postado em 10/08/2008 08:16
Silvia Salame Farjat é hoje a única magistrada em funções no Tribunal Constitucional da Bolívia. De Sucre, sede do Judiciário, ela disse ao Correio que seu país está hoje polarizado e precisa encontrar posições de consenso. No último dia 6, Salame foi acusada pelo governo de prevaricação, por ter emitido dois decretos contra o referendo revogatório. Para ela, Evo
Morales "inventou delitos com o único fim de deixar o Tribunal
Constitucional sem quórum para ditar resoluções, e portanto governar sem a instituição que garante controle da constitucionalidade das leis".
Quantos magistrados costumam ocupar o Tribunal Constitucional?
Conforme as normas previstas pelo artigo 119.II da Constituição Política do Estado (CPE), o Tribunal Constitucional da Bolívia é integrado por cinco magistrados titulares que conformam uma só sala; complementando essa estrutura, o artigo 8.I da Lei 1836 do Tribunal Constitucional (LTC) dispõe que o compõem cinco magistrados suplentes, os quais substituem os titulares em determinadas circunstâncias, expressamente previstas pelo art. 22.I da LTC. O segundo parágrafo do mesmo artigo complementa os supostos de relevo, ao ordenar que: "Nos casos de cessação definitiva de um magistrado titular acederão à titulação assim que se designe seu substituto pelo Congresso Nacional. Estão sujeitos às mesmas incompatibilidades que os titulares e terão por domicílio a sede do Tribunal Constitucional". Os magistrados titulares e suplentes do Tribunal Constitucional são designados pelo
Congresso Nacional da República por dois terços dos votos de seus membros presentes.
Por que só a senhora ficou no Tribunal? O que aconteceu?
Alguns dos magistrados que compunham o Tribunal Constitucional da Bolívia renunciaram, três deles faleceram em exercício de suas funções, ficando a cargo cinco magistrados, dos quais quatro deles sofreram uma série de atentados e foram vítimas de julgamentos políticos instaurados por parte do governo e do partido oficialista em conseqüência da emissão de sentença constitucional que não condizia com os interesses do governo, perseguindo seu distanciamento do Órgão de Controle de Constitucionalidade, objetivo que foi conseguido, derivando na demissão de suas funções. No entanto, em pouco tempo a história demonstrou que o afã absolutista e totalitário do governo de Evo Morales, que inventou delitos com o único fim de deixar o Tribunal Constitucional sem quórum para ditar resoluções, e portanto governar sem a instituição que garanta o controle da constitucionalidade das leis, o exercício dos direitos e garantias fundamentais das pessoas e o exercício do poder público. Como conseqüência dos fatos descritos, o Tribunal Constitucional ficou a cargo da subscrita.
Existe um prazo para que se convoque mais magistrados?
Por expresso mandato das normas do art. 21.III da LTC, ante o término das funções de um magistrado, o Congresso Nacional tem a obrigação de nomear um novo, dentro do prazo de trinta dias; no entanto, essa previsão legal não está sendo cumprida; é assim que o Tribunal Constitucional da Bolívia vive na atualidade um período de incerteza, já que não tem o número suficiente de
magistrados que possibilite a instalação de sua sala plena.
Por que razões a senhora considerou em duas ocasiões que o referendo deveria ser cancelado?
O motivo pelo qual este Tribunal emitiu em duas ocasiões, decretos constitucionais que consideravam o tema em questão, é porque até a data foram colocados dois recursos indiretos ou incidentais que demandam a inconstitucionalidade de normas da Lei do Referendo de Revogação de Mandato, apesar de que devido a inexistência de quórum, não é possível ingressar a
analisar o fundo da problemática apresentada. Em minha qualidade de única magistrada assumo a condição de decana e, portanto, tenho a obrigação de exigir o cumprimento da jurisprudência constitucional emanada deste tribunal por seu caráter vinculante e obrigatório. É simples: se a Lei do Referendo é acusada de inconstitucionalidade por meio de um recurso indireto ou incidental, não pode ser aplicada no processo eleitoral até que seja verificada sua constitucionalidade; por isso, a Lei do Referendo prevê que a pergunta de todo referendo deve ser aprovada pelo Tribunal Constitucional.
Como avalia o texto constitucional proposto pelo presidente Evo Morales? Que pontos positivos e negativos se pode indicar em relação ao texto?
Ante a eventualidade de que a referida norma, seja submetida a controle de constitucionalidade, não é possível emitir um juízo de valor nem critério algum a respeito.
Muitos meios de comunicação sugerem que o presidente venezuelano, Hugo Chávez, influencia as decisões de Morales. Existe ingerência externa atualmente no governo da Bolívia?
O art. 1 da Constituição Política do Estado proclama que a Bolívia é livre, independente e soberana, preceito constitucional que quita toda dúvida em relação à ingerência de países estrangeiros. O presidente Evo Morales tem o dever de cumprir a Constituição e as leis da República. Não seria admissível permitir dita interferência e menos ainda nas políticas internas e tomada de
decisões. O contrário representaria uma violação à norma fundamental. O povo boliviano e as leis do país julgarão se o mandatário agiu conforme o direito. Se não for assim, terão de pleitear as ações legais correspondentes. Não esqueçamos que todos os cidadãos estamos submetidos ao império da lei.
Na sua opinião, a Bolívia é hoje um país dividido? Se afirmativo, que mudanças são necessárias para o melhor desenvolvimento do país?
A Bolívia é hoje uma das nações com maior polarização entre duas visões contrapostas de país, posições egoístas e corporativistas que se originam na política governamental, que privilegiam os interesses pessoais sobre os altos interesses da nação. O que falta a nós, bolivianos, é encontrar pontos comuns de consenso, baseados nos valores supremos consagrados na Carta Fundamental. O progresso da Bolívia depende em grande medida do respeito e da vigência do Estado Democrático de Direito, do cumprimento do império da Constituição e das leis, mantendo vigente ao Tribunal Constitucional como máximo intérprete e guardião da Constituição, órgão que em seus 10 anos de
vigência emitiu cerca de 20 mil sentenças. O Tribunal Constitucional é uma esperança para quantos reconheçam a primazia da Constituição e se reconhecem nela, porque ao fazê-lo afirmam tais direitos.