasília. Contou como as autoridades municipais, coordenadas com o governo federal e as Forças Militares, romperam o cerco da guerrilha das Farc à capital. E deu conselhos aos colegas brasileiros, em especial no Rio de Janeiro: que troquem as ofensivas policiais pontuais por ações permanentes e integradas, que aproximem a autoridade estatal do cidadão. E, sobretudo, que não vejam as milícias ilegais como aliados, mesmo que temporários, no combate aos traficantes.

Receita cidadã

Bogotá nunca chegou a ser tão violenta quanto Medellín, mas não era a cidade segura de hoje. Como o senhor a encontrou?


Para falar de Bogotá, vamos falar do conflito colombiano e de como a cidade se situava nele. Lá não houve um enfrentamento direto entre frentes das Farc, o Exército, a polícia. Houve escaramuças por perto ; muito perto. Em um município que fica a meia hora do centro, houve um ataque das Farc, aí pelo fim dos anos 1990. E o Exército levou mais de quatro horas para chegar com reforços a uma cidade que ficava a uma distância, em linha reta, de 10km! Isso não acontece mais. Nessa época, Bogotá era uma cidade sitiada, havia várais frentes das Farc ; falam em umas sete ; nos arredores, nos municípios próximos. Um efetivo de não mais que 2 mil ou 3 mil guerrilheiros, mas com um poder de fogo muito grande, distribuídos em unidades pequenas e móveis, capazes de atacar duramente. Sobretudo no início desta década, a cidade sofreu atentatos terroristas das Farc. Em junho de 2001, se rompeu o diálogo de paz que a guerrilha mantinha com o governo do presidente Andrés Pastrana, e a primeira declaração que ouvimos do Mono Jojoy (considerado chefe militar das Farc) foi de que "vamos passar à tomada de Bogotá, vamos entrar na cidade".

Como foi a resposta a isso?


Eu era o secretário de Segurança, e nos preparamos. Uma das primeiras ações que desenvolvemos foi instalar um batalhão na zona montanhosa do Sumapaz, que pertence à capital, onde as Farc estiveram durante 40 anos. Era o santuário deles, foi por ali que as Farc nasceram. Nossa primeira ação foi tirar o Exército, uma parte do efetivo que estava em Bogotá, e criar o 1; Batalhão de Alta Montanha. O que pretendíamos era cortar a passagem, interromper o corredor que eles tinham entre a o Caguán (uma área de 30mil km; desmilitarizada para as negociações de paz), a selva, o departamento (estado) de Cundinamarca e a periferia sul de Bogotá. Nisso, tivemos o apoio do presidente Pastrana e do comando das Forças Militares. E as Farc reagiram a isso com ações terroristas. Bogotá começou a sofrer atentados em distintas regiões, o mais forte deles contra o clube El Nogal (em 2002, com xx mortos). Eram carros-bomba, foguetes apontados contra a Casa de Nariño, até que em 7 de agosto de 2002, na posse do presidente Álvaro Uribe, houve uma chuva de foguetes, morreram alguns moradores que não tinham nada a ver com o conflito. Atacaram o Congresso e o palácio, caíram mais de 20 foguetes na cidade, mas desativamos mais de 180, apontados para unidades militares e policiais. E aí começou uma série de atentados.

Foi esse o ponto de inflexão no conflito?

A partir de instalado o Batalhão de Alta Montanha, começou outra ação importante. Porque durante as negociações com as Farc o governo Pastrana fortaleceu os militares, por meio do Plano Colômbia, com maior mobilidade ; helicópteros, aviões ; e inteligência. Então, o Exército e a Força Aérea iniciaram ações contra as Farc em Cundinamarca. Rompido o diálogo, eles se dirigiram para o centro do país, mas a ação combinada das Forças Militares, por terra e pelo ar, força a guerrilha a se retirar de Cundinamarca para o sul e o leste. E o Estado começa a recuperar território, e começamos a recuperar a tranqüilidade de Bogotá e dos arredores. Foi com esse cenário que terminou o governo de Pastrana ; não começou tudo com Álvaro Uribe.

Bogotá também teve problemas com o narcotráfico, o crime comum, como outras grandes cidades. E nisso entrou o conceito da "segurança cidadã", do prefeito Mockus. No que ela consiste?

É importante recapitular que o país assistiu ao crescimento da violência ao longo dos anos 1990, até 2002. Mas em Bogotá a violência vinha caindo desde 1995, e essa foi uma ação do poder municipal, que assumiu a responsabilidade pela segurança pública. A primeira coisa que fizemos, nos governos de que participei, foi fortalecer a polícia. Na Colômbia temos a Polícia Nacional, que presta segurança a todas as cidades. O que fizemos em Bogotá foi fortalecê-la em quatro pontos: com recursos do município, melhoramos as instalações e começamos um plano de recolocação dos efetivos na cidade. O efetivo estava concentrado em grandes quartéis, e o que fizemos foi descentralizar essa presença por todos os bairros e favelas, e a construção de unidades policiais menores. Construímos uns 20 quartéis com capacidade para 250, 300 policiais, e construímos 123 Centros de Atenção Imediata (CAIs), que são pequenas unidades, pequenos quartéis com uma área de atuação menor, uma zona segura. São instalações blindadas, com vidro resistente, aço, e a guerrilha não conseguia mais mandar pelos ares, como fazia com os CAIs de construção comum. Cada um desses blindados custou uns US$ 70 mil. Também dotamos a polícia de equipamentos de comunicação, criamos uma grande central de comunicações ; com áudio, vídeo, câmeras por toda a cidade. Em pouco tempo, cada policial tinha seu rádio. E demos mobilidade: carros, motos fundamentalmente, para reação rápida. Hoje a polícia em Bogotá tem 1.500 motos. Há patrulhas motorizadas por toda a cidade, com viaturas que não são carros particulares ; são caminhonetes 4 x 4, blindadas. E, desde 1995, capacitamos nossos policiais nas principais universidades de Bogotá. Por um ou dois meses, grupos de 200 a 250 oficiais aprendem sobre liderança e participação comunitária, solução pacífica de conflitos, violência familiar, atenção aos jovens ; para que saibam distinguir um jovem delinqüente e um que não é. Atenção especial a grupos como os deslocados pelo conflito armado. Em resumo, formamos um policial mais integral. Nós os capacitamos nesses aspectos de convivência cidadã, e a polícia os capacita para reagir ao crime com eficácia, porque tem comunicação, transportes, colete antibalas, todo o equipamento. É um policial capaz de trabalhar com a comunidade, de dialogar, um policial mais amável, mas também muito mais dinâmico frente ao crime.

E o trabalho com os cidadãos?


Nosso programa tinha também ações preventivas, orientadas por exemplo a mudar a conduta dos cidadãos ; o tema da "cultura cidadã" introduzido pelo prefeito Mockus. E a questão da Justiça. Hoje temos 20 unidades de mediação e conciliação, que são funcionários públicos ; cada unidade tem cinco profissionais, entre sociólogos, antropólogos e advogados, que resolvem conflitos de maneira pacífica. E atacamos o problema da violência familiar e dos maus-tratos à criança. Quando começamos, havia cinco unidades que atendiam a esses problemas em toda Bogotá, hoje temos 32. Isso eu não vejo no Brasil, e, na consultoria que estou prestando agora ao Banco Interamericano (BID), digo que o Brasil deveria avançar nessa direção, de criar unidades para solução de conflitos. Porque muitos problemas que terminam em violência começam em conflitos pequenos: é um cachorro que late a noite inteira, o morador que coloca o lixo diante da porta do vizinho, o sujeito que chega todo dia "alto" e escuta música a todo volume; Criamos três Casas de Justiça, 20 unidades de conciliação, e todo ano elas resolvem pacificamente 70 mil ocorrências que ninguém sabe como se resolveriam. E nas 32 unidades de família atendemos por ano mais de 100 mil casos de violência doméstica contra crianças, mulheres, idosos. Enfim, é um programa integral, que capacitou a polícia e a Justiça, que atua nos níveis preventivo, dissuasivo e coercitivo. Porque é preciso integrar todas essas ações. Aqui, vejo uma ação muito exclusivamente policial, sem integração com políticas sociais. Durante os nove anos em que fui secretário, capacitamos 8 mil líderes comunitários e professores, para que ensinem os jovens a resolver conflitos pacificamente.

No Rio, temos o fenômeno recente das milícias, semelhante ao dos paramilitares na Colômbia. O que se pode fazer para não termos uma guerra como a de Medellín?

A primeira coisa é reconhecer que estamos diante de um grupo de pessoas exercendo uma função que não lhes corresponde, e ainda mais por fora da lei. É preciso combater tanto aos traficantes quanto a esses grupos. O pior erro é vê-los como gente capaz de garantir a segurança e justiça, vê-los como aliados frente aos narcotraficantes, como quem diz: "Ah, mas eles estão combatendo o tráfico". O caso colombiano é exemplar. Começaram combatendo a guerrilha os delinqüentes. Os paramilitares chegavam a um lugar e diziam: "Viemos garantir a segurança. Vamos matar os criminosos. Vamos matar os guerrilheiros". E, efetivamente, mataram a uns e a outros. Mas começaram a cobrar dos cidadãos por isso. "Eu presto segurança a você e você me paga", era a lei. E quando já não havia crime nem guerrilha, começaram a cobrar por tudo: pela distribuição de alimentos e bebidas na comunidade, de qualquer produto. Controlaram o transporte coletivo. Começaram garantindo a segurança dos ônibus, depois se apropriaram deles, tomaram dos donos legítimos. Começaram a limitar liberdades
individuais: as pessoas não podiam mais se movimentar a partir de determinada hora, começam a proibir cabelo comprido, brincos, telefone celular, garotas de top com o umbigo à mostra; Começaram a mandar em absolutamente tudo e até a abusar: "Essa garota é minha", por exemplo. E fazem tudo isso por meio da violência. Matam que não se submeta. E se alguém questiona o respeito aos direitos humanos, matam também. São delinqüentes completos, e não há coisa pior que querer garantir a segurança usando delinqüentes! Os paramilitares colombianos e as milícias do Rio são criminosos, como os traficantes, e sobre isso não podemos nos enganar.

Apesar de todos os êxitos da Colômbia no combate ao crime, a produção e o tráfico de cocaína continuam estáveis ; é um paradoxo. Como isso se explica?

A questão é que enquanto houver demanda, e demanda forte, haverá oferta. Esta é a lógica do mercado. O negócio se mantém por causa da corrupção, é inegável. Porque é um negócio rentável. É um mercado tão dinâmico que hoje, na Colômbia, se está produzindo um tipo de maconha tão forte que o país voltou a exportar, depois de muito tempo. É inegável que a Colômbia combateu muito energicamente o narcotráfico, mas é um negócio com muita capacidade de reposição. Extraditamos no ano passado 270 cidadãos colombianos para os EUA, por acusações de narcotráfico. Este ano, só no primeiro semestre, já superamos os 200. Caíram muitos líderes de cartéis, mas o processo de reposição é muito
rápido: você extradita 200 e aparecem outros 250 dispostos a assumir o negócio. É o que eu digo sobre o Brasil, sobre o caso do Rio. Não adianta nada entrar nas favelas, atacar os traficantes, prender alguns, ou até matar, se os agentes do Estado não se estabelecem na comunidade para exercer a autoridade legítima e garantir o desenvolvimento, por meio de investimentos sociais. Se apenas atacam, cinco minutos depois de terem neutralizado os líderes do tráfico aparecerão outros, com maior capacidade e maior disposição de enfrentar as forças do Estado.

O problema atravessou a fronteira da Colômbia;

A América Latina é hoje um mercado tão importante quanto os Estados Unidos ou a Europa. Infelizmente, o mercado das drogas é um mesmo, do Canadá à Patagônia. E o Brasil se engana se pensa que é apenas um país de trânsito, para a cocaína chegar à costa do Atlântico, à África e dali para a Europa. Parte da droga que passa por aqui está ficando para abastecer o mercado interno. O Brasil é o maior mercado latino-americano, e está crescendo, segundo os últimos informes da ONU. Mas não é só aqui: vendem-se drogas com a mesma violência nas ruas de Nova York, da Cidade do México, de Bogotá, Caracas, Rio, São Paulo, Buenos Aires Santiago (Chile). Esse já não é só um problema colombiano, é universal. Agora, cada país tem os próprios cartéis. No Brasil, temos Comando Vermelho, PCC, Terceiro Comando e por aí vai. Deixaram de ser grupos que vendiam em pequena escala para mexer com grandes quantidades, e jogam um papel importante no tráfico da droga que segue para a África. E, claro, no mercado interno. São fenômenos que afetaram muito a segurança cidadã, e vão seguir afetando, porque movimentam muito dinheiro. E não só aqui. Também no Equador, na América Central e no Chile, que tem um problema de consumo muito alto, e também é passagem de drogas para a Europa e outros mercados. E temos o problema de controle territorial. Há mais ou menos um ano estive com o Ministério do Interior chileno, e soube que há bairros de Santiago onde os carabineiros (polícia militar) não entram! Lá, quando matam um traficante, o caixão sai para o cemitério e há gente na calçada dando tiros para o alto, como nesses filmes mexicanos antigos. Vá até Buenos Aires, nos pontos de venda de drogas da região metropolitana! Antes se apreendiam nos portos e aeroportos latino-americanos alguns quilos de droga, hoje são toneladas.

A bola da vez é o México?

O caso mexicano é muito ilustrativo. Quando se controlaram muito rigorosamente as fronteiras da Colômbia, os cartéis colombianos deixaram de enviar as drogas diretamente aos EUA, passaram a usar a fronteira do México, onde já havia uma tradição com o contrabando, a imigração ilegal, o tráfico de armas. Primeiro, os colombianos levavam a cocaína até lá e pagavam para os mexicanos a atravessarem. Os mexicanos, rapidamente, se deram conta de que o preço da droga era um na fronteira e outro nos Estados Unidos. Então, mudaram o jogo com os
colombianos: "Vocês trazem só até aqui, daqui para a frente cuidamos do negócio. Não precisamos mais dos cartéis colombianos, temos os nossos". Não apenas assumiram o controle do tráfico, mas inundaram o México de droga, criaram os próprios cartéis, tomaram territórios aos colombianos e outras máfias nas cidades norte-americanas e, não contentes com isso, foram atrás das drogas na origem. Tiraram os colombianos do negócio. E isso que está acontecendo hoje com o México é o mesmo que acontecerá e já começou a acontecer com outros países. E leva muito pouco tempo. O narcotráfico se tornou nos últimos anos no grande tema da segurança pública, e continuará sendo. O pior erro, em vários países, é que quando se fala com as autoridades elas não reconhecem que têm um problema. No México, há seis anos, estive em uma reunião com a Polícia Federal e outras autoridades e eles diziam: "O problema são os colombianos que estão aqui". Eu respondi: "Vão estar por pouquíssimo tempo. Logo vocês vão estar lidando com o pacote completo".

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