postado em 15/08/2008 16:06
MOSCOU - Ante a questão sobre se o conflito russo-georgiano na Ossétia do Sul é resultado das tensões dos últimos meses ou se foi cuidadosamente planejado por uma ou outra parte, os analistas se inclinam pela segunda hipótese.O ataque georgiano no enclave separatista na noite de 7 para 8 de agosto parece ter surpreendido uma boa parte da comunidade internacional, que tinha o olhar voltado para a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim.
Na verdade, as duas partes parecem ter adotado há algum tempo o provérbio latino: "Si vis pacem, para bellum" (Se quiser a paz, prepara a guerra). Para o presidente georgiano Mikheil Saakashvili, a Rússia o impeliu a lançar a operação por meio de provocações.
As forças georgianas "abriram fogo sobre Tsjinvali" no último dia 8, "depois dos assassinatos, durante vários dias, de membros de nossas forças de paz e da população civil", afirmou Saakashvili ao jornal Kommersant nesta sexta-feira (15/08).
A intervenção russa que se seguiu foi premeditada, acusou. Houve "preparação minuciosa da guerra", e "o momento foi brilhantemente escolhido: durante os Jogos Olímpicos", afirmou, destacando que os russos haviam "construído toda a infra-estrutura para a intervenção, tanto na Abkházia como na Ossétia do Sul".
Pavel Felgenhauer, analista independente, escreveu num artigo na revista Novaia Gazeta que considera como prova disso o fato de que a frota russa do mar Negro, assim como as unidades terrestres e de pára-quedistas estivessem todas "prontas" para intervir. O aparelho de propaganda do Estado também havia sido posto em prática há tempos, persuadindo a população russa de que a agressão georgiana era "inevitável" e que Estados Unidos e Ocidente eram os que manejavam a situação.
Fedor Lukianov, redator-chefe da revista Rússia na política global, defende a tese contrária. "Não acredito que sejam os russos que prepararam esta guerra. Parece que foi algo totalmente inesperado para nós. Foram necessárias 14 horas para avaliarmos a situação e dar uma resposta", disse.
"Ao se decidir, Saakashvili não foi louco, mas um aventureiro. Faltaram a ele cerca de 10 horas. Se tivesse ultrapassado Tsjinvali, aproximando-se do túnel de Roki (na fronteira russo-georgiana) e o tivesse bloqueado com uma explosão, teria impedido a operação terrestre russa. Teria tomado o território sob seu controle tornando impossível responder", acrescentou Lukianov. O importante apoio dos Estados Unidos à Geórgia, estimulou Mikhail Saakashvili em seus propósitos, prosseguiu.
Sem surpresa - Serguei Markov, analista político e deputado da Duma próximo ao Kremlin, afirma que a "Rússia queria evitar a guerra". Os projetos georgianos, não poderiam ter escapado a Washington: "Não foi uma surpresa para os americanos. Saakashvili não é um presidente independente, suas tropas são quase americanas, asssim como seu armamento, seus instrutores, etc".
"O objetivo dos Estados Unidos era empurrar a Rússia a uma resposta militar. O escandaloso não é a atuação da Rússia, mas a dos Estados Unidos", concluiu. Em um artigo publicado na edição de terça-feira do Washington Post, o ex-presidente soviético Mikhail Gorbatchev considerou que os Estados Unidos cometeram um "grave erro" ao deixar a Geórgia acreditar que poderia conduzir sem riscos uma operação militar na Ossétia do Sul.
"Ao declarar que o Cáucaso, uma região localizada a milhares de quilômetros do continente americano, pertence a sua esfera de interesse, os Estados Unidos cometeram um grave erro", escreveu o Prêmio Nobel da Paz de 1990 nessa tribuna.
"Claro que a paz no Cáucaso é do interesse de todos. Porém, é apenas uma questão de bom senso admitir que a Rússia tem raízes nesta região, devido a uma geografia e séculos de história comuns", acrescentou Gorbatchev. "A Rússia não busca a expansão territorial, mas tem interesses legítimos na região", prosseguiu.
Para o ex-presidente russo, os ocidentais "expressaram posições desequilibradas" durante as discussões no Conselho de Segurança da ONU sobre a Geórgia. "O resultado é que o Conselho não pôde atuar com eficiência logo no início do conflito", destacou.
Ele também acusou o presidente da Geórgia, Mikhail Saakashvili, de ter tomado uma decisão "imprudente" ao lançar, quinta-feira, uma operação militar na Ossétia do Sul para retomar o controle da região separatista.
"Os dirigentes georgianos só fizeram isso porque tiveram o sentimento de serem apoiados e incentivados por uma força bem maior", afirmou, lembrando que as forças armadas georgianas "foram treinadas por centenas de instrutores americanos".
"Esse apoio, acompanhado pela promessa de uma adesão à Otan, fez os dirigentes georgianos acreditarem que poderiam conduzir, sem maiores conseqüências, uma guerra relâmpago na Ossétia do Sul", acusou Gorbatchev. Na opinião do ex-presidente, "a Rússia era obrigada a responder". "Acusar Moscou de agressão contra uma Geórgia ;fraca e sem defesa; não é apenas cínico, é desumano", finalizou.