postado em 12/08/2008 07:50
A Casa Branca subiu o tom das críticas à Rússia, ontem, devido aos ataques contra a Geórgia, principal aliado norte-americano no Cáucaso. O presidente George W. Bush considerou ;desproporcional e inaceitável; a resposta de Moscou à ofensiva georgiana na Ossétia do Sul ; região ligada à ex-república soviética, mas que busca anexação ao território russo. Por sua vez, o primeiro-ministro russo, Vladimir Putin, alfinetou os americanos: ;Saddam Hussein, é claro, tinha de ser enforcado porque arrasou um vilarejo xiita. Agora, o atual governo da Geórgia, que arrasa povoados na Ossétia do Sul e passa com tanques por cima de crianças e velhos, esse nós devemos apoiar!”
O conflito começou na quinta-feira passada, quando a Geórgia mobilizou suas tropas para garantir a soberania sobre a Ossétia do Sul, província que desde a década de 1990 goza de autonomia em relação ao governo de Tbilisi. Moscou reagiu imediatamente com um contra-ataque e expulsou as forças georgianas de Tshkinvali, a capital da Ossétia do Sul.
A troca de farpas entre Estados Unidos e Rússia lembrou os tempos da Guerra Fria, quando norte-americanos e russos disputavam o domínio econômico e militar sobre outras regiões. Putin acusou os EUA de usarem seus aviões para transportar as tropas georgianas do Iraque para as zonas em conflito. ;É uma lástima que alguns de nossos aliados não nos ajudem e tentem, inclusive, nos perturbar;, declarou.
Em um telefonema ao presidente da Geórgia, Mikhail Saakashvili, o vice-presidente dos Estados Unidos, Dick Cheney, disse que a agressão russa ;não deve ficar sem resposta;. Já o deputado americano James F. Jeffrey afirmou que ;se a escalada desproporcional e perigosa do lado russo continuar, isso terá um impacto significativo de longo prazo para as relações entre EUA e Rússia;. Estônia, Letônia, Lituânia e Polônia ; ex-aliadas soviéticas e hoje parcerias norte-americanas na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), divulgaram um documento no qual expressam ;profunda preocupação; com as ações da Rússia na Geórgia.
Outro motivo de irritação para Washington é o fato de a guerra ter forçado Saakashvili a retirar do Iraque 2 mil militares georgianos que compunham a coalizão liderada pelos EUA. O grupo era responsável pela segurança em uma zona crítica, a fronteira com o Irã. Ontem, três postos de controle perto da cidade de Kut estavam vazios.
Erro
O ex-presidente soviético Mikhail Gorbatchev expressou em um artigo publicado pelo jornal The Washington Post que os EUA cometeram um ;grave erro; ao deixarem a Geórgia acreditar que poderia conduzir sem riscos uma operação militar na Ossétia do Sul. ;Os dirigentes georgianos só fizeram isso porque tiveram o sentimento de serem apoiados e incentivados por uma força bem maior;, escreveu Gorbatchev, lembrando que militares do país ;foram treinados por centenas de instrutores americanos;. ;Esse apoio, acompanhado pela promessa de uma adesão à Otan, fez os dirigentes georgianos acreditarem que poderiam conduzir, sem maiores conseqüências, uma guerra relâmpago.;
Segundo informou a agência de notícias Interfax, o ministro da Defesa da Rússia, Anatoly Serdyukov, desmentiu que suas tropas tenham ocupado Gori, a maior cidade georgiana perto da Ossétia do Sul, e garantiu que as operações militares estão restritas ao território ossétio e à Abcásia, outra região separatista da Geórgia. Durante o dia, porém, os russos tomaram uma base militar inimiga em Senaki, perto da Abcásia, e depois recuaram. Em visita a Gori, que ontem continuou sendo bombardeada, Saakashvili disse que o objetivo de Putin é destituí-lo. O presidente da Geórgia se assustou quando bombas explodiram perto do local que ele visitava, e teve de ser protegido por guarda-costas.
O atual presidente da União Européia e chefe de Estado da França, Nicolas Sarkozy, é aguardado hoje em Moscou para tentar mediar um acordo de cessar-fogo. ;Existem perspectivas reais para alcançar rapidamente uma saída à crise;, disse Sarkozy, otimista. O ministro francês de Relações Exteriores, Bernard Kouchner, apresentou ontem um plano de paz apoiado em três pontos pela UE: respeito à integridade territorial da Geórgia, fim imediato de hostilidades e restabelecimento do status quo anterior, ponto também defendido pelos EUA. Embora o presidente russo, Dmitri Medvedev, tenha afirmado que a ofensiva está quase concluída, à noite o embaixador do país nas Nações Unidas, Vitaly Churkin, garantiu que não votará no Conselho de Segurança a favor da proposta francesa. Por enquanto, a guerra matou mais de 2 mil pessoas e deixou 40 mil refugiados.
Personagem da notícia: aprendiz engoliu o feiticeiro
O jovem e ambicioso político Mikhail Saakashvili encarou a Revolução das Rosas, em 2003, como a oportunidade de levar um novo rumo à Geórgia, tirando do caminho o então presidente, Eduard Shevardnadze, que havia sido chanceler da União Soviética nos últimos anos antes da dissolução. Poliglota, graduado pela Columbia Law School, em Nova York (Estados Unidos) e pós-graduado em Relações Internacionais na Euorpa, Saakashvili exibia um currículo que convenceu a maioria dos georgianos de suas credenciais para conduzir a ex-república soviética ao futuro.
Filho de um médico e uma historiadora, Saakashvili havia começado a carreira política três anos antes. Em 2000, fora nomeado ministro da Justiça por Shevardnadze, até então seu mentor. Dois anos mais tarde, tornou-se um líder popular quando renunciou ao cargo, acusando o governo de corrupção. Formou o Movimento Nacional, partido de oposição alinhado à social-democracia européia. Em junho do mesmo ano se elegeu presidente da assembléia regional de Tbilisi.
A partir daí, assumiu a liderança dos protestos contra a fraude denunciada pela oposição nas eleições parlamentares de 2003. A imagem do jovem revolucionário com uma rosa nas mãos deu a volta ao mundo e fez seu ex-mentor renunciar ao cargo. Aos 36 anos, Saakashvili se tornou o mais jovem presidente eleito da Europa, com maioria esmagadora. O advogado se comprometeu em modernizar o país, acabar com a pobreza e a corrupção. Iniciou reformas econômicas de mercado e tentou atrair investidores estrangeiros.
Em 2007, quando enfrentou ele próprio uma crise de legitimidade, reprimiu sem complacência os manifestantes que protestavam contra a corrupção, invadiu meios de comunicação e decretou o estado de emergência. Para contornar a situação, convocou de surpresa eleições presidenciais antecipadas. Em 6 de janeiro passado, foi proclamado vitorioso.
Desde o primeiro mandato, Saakashvili projetou a Geórgia como aliada do Ocidente e defendeu a adesão do país à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan, aliança militar liderada pelos EUA) e à União Européia, para irritação de Moscou. As relações com a Rússia foram se deteriorando até chegar a um bloqueio econômico, em 2006. O presidente georgiano, que agora arrisca a carreira política com a ação militar na Ossétia do Sul, provocou uma reação russa que deixou, em cinco dias de guerra, mais de 2 mil mortos, dos quais 90% eram civis.