postado em 15/08/2008 04:00
Jaime Bermúdez deixou a embaixada da Colômbia em Buenos Aires, no mês passado, para assumir o desafio de comandar a política externa do presidente Álvaro Uribe em um momento de virada para o país. Na crista de uma seqüência de reveses impostos à guerrilha das Farc, e no quadro de uma melhora sensível na segurança pública, a economia cresce a ritmo acelerado. O presidente é tão popular que seus partidários estão em campanha para levá-lo a um terceiro mandato. Mas, na frente externa, apenas agora o governo deixa de se sentir o "patinho feio" ; um governo de direita em uma região toda pensa para a esquerda, um aliado incondicional de Bush na vizinhança de Hugo Chávez."Somos uma democracia respeitável", disse o chanceler em entrevista ao Correio, antes de embarcar para São Paulo depois de uma série de encontros em Brasília. Bermúdez, de 42 anos, é amigo de longa data do presidente e representa um "uribismo sem complexos". Empolgado com a aliança política, econômica e defesa acertada durante a visita do presidente Lula, em julho, ele esbanja confiança no panorama regional e internacional: "Hoje, a Colômbia é vista com maior confiança e maior respeito".
"O mundo nos respeita"
Os resultados do presidente Uribe parecem ter sido mais positivos na frente interna, da segurança, do que na frente diplomática. Como foi, para o senhor, assumir o cargo com esse desafio?
Eu acredito que a Colômbia, na medida em que consegue avançar na política interna em muitas frentes ; como a da segurança, mas também a da economia e da política social ;, consegue ter igualmente uma política externa muito mais ativa. Hoje, a Colômbia é vista com maior confiança e maior respeito por parte da comunidade internacional. Já se reconhecem os avanços na segurança, que se evidenciam pelas cifras e pelo ambiente interno, sem falar como a recente libertação de Ingrid Betancourt e outros seqüestrados, em uma operação que foi qualificada como cirúrgica e ademais no marco de profundo respeito aos direitos humanos, inclusive dos guerrilheiros envolvidos. Mas não é apenas isso. A Colômbia, hoje, depois do Brasil, México e Chile, é o país latino-americano que recebe mais investimentos diretos. Quer dizer: a comunidade dos negócios, no mundo inteiro, está vendo na Colômbia um cenário muito atraente para investimentos. O turismo também aumentou, de 500 mil visitantes por ano, que tínhamos há cinco anos, para mais de 1,2 milhão. Tudo isso para mostrar como há sinais muito concretos de que a comunidade internacional passou a ver a Colômbia de outra maneira.
O Brasil passou a ser uma espécie de "melhor amigo" da Colômbia na América do Sul?
Nós temos o interesse de avançar em relações profundas com todos os países da região, com nossos vizinhos. Com o Brasil temos uma amizade e uma gratidão particulares, assim como o interesse de progredir mais nessa relação, por várias razões. Uma, claro, pela questão da fronteira. Outra, porque há um potencial muito grande em matéria de negócios, os investimentos brasileiros na Colômbia aumentou significativamente, e pode seguir crescendo muito. O turismo também vem aumentando significativamente. Mas, além disso, pelas coincidências políticas, pelo interesse de nos aproximarmos mais em temas que nos interessam, em matéria política e em outras áreas de cooperação, como os biocombustíveis. E também porque Brasil e Colômbia coincidem no interesse de integrar-se regionalmente, em cenários como a Unasul (União de Nações Sul-Americanas) e mesmo o Conselho Sul-Americano de Defesa. A Colômbia sabe que o Brasil tem um peso específico muito importante, na região e no mundo, e damos valor a isso. Os colombianos, e naturalmente o governo do presidente Uribe, apreciamos muito a visita que o presidente Lula fez à Colômbia em julho, não apenas porque ficou por dois dias, mas porque foi acompanhado por um grupo muito importante de empresários, foram 70. E porque esteve em Letícia nos acompanhando no show pela liberdade dos reféns das Farc, e ali disse palavras que a Colômbia e o povo colombiano agradecem muito.
É o Brasil que está trazendo a Colômbia mais para o sul? Ou a Colômbia que atrai o Brasil para o norte?
Em um processo de aproximação, se compartilham vantagens recíprocas. Eu não diria que ninguém esteja se movendo mais para um lado ou para o outro: quando dois países se aproximam, buscam complementaridade, as oportunidades . Não implica necessariamente um deslocamento no cenário regional, mas um cenário mais integrado, porque ambos, Brasil e Colômbia, apostamos em um cenário regional mais sólido, mais , permanente, mais estável.
A Colômbia está conseguindo romper um certo isolamento na região?
Eu não compartilho da idéia de que a Colômbia esteja isolada, de maneira nenhuma. Temos jogado um papel no mundo, temos relações excelentes com nossos vizinhos; tivemos dificuldades com o Equador, mas esperamos resolvê-las logo, temos toda a disposição. O presidente da Venezuela se encontrou recentemente com o presidente Uribe e trataram de diversas questões. Com o Panamá temos relações excelentes, com o Peru, o Brasil. Temos relações comerciais entre a Comunidade Andina e o Mercosul, entramos como membro pleno no Plano Panamá-Puebla, que reúne toda a América Central, temos boas relações com o México. E, com os Estados Unidos, temos uma relação que se sobrepõe às fronteiras partidárias americanas, e vem de muitos anos. Avançamos com os americanos não apenas no combate às drogas, mas também estamos na definição de um acordo de livre comércio com eles. A Colômbia tem participado ativamente dos assuntos da região, e nosso interesse é que continuemos com mecanismos bilaterais e multilaterais.
O Brasil teve um tratamento distinto, por parte da Colômbia, nessa questão dos e-mails das Farc? Mais discreto que o adotado para Venezuela e Equador?
É preciso diferenciar muitas coisas. A política oficial do governo colombiano é: as informações que apareceram nos computadores das Farc foi sendo entregue aos governos dos países mencionados para que cada um proceda internamente, de acordo com suas autoridades, a avaliar as informações, tomar decisões e estabelecer eventuais responsabilidades. Em diferentes cenários, houve vazamentos para os meios de comunicação, que em muitas ocasiões não coincidem com a posição do governo. Portanto, não vou comentar sobre o tratamento que a imprensa tenha dado a vazamentos que infelizmente ocorreram. E nós, naturalmente, preservamos essas informações.
Mas o presidente Uribe falou publicamente sobre o que foi supostamente encontrado sobre contatos das Farc com os governos da Venezuela e do Equador;
As alusões feitas pelo presidente Uribe foram sempre muito genéricas, sobre uma preocupação que a Colômbia tem ; de que a comunidade internacional entenda que a única maneira que temos de erradicar o narcotráfico e o terrorismo é com a cooperação, em um trabalho de coordenação permanente com nossos vizinhos e o mundo inteiro. Para a Colômbia, o mais importante, o desafio fundamental é derrotar o terrorismo e o narcotráfico definitivamente. E, para isso, necessitamos que a comunidade internacional nos acompanhe.
Os acordos assinados com o Brasil na área de defesa equivalem a blindar a fronteira. Ainda que não seja o único propósito, isso não ajuda a sufocar as Farc? Tudo que possamos fazer, tanto a Colômbia quanto os países vizinhos, para fechar as portas à capacitação militar e política das Farc será bem recebido. Porque é fato que a Colômbia é uma democracia respeitável, que permite as expressões dissimilares, é cenário de espaços políticos diversos. E o que queremos é que esses grupos armados entendam de uma vez por todas que não há lugar para o terrorismo. Que o mais natural é eles deixarem as armas e entrarem na política.
O Brasil pode ajudar fechando as portas para as Farc, como o senhor diz. Poderia ajudar também a abrir portas para uma solução pacífica do conflito?
O presidente Uribe e o governo colombiano têm sido muito claros: a solução negociada é sempre uma opção vigente. Mas a primeira coisa que as Farc precisam compreender é que qualquer negociação tem de ser séria e concreta. O presidente disse que a Colômbia tem de combater com toda a firmeza os grupos que presistam no terror. Mas também mostrou toda sua generosidade oferecendo os espaços necessários para que eles ingressem no jogo democrático. Foi o que já fizemos com mais de 40 mil combatentes desmobilizados dos grupos paramilitares, das Farc e do ELN.
Com os acordos de defesa, o que se espera é uma presença mais constante de ambos os Estados na fronteira. Isso vai além da presença militar?
Temos na Colômbia o Plano Fronteiras, pelo qual responde a chancelaria. A cada 15 dias, um mês, o chanceler visita localidades fronteiriças, acompanhado por diferentes organismos de Estado, para acompanhar o andamento de programas e projetos em matéria de saúde, infra-estrutura, educação e outras áreas. Ainda temos muitas limitações de recursos, mas temos a decisão de que, conforme nossas possibilidades, possamos atender mais e mais as populações da fronteira.
Não se trata apenas do deslocamento de forças militares?
Não, não. O Estado tem que realizar um trabalho integral, tem que marcar presença institucional. Com o monopólio do exercício legítimo da força, mas também com ações que permitam à população ter acesso a saúde, educação, comunicações, informação; Estamos perfeitamente conscientes de que é preciso terminar com toda ilegalidade ; não apenas o tráfico de armas e drogas, mas as informalidades, a ausência do Estado. O conceito é de uma presença integral.
A visita do presidente teve também um importante ingrediente econômico e comercial. Que avanços concretos houve nesse terreno?
Isso está registrado nas cifras sobre o aumento dos investimentos nos últimos anos. No ano passado chegamos perto dos US$ 600 milhões de investimentos brasileiros na Colômbia. Houve uma evolução muito clara e que se reflete em todos os setores. Não se trata apenas do esforço importante que a Petrobras está fazendo ; e não só em exploração, mas também na distribuição, na rede de postos e em projetos energéticos. Também temos participação brasileira no transporte aéreo, na siderurgia e em outros projetos importantes. Temos toda a disposição para receber os investimentos estrangeiros, e os do Brasil têm crescido muito.
E os biocombustíveis?
Temos avançado em algumas frentes importantes. O Brasil, claro, é líder mundial na matéria, e a Colômbia tem avançado muito, já dá incentivos fiscais para o investimento no setor. Também temos avançado no aspecto legal do uso de biocombustíveis, e já temos projetos importantes, tanto para o etanol quanto para o biodiesel. Entre os dois países, temos trocado informações e desenvolvido projetos de cooperação. Queremos avançar muito mais.
Como foi a visita ao Itamaraty, pela manhã?
A chancelaria brasileira é reconhecida mundialmente pelo profissionalismo, pela capacidade, e queremos aprender com isso. Tivemos uma reunião com o secretário-geral Samuel Pinheiro, e agradecemos muito a generosidade de todos os funcionários que nos receberam. Falamos sobre carreira diplomática, comunicações internas ; queremos fazer intercâmbios para aprender sobre tudo isso. E, naquilo em que possamos oferecer experiências, as portas estão abertas.
O presidente Uribe vai mesmo disputar o terceiro mandato?
O presidente tem dito que não lhe interessa que as pessoas se perpetuem no poder, mas que a Colômbia tem de reeleger a política de Segurança Democrática, pois ela requer continuidade para que se consolidem todos os avanços conquistados e se impeçam passos para trás. Ele diz também que é preciso reeleger a política de atrair investimentos externos diretos com responsabilidade social. A própria reeleição é um tema do qual o presidente não fala.
Mas ele tampouco desmente;
Ele diz isso que eu acabo de dizer a você.