Cientistas norte-americanos da Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, estudam o caso de uma afroamericana soropositiva infectada pelo marido com o HIV, vírus da Aids. Apesar de a contaminação ter ocorrido há mais de uma década, a paciente jamais recebeu medicamentos e nunca apresentou sintomas. Em seu sangue, a carga viral do HIV é indetectável. Em entrevista ao Correio, por e-mail, o infectologista Joel Blankson -- autor do estudo publicado na revista científica Journal of Virology -- falou sobre o caso e contou que o próprio sistema imunológico da mulher conseguiu controlar o vírus da Aids e impedir que a doença se manifestasse.
Em que condições o HIV está presente no corpo dessa paciente? Quando e como ela foi infectada?
O vírus presente nessa paciente é do tipo de replicação competente ; contém todos os genes necessário para a síntese viral, e continuará se espalhando uma vez que a infecção ocorra. A carga viram dela tem sido menor do que 50 cópias por mililitro de sangue. Ela recebeu o teste de anticorpos positivo para HIV havia cerca de 10 anos. O vírus foi transmitido pelo marido, por meio de relação sexual. Ela jamais foi tratada contra o HIV porque sua carga víral sempre foi indetectável e a contagem de T CD4 normal.
Como se explica a resistência dessa mulher ao vírus da Aids?
Acreditamos que o sistema imunológico dela é que está controlado o vírus. Ela teve dois alelos HLA (HLA-B*27 e HLA-B*57) que são mais prevalentes em pacientes como ela, capazes de manter a replicação viral sob controle sem medicações para a doença. Os alelos determinam a resposta das células T CD8 contra o vírus. Essa paciente tem respostas muito eficientes das T CD8 que podem inibir a replicação viral.
Então, a chave para a cura da Aids poderia estar dentro do corpo humano, nas células T CD8?
Eu não acho que possamos curar a Aids a esse ponto, mas se pudermos acelerar a resposta específica do sistema imunológico ao HIV a um nível em que possam controlar o vírus, os pacientes podem ser livres da medicação antirretroviral.
Essa mulher jamais apresentou sintomas da doença. O mesmo ocorreu com o marido dela, que a infectou?
O marido dela tinha Aids com infecções oportunistas. Sua carga viral era de 200 mil cópias por mililitro antes do tratamento. Atualmente ele se submete à terapia antirretroviral altamente ativa (Haart) e também tem uma carga viral indetectável.
Os senhores usaram novos testes de laboratório para medir a resposta imune a várias cepas do vírus HIV. A que conclusões chegaram?
Nós mostramos que o vírus dessa paciente não foi combinado como o vírus do marido dela, porque a resposta de suas células T CD8 fez com que o vírus desenvolvesse mutações anormais, que afetaram a taxa de replicação. Também comprovamos que essas células eram muito melhores do que as dele na supressão da replicação do vírus. Finalmente, mostramos que ambos tinham níveis muito baixos de anticorpos neutralizantes para esses vírus, o que implica que esses anticorpos não eram a causa de controle do HIV.
Qual é o potencial de sua pesquisa em termos de aplicações terapêuticas contra a Aids?
Isso sugere que essa paciente com replicação competente foi capaz de controlar a reprodução do HIV mais provavelmente por meio de uma resposta efetiva das CD8 T. É teoricamente possível que ao acelerar a resposta imunológica em pacientes soropositivos, possamos um dia parar as terapias antirretrovirais em pacientes por períodos prolongados de tempo.