Para Angelo Segrillo, professor de história pela Universidade Federal Fluminense (UFF), o interesse do presidente venezuelano, Hugo Chávez, pelas armas russas revela um "casamento perfeito". Em entrevista ao Correio, o especialista explicou os benefícios para Moscou e Caracas dessa reaproximação, e não descartou o embate ideológico entre Estados Unidos e Rússia como um dos fatores determinantes. Segrillo fez mestrado na antiga União Soviética, durante o período da "perestroika" (1989-1992) e concluiu o doutorado com a tese O Declínio da URSS, que se transformou em livro.
Como poderíamos avaliar a aproximação entre Venezuela e Rússia? Seria por interesse puramente econômico (venda de material bélico por parte da Rússia) ou se pode dizer que existe algum resquício de componente ideológico (enfrentamento com os EUA e "socialismo do século 21" venezuelano)?
Essa aproximação é de grande interesse para Venezuela e Rússia. No aspecto comercial, as transações já seriam interessantes. A Venezuela precisa de equipamentos e armamentos para seus planos estratégicos e a indústria bélica é uma das relativamente poucas áreas industriais em que a Rússia conseguiu manter competitividade mundial após a queda da União Soviética. Um casamento perfeito, segundo as leis do mercado: um precisa e o outro tem para vender. Mas o que aumenta a importância e dá contornos políticos ao processo é a situação geoestratégica do mundo. Ambos os países têm grande interesse (e mesmo necessidade, no caso da Venezuela chavista) de trabalhar contra um sistema unipolar norte-americano no mundo. Ambos desejam fomentar o multilateralismo mundial. Após o exemplo do Iraque, Chavéz se sente realmente ameaçado pela retórica belicista norte-americana. À Russia, interessa fomentar o multilateralismo e diminuir o impulso americano que Moscou vê como direcionado contra ele, no caso da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Com tudo isso, essa aproximação da Venezuela com a Rússia é perfeitamente lógica.
E por que aproximar-se também da Bielorússia? O país possui importante indústria bélica?
A Venezuela tenta se reamar em nível tecnológico alto. Isso não é tão fácil, pois o embargo dos EUA contra Caracas não é apenas das importações diretas das empresas norte-americanas. Muitas vezes, os americanos não permitem a venda de produtos (como aviões) de terceiros países que usem componentes de empresas americanas. Por isso, a Venezuela busca alternativas em vários países mais afastados dos EUA e que, portanto, tenham equipamentos que não caiam na categoria proibida anterior (Irã, Rússia, China etc.). A Bielorússia era uma república relativamente industrializada da URSS e ainda tem algumas indústrias (principalmente bélicas) que provêm artigos de qualidade (mísseis antiaéreos) e se encaixam no perfil que interessa à Venezuela. Além disso, como ambas, Venezuela e Bielorússia são "inimigas" atuais dos EUA. Interessa aos dois lados juntar força para contrabalançar o poder dos EUA.
É interessante para a Rússia associar-se com a Venezuela? Existe complementaridade entre os países?
De maneira geral, a Venezuela tem uma necessidade mais urgente que a Rússia desses acordos. Para ambos, é bom sob o ponto de vista mercadológico, enquanto que no aspecto político-estratégico a importância é maior para a Venezuela que para a Rússia, pois esta última não se vê necessariamente como "inimiga" dos EUA, como Chávez. Mas, como mencionado acima, se a Rússia não quiser simplesmente viver da venda de petróleo, gás e outros recursos minerais para o exterior, tem que comercializar seus produtos industriais competitivos. E a indústria bélica é uma das áreas industriais em que a Rússia é competitiva. Portanto, para ela o programa de rearmamento venezuelano é tremendamente interessante. Casa-se assim uma complementaridade mercadológica com uma afinidade política.