O chinês Jing-dong Yuan, diretor do Programa de Não-Proliferação do Leste da Ásia do Instituto de Estudos Internacionais Monterey (Califórnia), não tem dúvidas: as armas nucleares nunca mais deveriam ser usadas. Em entrevista ao Correio, por e-mail, o especialista falou sobre as cicatrizes daquele 6 de agosto de 1945, dia em que Hiroshima acordou com o clarão da bomba atômica. De acordo com Yuan, Japão e Coréia do Sul já detêm tecnologia avançada para construir armas nucleares, mas a fabricação do arsenal atômico esbarraria no alto custo político.
Que perigo China, Japão e Coréia do Sul representam para a proliferação nuclear na região? Esses países estariam interessados em se armar com ogivas nucleares?
A China já é um Estado com armas nucleares e tem mantido esse status por 44 anos. O Japão é a única vítima da bomba atômica e desde a década de 1950 tem adotado uma política nuclear pacífica. A Coréia do Sul tem usado a enegria nuclear por um longo período. Tanto o Japão como a Coréia do Sul têm contemplado o desejo de fabricar armas nucleares. Nas décadas de 1960 e 1990, estudos patrocinados pelo governo japonês concluíram que ser uma potência nuclear não atendia aos interesses nacionais. Esses estudos foram realizados em sigilo, devido ao sentimento em relação à bomba atômica. Mais recentemente, o Japão tem adotado uma discussão mais aberta. O país possui uma indústria nuclear bastante avançada, com grande estoque de plutônio. Mas para o Japão se tornar nuclear, várias coisas precisam ocorrer. Uma delas está no fato de que o Japão encara sérias ameaças e que não pode se defender nem depender da proteção dos Estados Unidos. Além disso, pode enfrentar o colapso do regime de não-proliferação internacional, o que atrairia mais países para o clube nuclear. Tóquio teria de construir uma aceitação doméstica sem forte oposição, além de precisar do aval de Washington. Seria uma situação extrema e não vejo isso a curto prazo. A Coréia do Sul também tem buscado desenvolver opções nucleares, mas foi contida pelos Estados Unidos. Um dos fatores motivadores foi que Seul estava preocupado com o comprometimento dos EUA em defender o país de um ataque da Coréia do Norte. A Coréia do Sul procurou um enriquecimento nuclear em pequena escala, mas retrocedeu ao ser fiscalizada pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). A questão com a China é saber até que ponto ela vai cumprir com as regras de não-proliferação e não se engajará na exportação de materiais que poderiam ser usados na fabricação de armas. Nesse âmbito, Pequim tem melhorado de modo significativo ao longo das duas últimas décadas, com uma melhor regulação das exportações. Eu diria que sempre há riscos, mas eles podem ser gerenciados por meio da combinação de diplomacia e economia. Por fim, os países devem pesar entre benefícios e custos ao decidirem se vale a pena se tornarem potências nuclares.
Há alguma indicação de que essas nações estariam interessadas em obter energia nuclear?
Japão e Coréia do Sul já dependem bastante da energia nuclear e desenvolveram, ao longo dos anos, indústrias e infra-estrutura muito sofisticadas. A China está se tornando mais interessada na energia nuclear, por causa da crescente demanda pelo petróleo e gás natural, e pelo impacto de queimar muito combustível fóssil. Estima-se que a China construa entre 25 e 30 novos reatores nucleares nos próximos 20 anos. Todos os fornecedores de tecnologia nuclear para a China, como EUA, Rússia, França e Canadá, mantém acordos bilaterais com Pequim em que detalham o comprometimento com o uso pacífico. É claro, quanto mais reatores, maior a exposição dessas instalações e maiores os riscos de aquisição ilícita por meio de grupos. China, Coréia do Sul e Japão reconhecem esses riscos potenciais e têm tomado fortes medidas para proteger seu materia nuclear. O armazenamento de lixo nuclear, o manejo de combustível e o transporte de materiais também merecem atenção. Caso Japão e Coréia do Sul escolham se tornar nucleares, haverá custos tremendos por causa da dependência do comércio internacional, além da dependência de proteção dos Estados Unidos.
A Coréia do Norte seria o fator de incentivo para que nações asiáticas busquem armas nucleares?
O programa de armas nucleares da Coréia do Norte é, definitivamente, causa de preocupação e de justificativa para outros países do Leste Asiático contemplarem a opção nuclear. Felizmente, a comunidade internacional tem sido capaz de controlar a situação, por meio do processo de discussões entre os seis países. A Coréia do Norte está desmantelando suas instalações produtoras de plutônio e, uma vez que os mecanismos de verificação são negociados, devem haver expectativas razoáveis de que os programas de armas nucleares do país serão controlados, desmantelados e eventualmente destruídos. Ainda é preciso termos mais informações sobre o programa de enriquecimento de urânio norte-coreano, mas a tendência geral é de redução das tensções e desmantelamento do programa nuclear. Também são necessários outros mecanismos para atingirem a causa do programa nuclear norte-coreano. Por que um país com uma situação econômica deplorável gastaria tanto em armas nucleares? Se o regime se sente seguro, estaria menos inclinado à opção nuclear, por ser mais onerosa e por provocar isolamento na comunidade internacional.
O mundo aprendeu as lições daquele 6 de agosto de 1945, dia em que Hiroshima foi alvo da bomba atômica?
Uma importante lição de Hiroshima e Nagasáki é que as armas nucleares nunca deveriam ser usadas novamente e deveriam ser controladas ou abolidas. Todos nós conhecemos a história da Guerra Fria, época em que as duas superpotências ; Estados Unidos e União Soviética ; acumularam arsenais pesados. Mas eles sempre foram muito cuidadosos e temerosos de que menores incidentes pudessem iniciar uma escalada de comércio nuclear. A crise dos mísseis em Cuba é um caso. Esse entendimento fundamental também esteve detrás dos esforços para negociar o Tratado de Não-Proliferação de 1968, e os atuais esforços em fortalecer o regime de não-proliferação. Mas há desafios crescentes, especialmente nas áreas de desarmamento nuclear, uso pacífico e eficiência da não-proliferação nuclear, uma vez que a tecnologia se desenvolveu e o controle tornou-se mais complicado. Mas acho que o regime tem servido a comunidade internacional nos últimos 40 anos e deveria continuar a fazê-lo. A grande barganha para a assinatura do TNP deveria ser implementada com melhor verificação e medidas punitivas em caso de não-cumprimento.