postado em 10/07/2008 07:44
Quatro climatologistas autores de relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) consultados pelo Correio denunciaram excesso de retórica na política ambiental dos países emergentes e desenvolvidos. Também cobraram uma responsabilidade maior por parte das nações ricas no controle das emissões de gases do efeito estufa.Kevin Trenberth, cientista do Centro Nacional para Pesquisa Atmosférica (Ncar) e autor de relatórios do IPCC
"A decisão tomada pelo G-8 de reduzir em 50% as emissões de gases do efeito estufa até 2050 não é suficiente. As ações políticas são irresponsáveis, por falharem em reconhecer adequadamente o problema. O aquecimento global e as mudanças climáticas são temas sérios. Não são um assunto para ser resolvido hoje ou amanhã, mas algo que nós temos de começar a resolver imediatamente. A crise é de inação. Defendo a adoção de metas curtas ; para 2020 ;, por serem essenciais para medirmos o progresso. É preciso que haja o comprometimento real de todos e uma infra-estrutura global para implementar e avaliar as decisões e as penalidades. Também defendo um planejamento de ações para as mudanças climáticas não mitigadas, com as quais teremos de lidar. O primeiro passo se refere à mitigação, o segundo à adaptação. Se a Califórnia e a Costa Oeste dos Estados Unidos têm grandes incêndios florestais, eles são sintomas do aquecimento global e da falha de planejamento.
Cada país deve se escandalizar com o que outras nações estão fazendo com a atmosfera ;deles;. O Brasil deveria se preocupar com a China e os Estados Unidos. Mas o Brasil também contribui com a emissão de gases e a China também o culpa por isso. Deveria haver um senso maior de indignação entre os povos do mundo em relação ao fracasso dos políticos para se fazer algo. "Por que não estamos nervosos com a falha dos políticos em lidar com a ameaça maior para o planeta?"
O aquecimento global é provocado principalmente pelo acúmulo de gases do efeito estufa, porque o dióxido de carbono tem uma longa vida. Por isso, a liderança deveria vir dos países do G-8. Ao mesmo tempo, as emissões atuais e suas taxas de incremento têm de ser fatoradas. A China agora é a líder nas emissões. A população importa bastante, e a meta real de sustentabilidade tem de incluir fatores de população e padrões de vida."
Michael Glantz, cientista do Centro Nacional para Pesquisa Atmosférica (Ncar) e também autor de relatórios do IPCC
"Eu acredito que os países industrializados têm a responsabilidade primeira de agir. Você deve olhar para aqueles países que estão tomando iniciativas para reduzir as emissões de gases do efeito estufa: a Holanda e o Japão têm sido os maior importadores de madeira do mundo. Ambos esses países são líderes na luta contra o aquecimento global, mas o desmatamento aumenta o nível de gases na atmosfera. Os governos operam de acordo com a percepção do interesse nacional, nunca nos interesses do planeta. Devemos ter algum progresso após as eleições dos Estados Unidos, especialmente se Obama vencer. Se a placa de gelo da Antártida Ocidental se romper e cair no oceano, aumentando o nível do mar entre 5m e 8m, os países adversários vão se juntar. Eles terão de se desculpar para centenas de milhões de vítimas afetadas pelas inundações. Parece que será necessária uma catástrofe para unir G-8 e G-5 em um curto prazo. Todos têm uma responsabilidade. Aqueles que têm mais recursos e mais tecnologia devem fazer mais para o bem da humanidade."
John Christy, diretor do Centro de Ciências do Sistema da Terra da Universidade de Alabama em Huntsville (UAH) e autor principal do relatório do IPCC de 2001
"A decisão dos países emergentes de não seguirem a meta de redução de 50% até 2050 é um reconhecimento de que não há alternativa real à energia baseada em carbono no momento. As pessoas precisam de energia ; sem ela, a vida é brutal e curta. De fato, o dióxido de carbono não é poluição. Se o CO2 é um problema (e não acho que seja), então todos os países deveriam estar envolvidos (e acho que não vai ocorrer). Os países emergentes têm o direito de resistir a essas metas, em troca de tornar a vida com energia melhor para seu povo. As nações desenvolvidas têm o direito de resistor a controles mais rígidos pela mesma razão.
Retórica é nada. Deve haver uma tecnologia real que permita uma produção menor de dióxido de carbono enquanto mantém a produção de energia nos níveis para atender as demandas da população. Até que isso ocorra, tudo o que veremos é retórica. Não importa quem vai liderar, se não há nada o que liderar."
Carlos Nobre, climatologista do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e membro do IPCC
"Historicamente, os países industrializados emitiram cerca de 75% de todas as emissões. Estima-se que as emissões anuais de todos os países em desenvolvimento superarão, mantidas as tendências atuais, aquelas das nações industrializadas antes de 2030. Portanto, esses números indicam com clareza que os países industrializados devem começar a reduzir as emissões primeiro e de forma radical, comprometendo-se com metas significativas. Isso é, de 50 a 60% de corte das emissões que tinham em 1990. Porém, estabilizar as concentrações dos gases de efeito estufa, de modo que as temperaturas nao subam mais do que 2 graus Celsius, exige que as emissões globais na segunda metade do século sejam não mais do que 25% ou 30% das emissões atuais. Isso exigirá um esforco global, envolvendo também os países em desenvolvimento. Parece claro que os países em desenvolvimento não assumirão compromissos quantitativos enquanto os países industrializados não somente o fizerem, mas também mostrarem estar cumprindo. Se de fato os países industrializados assumirem compromissos de redução de mais curto prazo, digamos de 20 a 30% de redução das emissões em relação a 1990 até 2020, será possível verificar, já nos próximos anos, a seriedade de cada um no cumprimento das metas. Se estiverem cumprindo, possivelmente as negociações avançarão para que países em desenvolvimento também participem do esforço de redução das emissões, não com metas até 2020, mas de mais longo prazo."